CPC na prática

Posições do STJ sobre a recorribilidade da decisão de afetação de que trata o artigo 1037 do CPC/15

Uma das vantagens do sistema de precedentes, que tão bem inspirou a formação do CPC/15, é a busca de maior previsibilidade na prestação da tutela jurisdicional, garantindo-se, portanto, a obtenção da segurança jurídica.

22/6/2023

Uma das vantagens do sistema de precedentes, que tão bem inspirou a formação do CPC/15, é a busca de maior previsibilidade na prestação da tutela jurisdicional, garantindo-se, portanto, a obtenção da segurança jurídica. 

E uma das ferramentas utilizadas pelo CPC/15 para lastrear a tentativa de uma maior uniformidade na prestação da tutela jurisdicional – notadamente em situações similares – é a dinâmica adotada para o julgamento dos recursos que tramitam no formato de “repetitivos”, conforme previsão da Subseção II do capítulo que trata do sistema recursal no código.   

Como disciplina o diploma processual, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, poderá haver afetação do tema para julgamento de acordo com as disposições do CPC/15, dentro da dinâmica dos recursos repetitivos, observado sempre o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. 

E o artigo 1037 do CPC/15 diz que, uma vez selecionado um recurso especial e/ou extraordinário paradigma da controvérsia, o relator, no tribunal superior, constatando a presença dos pressupostos para o julgamento dentro da dinâmica dos recursos repetitivos, proferirá decisão de afetação, na qual, dentre outras providências: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; e II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. 

O parágrafo 9º do artigo 1037 do CPC/15 permite que a parte interessada, caso queira requerer o prosseguimento do trâmite do seu processo, demonstre a distinção entre a questão a ser decidida no seu caso e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado no sistema dos repetitivos. 

Este requerimento, conforme prevê o artigo 1037 do CPC/15, deve ser endereçado: (i) ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau; (ii) ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; (iii) ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem; (iv) ao relator, no tribunal superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário cujo processamento houver sido sobrestado. E contra a decisão que resolver o aludido requerimento, caberá: (i) agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; e (ii) agravo interno, se a decisão for de relator. 

Mas a grande dúvida é se cabe agravo interno, nos termos do artigo 1021 do CPC/15, contra a decisão de afetação de que trata o artigo 1037 do CPC/15? Ou a parte interessada pode apenas se valer, em um primeiro momento, do requerimento de que trata o parágrafo nono do artigo 1037 do código? 

O Ministro Navarro Dantas, em belo artigo sobre o tema, opina pelo cabimento do agravo interno contra a referida decisão de afetação, apesar de reconhecer a tendência jurisprudencial contrária: “Se não seguirem o exemplo que pelo menos a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça está dando, ao começar uma interessante guinada nessa jurisprudência ? e aqui se tem em mente, de modo preciso, esses casos em que se alega distinguishing ?, que ao menos considerem deixar clara a possibilidade de que a parte que busca demonstrar a distinção do seu caso o possa fazer no tribunal de origem (na linha da formulação primeva do enunciado), com amplo manejo do agravo interno. Embora talvez o ideal seja possibilitar à parte, sem ambages, requerer o reconhecimento da distinção de seu caso onde e no momento em que lhe parecesse mais conveniente ? tanto perante o tribunal de origem como junto às cortes superiores de destino ?, sempre que a questão surgir em face da problemática dos sobrestamentos decorrentes do procedimento de julgamento de recursos repetitivos. E em qualquer dessas hipóteses, podendo agravar internamente, se necessário”1. 

A Professora Teresa Arruda Alvim2, por sua vez, explicita que o procedimento a ser seguido, para fins da distinção, com observância do devido contraditório, é o disciplinado nos parágrafos nono e seguintes do artigo 1037 do CPC/15. 

E o tema vem sendo objeto de recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, nos quais, basicamente, se destacam as seguintes diretrizes: (i) a decisão de afetação não é recorrível por agravo interno, podendo, no máximo, ser desafiada pelo requerimento de distinção de que trata o parágrafo nono do artigo 1037 do CPC/15; (ii) a posterior decisão, que resolver o requerimento de distinção, poderá sim ser objeto de recursos, conforme previsão do mesmo artigo do código. 

Bem didático, nessa linha, é o acórdão proferido no AgInt no REsp 1888324 / MG, da Relatoria do Min. Benedito Gonçalves, da Primeira Turma do STJ, julgado em 26/04/2021: 

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TEMA AFETADO À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DESPACHO. MEIO DE IMPUGNAÇÃO.

1. Antes da edição do Código de Processo Civil de 2015, esta Corte entendia ser inadmissível o recurso interposto contra despacho que, ante a pendência de julgamento de recurso submetido à sistemática dos recursos repetitivos, determina o sobrestamento do apelo especial na Instância de origem, em virtude da ausência de conteúdo decisório da decisão impugnada.

2. O § 9º do artigo 1.037 do CPC/2015 trouxe a possibilidade de apresentação do requerimento de distinção para a impugnação ao referido despacho de sobrestamento do recurso, com o escopo de demonstrar a diferença entre a questão a ser decidida no processo sobrestado e aquela a ser julgada no repetitivo. Por sua vez, o § 13º do art. 1.037 do CPC/2015 dispõe que é cabível o agravo interno em face da decisão que resolver o requerimento de distinção.

3. No caso dos autos, verifica-se o cabimento do presente agravo interno, porquanto interposto em face da decisão que apreciou o requerimento de distinção. No tocante à matéria discutida no apelo especial, tem-se que a análise da questão versada nos autos perpassa pela apreciação da possibilidade ou não de inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa (Tema 1.055). Assim, em observância ao princípio da economia processual e para evitar decisões dissonantes, tem-se que deve ser mantida a decisão que determinou o retorno dos autos à origem, nos termos dos arts. 1.040, I e II, e 1.041 do CPC/2015.

4. Agravo interno não conhecido.” 

Posição semelhante foi a adotada no AgInt no AREsp 1359426 / RS, da Relatoria do Ministro Gurgel de Faria: 

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMA. REPERCUSSÃO GERAL.

SOBRESTAMENTO DO FEITO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS. IRRECORRIBILIDADE. 1. É inadmissível a interposição de recurso em desfavor de decisão que determina a baixa dos autos para sobrestamento do feito, em virtude da pendência de julgamento de recurso extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral. 2. Nos termos do art. 1.037, §§ 9º e 10, do CPC/2015, a única hipótese de alteração da decisão de sobrestamento seria a demonstração, por meio de requerimento, de que a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso extraordinário afetado seriam distintas, o que não ocorreu na hipótese dos autos”. 

E, justamente no sentido de admitir o agravo interno interposto contra a decisão que realmente aprecia o requerimento de distinção, vale pontuar o acórdão proferido no EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 1791759 / SP, da relatoria do Ministro Raul Araujo: 

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. CABIMENTO DE AGRAVO INTERNO COMO IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUE RESOLVE DISTINÇÃO ENTRE O TEMA REPETITIVO AFETADO PENDENTE DE JULGAMENTO E A QUESTÃO DE DIREITO OBJETO DO RECURSO ESPECIAL. OCORRÊNCIA. RECURSO REPETITIVO. DISTINÇÃO ENTRE O TEMA 1.039 E O CASO DE VÍCIOS CONSTRUTIVOS OCORRIDOS DURANTE A VIGÊNCIA CONTRATUAL EXTINTA E INDETERMINAÇÃO DO INÍCIO DE VÍCIOS OCULTOS E PROGRESSIVOS. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos do Código de Processo Civil de 2015, "a parte deve demonstrar, no caso concreto, a distinção entre o tema trazido em seu especial e a tese jurídica com repercussão geral pendente de julgamento no STF, por meio de requerimento previsto no art. 1.037, § 9º, de modo que o agravo interno é cabível da decisão que resolver esse requerimento (art. 1.037, § 13)", cf. AgInt no AgInt no AREsp 517.626/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2020, DJe de 13/03/2020.

2. Pretensão de cobertura securitária postulada perante a seguradora após o fim do contrato de financiamento discutida sob duplo fundamento: (a) sob o viés da falta de interesse pela extinção do contrato; e (b) também pela prescrição da pretensão de cobrança deduzida após o transcurso de tempo desde a quitação do financiamento. Debate integrante do Tema 1.039 dos recursos repetitivos  fixação do termo inicial da prescrição da pretensão indenizatória em face de seguradora nos contratos, ativos ou extintos, do Sistema Financeiro de Habitação , cf. ProAfR no REsp 1.799.288/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 03/12/2019, DJe de 09/12/2019. 3. Embargos de declaração acolhidos, a fim de conhecer do agravo interno, ao qual se nega provimento”. 

A abertura que o CPC/15 conferiu à parte interessada para demonstrar a distinção do seu caso, do tema afetado para apreciação dentro do rito dos recursos repetitivos, é uma providência que prestigia o contraditório, sem prejuízo da preocupação do legislador em procurar garantir a uniformidade e a segurança jurídica na prestação da preciosa tutela jurisdicional dentro das melhores diretrizes do artigo 37 da CF/88 e dos princípios estruturantes do Diploma Processual. 

__________

1 Decisão que devolve recurso à origem para sobrestá-lo é irrecorrível?

2 ARRUDA ALVIM, Teresa (et al). Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrô-nico]. Ed. 2020. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, disponível aqui.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).