CPC na prática

Interrupção da prescrição pela decisão que determina a citação

Os efeitos de interrupção da prescrição, embora retroajam à data da propositura da ação, são produzidos exclusivamente pelo ato judicial que determina a citação.

1/6/2023

O art. 240 do CPC prevê que a citação válida, ainda que ordenada por juiz incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor. Não obstante referido caput trate dos efeitos da citação válida, o parágrafo primeiro de aludido dispositivo dispõe que "(...) a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação".

Em outras palavras, os efeitos de interrupção da prescrição, embora retroajam à data da propositura da ação, são produzidos exclusivamente pelo ato judicial que determina a citação.

Nesse contexto, é certo que entre os diversos atos processuais que precedem a ordem judicial de citação (a exemplo da distribuição e registro da demanda e exame dos requisitos da petição inicial) podem levar tempo, senão meses, até se consumar a efetiva ordem de comparecimento do réu para apresentação de defesa em juízo.

Hipótese comum é a emenda ou aditamento da petição inicial, atos processuais esses que, somente após o Autor emendar ou aditar a petição inicial, seguida da remessa à conclusão e, finalmente, o juiz examinar e se dar por satisfeito com referida emenda, determinará então a ulterior citação. Nesse liame recentemente o STJ decidiu que para efeito de aplicação do § 1º do art. 240 supra citado, a interrupção da prescrição somente se consumará quando a petição inicial reunir condições de se desenvolver de forma válida e regular do processo: 

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. EMENDA À INICIAL. EFEITOS
DA CITAÇÃO VÁLIDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 219 do Código de Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional.

2. O Tribunal de origem decidiu com base nos elementos de prova dos autos que estava prescrita a pretensão, rever esse entendimento esbarra no óbice da Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo a que se nega provimento.

(STJ, AGInt no AREsp 2.235.620/PR, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 09/05/2023, v.u.) 

O voto condutor, em julgamento unânime, bem elucida:

(...) Conforme consignado na decisão agravada, o Tribunal de origem ao avaliar a interrupção da prescrição, baseando-se no conjunto fático-probatório dos autos, o acórdão concluiu (e-STJ, fls. 816-818):

 

"Verifica-se que as partes assinaram um termo de entrega da obra(mov. 1.10) em 03.10.2013 e tal prazo seria o fatal para o pagamento da última parcela conforme acordado em contrato assinado entre as partes (mov. 1.9). Ocorre que tal questão, acerca da data e que a obra foi entregue, estava controversa nos autos. Assim, após a audiência de instrução e julgamento (mov. 95.2 a95.7) a questão acerca da data que a obra foi efetivamente entregue, ficou provada, e por isso, o novo entendimento do juízo; e conclui-se que a obra foi entregue em funcionamento em 03 outubro de 2013 (mov. 1.10). Assim, a citação válida constitui em mora o devedor, com interrupção pelo despacho que a ordena, a qual retroage à data da propositura da ação (art. 240 § 1º do CPC). Então, é a citação o marco de interrupção prescricional e não o ajuizamento da ação. Ocorre que em 02.10.2018 a parte apelante ajuizou ação de protesto interruptivo de prescrição nº 0004593-88.2018.8.16.0109 perante a Vara Cível da Comarca de Mandaguari e teve que apresentar emenda à petição inicial em10/12/2018 (mov. 1.13).

Ao receber a petição inicial o magistrado ordenou sua emenda, porque não foram preenchidos os requisitos do art. 319 do atual CPC, sendo que somente em 10.12.2018 o apelante apresenta a emenda e, assim, foi ordenada a citação, quando houve o acolhimento da emenda da exordial.

Por ser assim, a interrupção da prescrição retroage à data da aceitação da emenda, ou seja, do reconhecimento de que a petição inicial preenche os requisitos legalmente exigidos para o desenvolvimento válido e regular do processo.

(...)

Friso que, entender de forma contrária seria admitir a dispensa dos requisitos legalmente exigidos para a validade da petição inicial, bastando que a parte distribua a ação antes de escoado o prazo prescricional para, depois, buscara regularização de peça inadequada de ingresso. Na espécie, como a pretensão de cobrança foi encoberta pela prescrição em 03.10.2018 (o prazo quinquenal inicial contaria de 03/10/2013), ou seja, antes da emenda à inicial dos autos nº 0004593-88.2018.8.16.0109, ocorrida em 10.12.2018, tem-se que se operou a prescrição, devendo ser extinto o processo com resolução de mérito, conforme bem decidiu o magistrado." ( Sem grifo no original).

Ressalta-se que o entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a interrupção da prescrição, na forma prevista no 240, §1º, do CPC/2015, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo.

 

Nesse sentido:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. INTUITO INFRINGENTE. FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. EFEITOS DA CITAÇÃO VÁLIDA. 1. Os princípios da fungibilidade recursal e da economia processual autorizam o recebimento de pedido de reconsideração como agravo regimental. 2. A interrupção da prescrição, na forma prevista no § 1º do artigo 219 do Código de Processo Civil, retroagirá à data em que petição inicial reunir condições de desenvolvimento válido e regular do processo, o que, no caso, deu-se apenas com a emenda da inicial, momento em que já havia decorrido o prazo prescricional. 3. A divergência jurisprudencial, nos termos do art. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e do art. 255, §2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, requisita comprovação e demonstração, a qual não foi configurada na presente hipótese em virtude da ausência de similitude fática entre os acórdãos paradigmas e o impugnado. 4. Agravo regimental não provido."

(EDcl no REsp n. 1.527.154/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/10/2015, DJe de 3/11/2015 – sem grifo no original).

Dessa forma, levando-se em consideração que a prescrição ocorreu no dia 03/10/2018 (o prazo quinquenal inicial contaria de 03/10/2013) e a emenda à inicial ocorreu apenas em 10/12/2018, mister o reconhecimento da prescrição da pretensão da agravada.

Em síntese, concluiu o STJ que o despacho que determina a citação é que tem o condão de gerar o efeito interruptivo da prescrição, cuja regra do § 1º do art. 240 determina a retroatividade a data da propositura da ação.

Referido julgado soa acertado pois, não obstante seguir à risca a redação do § 1º acima citado, deixa de conferir qualquer margem de interpretação destinada a relativizar a aplicação do dispositivo.

Aos operadores do direito fica a máxima dormientibus non succurrit jus, a evitar de distribuir a demanda no último dia ou próximo do termo ad quem do prazo prescricional, porquanto o efeito interruptivo se materializa somente mediante o ato processual que ordena a citação e, nesse ínterim diversas intempéries podem ocorrer, como a demora de distribuição ou remessa à conclusão, ou ulterior determinação de emenda ou aditamento da petição inicial, de sorte que, somente quando superadas tais etapas e aceita a petição inicial, finalmente se consumará o ato de determinação da citação, cujo um de seus efeitos reside na interrupção da prescrição.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).