CPC na prática

O STJ e a mitigação de vícios para o conhecimento de recursos especiais

Professor Rogerio Mollica destaca recentes julgados do STJ que mitigaram vícios para possibilitar o conhecimento de recursos especiais.

29/2/2024

A Jurisprudência Defensiva de nossos Tribunais Superiores já foi objeto de muitas críticas em nossa coluna1. Não se pode conceber um ordenamento que privilegie o apego excessivo à forma em total detrimento ao conteúdo. O processo não pode ser um fim em si mesmo, já que é o instrumento para que o jurisdicionado atinja nossas Cortes e possa haver pacificação social.

Em artigo publicado anteriormente à entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2.015 tive oportunidade de criticar o formalismo excessivo, que afetava a segurança jurídica das partes e a própria celeridade processual2.

Entretanto, o presente artigo é para elogiar o recente entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, excepcionalmente, previu a possibilidade da admissão para julgamento de recurso especial que alegue violação do artigo 1.022 do Código de Processo Civil sem indicar o inciso violado, desde que, nas razões recursais, haja demonstração inequívoca do vício atribuído à decisão recorrida e de sua importância para a solução da controvérsia:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. ART. 1.022 DO CPC/2015 ARGUIÇÃO DESACOMPANHADA DA INDICAÇÃO DO(S) INCISO(S). SÚMULA N. 284/STF. SUPERAÇÃO. VÍCIO INTEGRATIVO. EXPOSIÇÃO DE FORMA CLARA E FUNDAMENTADA. DEMONSTRAÇÃO DA IMPORTÂNCIA PARA O DESLINDE DA CONTROVÉRSIA. NOVA ORIENTAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o CPC/2015.

II - Decisão agravada que adota, entre outros fundamentos, a orientação de ambas as Turmas da 1ª Seção deste Tribunal Superior, consubstanciada na impossibilidade do conhecimento do Recurso Especial em relação à alegação de afronta ao art. 1.022 do CPC/2015 quando não especificado o inciso correspondente ao vício integrativo.

III - Reavaliação, conforme o art. 927, V, do estatuto processual civil e em prestígio ao princípio da instrumentalidade das formas e à ratio decidendi adotada pela Corte Especial no julgamento do EAREsp n. 1.672.966/MG, segundo a qual a inobservância à regra processual que pode gerar o não conhecimento é aquela passível de comprometer a compreensão da tese jurídica desenvolvida.

IV - Superação do óbice contido na Súmula n. 284/STF, mitigado o rigor processual e assentada a cognoscibilidade do Recurso Especial quando a alegação de violação ao art. 1.022 do CPC/2015 vier desacompanhada da indicação do(s) inciso(s) correspondente(s), desde que, inequivocamente demonstrado, nas razões recursais, de qual(ais) vício(s) integrativo(s) padeceria o provimento jurisdicional recorrido e sua importância para a solução da controvérsia.

V - In casu, não obstante a ausência de indicação dos incisos I e II do art. 1.022 do CPC/2015 das razões do Recurso Especial extrai-se, de forma inequívoca, tais requisitos.

VI - Agravo Interno parcialmente provido.” (g.n.)

(AgInt no AREsp n. 1.935.622/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 21/9/2023.)

Deve-se alertar que o julgamento foi por apertada maioria (3X2) e de apenas uma das Turmas do Superior Tribunal de Justiça, mas é de se enaltecer o entendimento da maioria vencedora de superação do vício e do conhecimento do Recurso Especial.

Do voto vencedor da Min. Regina Helena Costa se extraí o seguinte trecho que o resume:

“Isso porque, embora a precisão na indicação do dispositivo violado e o detalhamento da tese desenvolvida se apresentem, em minha percepção, a eliminar qualquer dúvida acerca do preenchimento de um dos requisitos de admissibilidade, a inobservância que pode gerar o não conhecimento é aquela passível de comprometer a compreensão da tese jurídica desenvolvida.

In casu, não obstante a ausência de indicação dos incisos I e II do art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, consoante reconhecido no Agravo Interno, a leitura das razões do Recurso Especial (fls. 2.453/2.469e) demonstra identificação, de forma inequívoca, tanto das teses relacionadas aos vícios integrativos constantes do acórdão recorrido (três omissões e uma contradição) quanto à importância de sua solução para o deslinde da controvérsia submetida à apreciação do Poder Judiciário.”  (g.n.)

O voto vencedor faz remissão a outro recente acórdão da Corte Especial do STJ, que permitiu, também de modo excepcional, o conhecimento de Recurso Especial no caso de não especificação da(s) alínea(s) do artigo 105 da CF que teria(m) sido violada(s):

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA POSSIBILIDADE DE SE CONHECER DO RECURSO ESPECIAL, MESMO SEM INDICAÇÃO EXPRESSA DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL EM QUE SE FUNDA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE DEMONSTRADO O SEU CABIMENTO DE FORMA INEQUÍVOCA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.029, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS, MAS REJEITADOS.

1. A falta de indicação expressa da norma constitucional que autoriza a interposição do recurso especial (alíneas a, b e c do inciso III do art. 105) implica o seu não conhecimento pela incidência da Súmula n. 284 do STF, salvo, em caráter excepcional, se as razões recursais conseguem demonstrar, de forma inequívoca, a hipótese de seu cabimento.

2. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados.”

(EAREsp n. 1.672.966/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 20/4/2022, DJe de 11/5/2022.)                                     

Também do voto da Relatora se extraí importante trecho balizador de toda a defesa contrária à Jurisprudência Defensiva:

“(...) mitigando o rigor formal, em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas e da efetividade do processo, a fim de dar concretude ao princípio constitucional do devido processo legal em sua dimensão substantiva de razoabilidade e proporcionalidade.”

Portanto, é de enaltecer tais decisões que superaram rigores formais para o julgamento do mérito dos recursos. Tais decisões ainda são em pequeno número, mas se espera que cresçam quando estiver plenamente aplicável o requisito da relevância da questão federal para a interposição de Recursos Especiais.

__________

1 Disponível aqui.

Disponível aqui.

Disponível aqui.

Disponível aqui.

2 "A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil", in Revista Brasileira de Direito Processual, n. 90, 2015.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).