É conhecida a redação do artigo 382, parágrafo quarto, do CPC/15, que, quanto ao procedimento de produção antecipada de provas, estabelece que: “Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário”.
Já tivemos a oportunidade de externar opinião sobre o tema em artigo publicado em 13/9/2016 no Migalhas, em trabalho no qual sou um dos coautores:
Naquele texto, já havíamos concluído que: "Em suma, a produção antecipada de prova sem urgência não pode ser utilizada de forma abusiva pelo requerente, sendo certo que compete ao magistrado verificar os limites e a pertinência da prova pretendida, a legalidade de sua produção e se os requisitos legais para a antecipação estão presentes; podendo o requerido questionar em sua defesa se a finalidade da lei é (ou não!) atendida. Uma análise sistemática e constitucional do novo CPC revela que a impossibilidade de apresentação de defesa no âmbito da antecipação da prova é dotada de aplicação limitada ao âmbito de cognição horizontal do órgão julgador. A própria limitação a respeito da apreciação de fatos e consequências jurídicas deles advindas deve ser vista com certo cuidado, por necessidade de análise da finalidade da produção da prova que se pretende realizar. Espera-se que a presente opinião auxilie e sirva de estímulo ao estudo e construção de trabalhos de maior fôlego a respeito do tema".
Ou seja, não é nova a preocupação com a literalidade do referido dispositivo processual, sendo que, sempre que houver abuso no manejo da produção antecipada de prova, compete ao magistrado zelar pela finalidade do instituto e observar o espírito dos princípios estruturantes do CPC/15.
E nessa linha foi a recente posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 2037088, da relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, tendo-se permitido que o princípio do contraditório seja adequadamente observado, no procedimento de produção antecipada de provas, quando houver fundados questionamentos acerca dos requisitos necessários para o ajuizamento da medida em tela. Veja-se:
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC. DEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO, SEM OITIVA DA PARTE ADVERSA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A PRETEXTO DE APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 382 DO CPC. CONTRADITÓRIO. VULNERAÇÃO. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A controvérsia posta no recurso especial centra-se em saber se, no procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente – a despeito da ausência do requisito de urgência – e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa; bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal, nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão.
2. O proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias aparta-se, por completo, do chamado processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como vetor interpretativo de todo o sistema processual civil.
3. Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão.
4. Reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si, ressai claro que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de qualquer discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar, assim como sobre as consequências jurídicas daí advindas.
5. As ações probatórias autônomas guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e, naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, por meio de todas as defesas e recursos admitidos em nosso sistema processual, na medida em que sua efetivação importa, indiscutivelmente, na restrição de direitos.
6. É de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual, à ampla defesa, à isonomia e ao devido processo legal.
7. Recurso especial provido".
A posição do STJ é bem-vinda e está em sintonia com uma visão constitucional do processo civil, de modo que todo e qualquer instituto processual precisa ser interpretado em conformidade com os princípios estruturantes do CPC/15; sendo que, no caso em referência, forte é a diretriz de que a produção antecipada de provas precisa ser compreendida, sem prejuízo das particularidades deste procedimento, em linha com os princípios do contraditório e da ampla defesa quanto aos seus requisitos de ajuizamento e subsequente trâmite.