Sem dúvidas, o artigo 85 do Código de Processo Civil é um dos que mais sofrem questionamentos em nossas Cortes. Ao tratar de forma pormenorizada sobre os honorários advocatícios tal dispositivo acabou por criar muitas dúvidas nos operadores e decisões judiciais conflitantes.
Dessa vez, não abordaremos o já famoso § 8º e a impossibilidade da redução dos honorários advocatícios para o seu arbitramento por equidade. Tal tese foi objeto do Tema 1.076 do Superior Tribunal de Justiça e mostra de forma cristalina como o sistema de precedentes do CPC/15 é falho e permite que um julgamento repetitivo não seja respeitado.
Outro parágrafo bastante questionado é § 19, que prevê que "os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência na forma da lei".
Em artigo publicado em fevereiro de 2.019 nessa própria coluna1, tive oportunidade de demonstrar a falta de uniformidade no tratamento do tema na doutrina e na jurisprudência.
Nem o julgamento da ADIN 6.053/DF, em 2020, pacificou o tema De fato, o Supremo Tribunal Federal definiu que "1. A natureza constitucional dos serviços prestados pelos advogados públicos possibilita o recebimento da verba de honorários sucumbenciais, nos termos da lei."
Isso porque, o Superior Tribunal de Justiça vem sistematicamente julgando que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito do precatório devido pelo ente público. Nesse sentido e citando inúmeros outros julgados no mesmo sentido temos o seguinte recente acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIREITO AUTÔNOMO DO PROCURADOR JUDICIAL. INEXISTÊNCIA. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.
II. O entendimento do Tribunal de origem está em desconformidade com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, "no sentido de que os honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o crédito previsto no título. Precedentes: REsp 1.668.647/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/6/2017, DJe 20/6/2017; AgInt no AREsp 909941/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma. Julgado em 22/8/2017, DJe 31/8/2017" (STJ, AgInt no REsp 1.893.299/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/08/2021).
III. Precedentes: STJ, AgInt no AREsp 1.834.717/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/5/2022; AgInt nos EDcl no REsp 1.907.197/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 2/6/2021; AgInt no REsp 1.718.785/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/10/2020; AgInt no AREsp 909.941/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 31/8/2017; REsp 1.668.647/SP, Rel. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/6/2017; AgRg no AREsp 5.466/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/8/2011. Em situações semelhantes – inclusive do Distrito Federal –, o STJ acolheu a tese do particular: STJ, AgInt no REsp 1.991.336/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 5/10/2022; RCD no REsp 1.861.943/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/10/2021. No mesmo sentido, dentre outras, as seguintes decisões monocráticas: STJ, REsp 2.064.366/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 29/05/2023; REsp 2.055.072/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 23/03/2023.
IV. Agravo interno improvido."
(AgInt no REsp 2.003.127/DF, rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, j. 26.06.2023, publ. 30.6.23)
Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acaba com uma injustiça, pois muitas vezes o particular tinha que se sujeitar a receber o seu crédito pelo moroso sistema do precatório e, em caso de sucumbência recíproca, tinha de pagar de imediato os honorários advocatícios aos Entes Públicos.
Entretanto, a solução de tal injustiça talvez gere outra injustiça com os advogados públicos, que deixam de receber os honorários sobre esse montante compensado com o valor do precatório. Talvez o mais justo seria pensar uma forma de recompensar os Advogados Públicos nesses casos. O § 14, do artigo 85, em boa hora, vedou a compensação dos honorários em caso de sucumbência recíproca e nesse caso parece que é exatamente o que está acontecendo, com a compensação da verba honorária dos advogados públicos com o valor do precatório devido pelo Poder Público.
Resta saber, caso se entenda a questão constitucional, se o Supremo Tribunal Federal chancelará o entendimento de que os "honorários de sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade".
Nesse caso, como geralmente acontece, a solução parece não estar nos extremos (os advogados públicos não devem receber os honorários sucumbenciais ou a verba honorária pertence exclusivamente aos procuradores e não se poderia compensar com o crédito a ser recebido via precatório). Caberia assim, à lei, prevista no § 19 tentar compatibilizar as duas posições sem que a solução de uma injustiça crie outra.
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1 Disponível aqui.