Em junho de 2019 tive oportunidade de escrever artigo nessa coluna mostrando o entendimento antagônico das duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça quanto o cabimento ou não do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Execuções Fiscais1.
De fato, a 1ª Turma possui há muito entendimento afastando o Incidente nos casos de redirecionamento da Execução Fiscal (artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional), mas mantendo a necessidade do Incidente para os casos em que a desconsideração é baseada no artigo 50 do Código Civil2.
Já a 2ª Turma possui reiterados julgados3 entendendo que havia verdadeira incompatibilidade entre o incidente e a lei de Execução Fiscal, e, portanto, afastava o incidente em qualquer hipótese em se tratando de Execução Fiscal.
Conforme defendido anteriormente nesse espaço, o entendimento peremptório da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça quando ao não cabimento do Incidente em Execução Fiscal não parecia ser o mais correto. De fato, no caso de desconsideração da personalidade jurídica baseada no artigo 50 do Código Civil, em que se verifica o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, faz-se necessária a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica4.
No ano passado tivemos um julgado da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolhendo o entendimento da 1ª Turma quanto a necessidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica nos casos de formação de Grupo Econômico em Execução Fiscal:
"PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESAS DO GRUPO ECONÔMICO. INCLUSÃO NO POLO PASSIVO. INDEFERIMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NECESSIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO STJ.
I - Na origem, trata-se de gravo de instrumento interposto pela União contra a decisão que, nos autos da execução fiscal relativa a débitos previdenciários ajuizada contra a Usina Taquara Ltda., indeferiu o pedido de inclusão das empresas Auto Vanessa Ltda., Monte Sinai Veículos Ltda, Itaúna Veículos e Peças Ltda. e Agropecuária Taquara Ltda. no polo passivo. No Tribunal a quo, a decisão foi mantida. Esta Corte negou provimento ao recurso especial.
II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a compreensão de que, para fins de redirecionamento da execução fiscal, a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas não identificada no ato de lançamento ou não enquadrada nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, faz-se necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 133 do CPC/2015 (Recurso Especial 1.775.269/PR relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em
21/2/2019, DJe 1º/3/2019.)
III - Discute-se sobre a necessidade ou não de instauração do mencionado incidente, para fins de redirecionamento da execução fiscal.
IV - O Tribunal regional levou em conta que: "[...] naquele julgamento do REsp 1.775.269/PR, o qual se passa a acompanhar, que o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome da CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, e, nessa hipótese, é obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora" (fl. 147).
V - Em tal contexto, se a Corte de origem analisou a controvérsia dos autos levando em consideração os fatos e provas relacionados à matéria.
Assim, para se chegar à conclusão diversa, seria necessário o reexame fático-probatório, o que é vedado pelo enunciado n. 7 da Súmula do STJ, segundo o qual "A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial".
VI - Quando mais não seja, o entendimento do Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência desta Corte de Justiça. Veja-se: (AgInt no REsp 1.912.254/PE, relator Ministro Benedito Gonçalves e AgInt no REsp 1.866.138/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 19/4/2021, DJe 6/5/2021.)
VII - Agravo interno improvido." (g.n.)
(STJ – Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.977.696-AL (2021/0363274), Segunda Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, j. 15/08/2022)
Espera-se que tal julgado não seja um caso isolado5, mas a superação do antigo entendimento da Segunda Turma, com a pacificação da jurisprudência das Câmaras de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça quanto a necessidade do incidente nos casos de efetiva desconsideração da personalidade jurídica e de formação de grupos econômicos nas Execuções Fiscais.
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1 Disponível aqui.
2 Recurso Especial nº 1.775.269 – PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v. u., in DJe de 01/03/2019.
3 REsp 1786311/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019. No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.866.901/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/08/2020; AREsp 1.455.240/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/08/2019; AgInt no REsp n. 1.742.004/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/12/2020.
4 O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em julgamento do Incidente de Demandas Repetitivas 0017610-97.2016.4.03.00000, julgou indispensável a instauração do incidente para a comprovação de responsabilidade tributária em execução fiscal em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto, além de inclusão de pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua fato gerador da obrigação principal.
5 Cumpre ressaltar que no AREsp nº 1861267 / RS, em Dezembro de 2.022, o Ministro Francisco Falcão, da 2ª Turma, voltou a votar no sentido de ser incompatível o incidente com a Lei de Execução Fiscal. A Ministra Assusete Magalhães pediu vistas e os autos aguardam julgamento.