Em pretérita edição desta coluna1 registramos o quanto decidido pela Corte Especial STJ ao decidir o Tema n. 1076 que, em sede de julgamento de Recurso Especial Repetitivo, fixou a tese de que “ (i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. (ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.”2
Precedeu o julgamento do Tema n. 1.076 precedentes destinados a aplicar o arbitramento por equidade ainda que presente as hipóteses taxativas capituladas no § 2º, do art. 85 do CPC3.
Em outras ocasiões trouxemos razões acerca da necessária aplicação pelo legislador do comando previsto no art. 85, § 2º, de sorte que a equidade somente é permitida aplicação em hipóteses previstas em lei, tal qual impõe o art. 140, do CPC/20154-5-6.
Os fundamentos de referida intepretação (seja extensiva, seja contra legem), em síntese, (i) partem do pressuposto de que tal qual quando o valor da causa é muito baixo, aplica-se a equidade (art, 85, § 8º, do CPC), idêntico regime há de ser observado quando o julgador vislumbrar que valor da condenação, do proveito econômico ou o valor da causa é excessivo ou, ainda (ii) a verba honorária arbitrada com base no art. 85, § 2º, por vezes pode constituir quantia exorbitante conferida ao patrono vencedor na demanda, devendo se evitar suposto enriquecimento sem causa.
Por fim, o colega Rogério Mollica referenciou o resultado do julgamento do tema n. 1046, levado à efeito pela Corte Especial do STJ aos 16.03.2022, para assim fixar a tese de que a aplicação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou do proveito econômico da demanda, forem considerados elevados, sendo obrigatória a observância da regra objetiva do art. 85. §§s 2º e 3º do CPC7, tendo a tese presente em referido precedente obrigatório também sido aplicada pelo STF.8
Esperava-se que o precedente obrigatório firmado mediante a fixação do Tema Repetitivo n. 1.076 finalmente colocasse um ponto final sobrea questão, ao menos no âmbito do STJ.
Todavia, referido tema voltou à baila recentemente, na tentativa da corte cidadã pensar melhor acerca do quanto decidido há pouco mais de um ano atrás quando do julgamento do recurso especial repetitivo, o qual, diga-se de passagem, contou com a participação de inúmeras entidades representativas dos mais variados seguimentos (Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto dos Advogados de São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Processual, Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo – ANNEP, Colégio Nacional de Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal, dentre outros), a expor os mais variados pontos de vista no intuito de defender a aplicação ou não da regra objetiva do art. 85, § 2º, do CPC.
E, no recente julgado do recurso especial n. 1.743.330-AM, a Terceira Turma do STJ assim decidiu:
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AO TEMA 1076/STJ. NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE UMA CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA DISTINTA DAQUELAS CONSIDERADAS RELEVANTES NA FORMAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO PELA INJUSTIÇA, DESPROPORCIONALIDADE, IRRAZOABILIDADE, FALTA DE EQUIDADE OU DISSENSO EM RELAÇÃO A PRECEDENTES DE OUTRAS CORTES.
IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÕES QUE EM TESE JUSTIFICARIAM A SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE. DISTINÇÃO INOCORRENTE SOB ESSES FUNDAMENTOS. TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DO TEMA 1076/STJ QUE DEVERÁ SER APLICADA ATÉ QUE SOBREVENHA EVENTUAL MODIFICAÇÃO DECORRENTE DE SUA CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONAL OU ATÉ QUE HAJA EVENTUAL SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE NESTA CORTE. AÇÃO EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SITUAÇÃO DE FATO IRRELEVANTE. CIRCUNSTÂNCIA CONSIDERADA EM RECURSOS REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA POR OCASIÃO DA FIXAÇÃO DA TESE RELATIVA AO TEMA 1076/STJ.
1- Embargos de terceiro opostos em 14/06/2017. Recurso especial interposto em 29/03/2018.
2- O propósito recursal consiste em definir se, em embargos de terceiro extintos sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, aplica-se o tema repetitivo 1076, impondo-se o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais ao patrono do vencedor no percentual de 10 a 20% sobre o valor atualizado da causa.
3- A distinção que permite que os órgãos fracionários se afastem de um precedente vinculante firmado no julgamento de recursos especiais submetidos ao rito dos repetitivos somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente.
4- Não há que se falar em distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados do Supremo Tribunal Federal que não se coadunariam com o precedente, pois tais circunstâncias importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas não no uso da técnica de distinção que é lícito fazer, quando de sua aplicabilidade prática, mas desde que presente uma circunstância fática distinta.
5- O art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, deverá ser aplicado, de forma literal, pelos órgãos fracionários desta Corte se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, do RE 1.412.074/SP e do RE 1.412.069/PR, todos em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, ou se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076.
6- A circunstância de a ação ter sido extinta sem resolução de mérito, conquanto se trate de uma situação de fato, não é suficientemente relevante para diferenciar a hipótese em exame em relação ao precedente firmado no julgamento do tema 1076, especialmente porque essa circunstância fática também estava presente – e foi considerada – em dois dos recursos representativos da controvérsia (REsp 1.906.623/SP e REsp 1.644.077/PR) e, ainda assim, compreendeu a Corte Especial se tratar de hipótese em que a regra do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/15, igualmente deveria ser aplicada de maneira literal.
7- Recurso especial conhecido e não-provido, com majoração de honorários, ressalvado expressamente o entendimento pessoal da Relatora para o acórdão.
(STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se)
O relator inicialmente designado, Ministro Moura Ribeiro, entendeu pelo provimento do recurso especial, ao fundamento, em síntese, de que “(...) o Tribunal amazonense extinguiu o feito, sem resolução de mérito, ao reconhecer a carência da ação, por falta de interesse processual da WAVE, sob o argumento de que não existiria nenhuma constrição judicial e nem sequer ameaça em relação ao imóvel matriculado sob o número 18.849, de sua propriedade. Importante lembrar também que o TJAM arbitrou a verba honorária em 10% do valor dado à demanda, que foi fixado por determinação de ofício em R$ 7.900.000,00 (sete milhões e novecentos mil reais), colhendo então o montante de R$ 790.000,00 (setecentos e noventa mil reais), sem contar que tal verba, atualizada para os dias atuais já se aproxima da quantia de R$ 2 milhões de reais!(...) ) em prevalecendo o acórdão recorrido, apoiado em uma interpretação literal de precedente desta Corte, a fixação de honorários em tal monta se traduz em imoderação e abusividade, com o devido acatamento, ferindo de morte os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além da cooperação e do bem comum, retratado na paz social.”
Todavia, referido voto ficou vencido pelo voto divergente inaugurado pela Ministra Nancy Andrighi, o qual foi acompanhado pelos demais integrantes da turma julgadora:
“(...) 20) Antes, contudo, é preciso registrar que, se o presente julgamento tivesse ocorrido antes de dois relevantes momentos históricos desta Corte, não teria absolutamente nenhuma dúvida em acompanhar o voto do e. Relator, por compreender que, de fato, a remuneração do trabalho do patrono não condiz com a atividade por ele desenvolvida.
21) O primeiro desses momentos é o julgamento do REsp 1.746.072/PR, perante a 2ª Seção, cujo acórdão foi publicado no DJe 29/03/2019.
Naquela ocasião, esta Corte deu o primeiro sinal concreto de que poderia mudar a sua histórica orientação a respeito da possibilidade de fixação equitativa de honorários advocatícios quando a fixação rígida resultasse em verba demasiadamente vultosa. Relembre-se somente que, naquela assentada, fiquei vencida juntamente apenas da e. Ministra Maria Isabel Gallotti e do e. Ministro Marco Buzzi.
22) O segundo momento, obviamente, é o recente julgamento do tema 1076, perante a Corte Especial, cujos acórdãos foram publicados em 31/05/2022, em que aquela sinalização inicial se materializou em forma de um precedente vinculante. Relembre-se que, naquele julgamento, também fiquei vencida, desta feita junto às e. Ministras Maria Isabel Gallotti, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura e ao e. Ministro Herman Benjamin.
23) O e. Relator, em seu judicioso voto, propõe seja reconhecida a existência de uma distinção entre o precedente firmado no tema 1076 e a hipótese em exame, de modo que se imporia solução jurídica diversa, razão pela qual é preciso, em primeiro lugar, verificar exatamente o que se deve compreender como uma distinção apta a diferenciar determinada hipótese do precedente.
24) Quanto ao ponto, leciona Ravi Peixoto:
A técnica de distinção é basicamente uma forma de verificar se existem diferenças relevantes entre dois casos ao ponto de se afastar a aplicação de precedente invocado por uma das partes ou pelo magistrado. Quando um dos sujeitos processuais argumenta com base em um precedente, que, de acordo com ele, aplica-se ao caso concreto, deverá demonstrar a similitude fática dos casos. A parte contrária, por sua vez, caso discorde, deverá demonstrar que existem fatos relevantes que impedem a sua aplicação. Muito embora simples na teoria, a utilização da técnica guarda um grande desafio argumentativo, que é o de “demonstrar o quanto os fatos que ensejam a distinção são decisivos disposições normativas”. Havendo sucesso na argumentação, o precedente invocado simplesmente será inaplicável ao caso concreto, sendo possível ao magistrado decidir de forma diversa.
(...)
O desafio é justamente esse, o de categorização dos fatos relevantes e irrelevantes no caso suscitado como precedente e no caso concreto em questão. Isso porque, nem toda particularidade implica na distinção, pois ela pode ser insuficiente para implicar na inaplicabilidade do precedente. Por vezes, mais importante do que os próprios fatos enquanto ocorridos, é a forma como são compreendidos e categorizados, o que dependerá da atividade argumentativa dos sujeitos processuais nos casos posteriores, o que irá delimitar adequadamente o precedente.
(...)
Ao contrário do que ocorre na revogação de precedentes, a diferenciação de casos pode ser realizada por qualquer magistrado, não existindo problemas atinentes à competência, havendo a possibilidade de distinção de um precedente do STF por um juiz de primeiro grau. É uma espécie de técnica que visa o afastamento de um precedente não por ele ser injusto, mas simplesmente por não se adequar à situação fática. (PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015: uma análise sobre a adaptabilidade da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistente distinguishing) in Revista de Processo: RePro, ano 40, vol. 248, São Paulo: Revista dos Tribunais, out. 2015, p. 341/343).
25) A partir dessas premissas, não há dúvida de que a distinção somente poderá existir diante de uma hipótese fática diferente daquela considerada relevante para a formação do precedente.
26) Não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente. Tais circunstâncias, quando muito, importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas jamais no uso da técnica de distinção que se pode fazer quando de sua aplicabilidade prática, desde que presente uma circunstância fática distinta.
27) Sobre o debate a respeito desses aspectos do precedente formado no tema 1076 – desproporcionalidade, irrazoabilidade, necessidade de conformação constitucional e injustiça – gostaria de ressaltar que, em voto vencido de longas 38 laudas, suscitei todas essas matérias que agora são novamente reavivadas por S. Exa., fundando-me naquilo que havia de mais profundo e moderno na doutrina da sociologia jurídica, da filosofia jurídica, da teoria da constituição e da teoria geral do direito.
28) Todos esses fundamentos, contudo, foram expressamente repelidos pela Corte Especial no julgamento do tema 1076, que, ao fixar as conhecidas teses sobre o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais, colocou-nos na posição de fixar honorários no patamar mínimo de 10% sobre valor da causa originário de R$ 7.900.000,00, a ser corrigido desde junho/2017, em embargos de terceiro em que houve apenas uma petição inicial, uma emenda à petição inicial e um agravo de instrumento que extinguiu a ação por falta de interesse processual.
29) Desse modo, é correto dizer que essa situação perdurará, ao menos: (i) se e enquanto não sobrevier modificação desse entendimento pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.412.073/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.850.512/SP, do RE 1.412.074/SP, interposto a partir do julgamento do REsp 1.906.618/SP, e do RE 1.412.069/PR, interposto a partir do julgamento do REsp 1.644.077/PR, que foram utilizados, nesta Corte, para a formação do tema 1076; ou (i i) se e enquanto não sobrevier, nesta Corte, a eventual superação do precedente formado no julgamento do tema 1076.
30) A única eventual distinção que realmente diz respeito a fatos proposta no judicioso voto do e. Relator versa sobre a inaplicabilidade do precedente às hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, pois, sustenta S. Exa. que, nesse cenário, a fixação dos honorários deveria ocorrer de modo proporcional à matéria efetivamente apreciada e com razoabilidade.
31) Entretanto, registre-se que esse fato – ações extintas sem resolução de mérito – foi expressamente considerado no precedente, compreendendo a Corte Especial que a tese firmada no julgamento do tema 1076 seria aplicável também nessas hipóteses.
32) Com efeito, na hipótese fática examinada no REsp 1.906.623/SP, um daqueles que serviram de base ao tema 1076, havia sido ajuizada, no ano de 2018, uma execução fiscal no importe originário de R$ 5.771.703,75 (cinco milhões, setecentos e setenta e um mil, setecentos e três reais e setenta e cinco centavos), sobrevindo a extinção do processo sem resolução de mérito, em virtude de exceção de pré-executividade, porque a exigibilidade dos tributos estava suspensa em virtude de liminar em mandado de segurança.
33) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa superava R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais, à luz do art. 85, §3º, I a V, e §5º, do CPC/15, superaria R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais).
34) Ainda assim, contudo, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção do processo sem resolução de mérito.
35) Na hipótese fática examinada no REsp 1.644.077/PR, por sua vez, havia sido ajuizada, no ano de 1997, uma execução fiscal no importe de R$ 1.165.746,54 (um milhão, cento e sessenta e cinco mil, setecentos e quarenta e seis reais e cinquenta e quatro centavos), sobrevindo a extinção parcial do processo sem resolução de mérito, excluindo-se um dos litisconsortes em função de sua ilegitimidade passiva, também no âmbito de uma exceção de pré-executividade.
36) Por ocasião do julgamento nesta Corte, estimava-se que o valor atualizado da causa se aproximava de R$ 4.600.000,00 (quatro milhões e seiscentos mil reais), de modo que o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais devidos ao patrono da litisconsorte excluída, à luz do art. 85, §3º e §5º, do CPC/15, superaria R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
37) E, ainda assim, a Corte Especial compreendeu ser aplicável o precedente firmado no tema 1076, sendo irrelevante se tratar de hipótese de extinção parcial do processo sem resolução de mérito apenas pela exclusão de um dos litisconsortes.
38) Dessa forma, rogando as mais respeitosas venias ao e. Relator e compreendendo as razões trazidas por S. Exa., não há que se falar em distinção sob nenhum ângulo que se examine a matéria.
4. DISPOSITIVO
Forte nessas razões, NÃO CONHEÇO do recurso especial ao fundamento de incidência das Súmulas 284/STF e 211/STJ; se porventura superadas as preliminares, NEGO-LHE PROVIMENTO, ressalvando expressamente a minha posição pessoal, mas em obediência à tese firmada no tema 1076, majorando os honorários em virtude da atividade desenvolvida em grau recursal de 10 para 10,5%.”
(STJ, REsp 1.743.330/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 11/04/2023, DJe 14/04/2023, maioria de votos, grifou-se)
Embora o v. acórdão em comento não dê pista se a divergência inaugurada pela Ministra Nancy Andrighi (e acompanhada pelos demais pares da turma julgadora) diga respeito (i) ao não conhecimento do recurso especial ou (ii) ao subsidiário exame da matéria de fundo, fato é que a Terceira Turma, vencido o Ministro Moura Ribeiro, permaneceu firme em respeitar o quanto decidido quando da formação da tese cristalizada no Tema 1.076.
E, respeitado entendimento em sentido contrário, não há como ser diferente. A uma, repita-se que a formação da tese firmada no Tema 1.076 precedeu de amplíssimo debate e participação dos setores representativos da sociedade em seus mais variados seguimentos, cada um propondo sua tese e antítese respectiva, diga-se da passagem para aplicar ou não um comando claro e objetivo previsto no art. 85, § 2º do CPC (o qual de igual sorte foi fruto de amplo debate no Congresso Nacional, seguido de aprovação e vigência do CPC/2015).
A duas, o quanto decidido no Tema 1.076 data pouco mais de um ano, sendo indevido, senão inapropriado e sem previsão legal, conferir ao próprio órgão inaugurador de referido tema a oportunidade de, por suas cortes fracionárias, pensar melhor, senão revistar questões amplamente debatidas e superadas quando do julgamento que cristalizou o precedente vinculante.
A três, como bem posto pela Ministra Nancy Andrighi, “(...) não há, respeitosamente, distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que não se coadunariam com o precedente.”
A quatro, a razão de ser da técnica de julgamento de recurso especial repetitivo e instrumentos congêneres tem o condão de exatamente conferir (i) segurança jurídica, (ii) previsibilidade das decisões do Poder Judiciário, (iii) isonomia para que o tratamento conferido a dado caso concreto seja o mesmo em caso congênere e (iv) celeridade, porquanto questões já examinadas à exaustão e debatidas pelo Poder Judiciário deverão valer-se de técnicas que confiram resposta jurisdicional mais rápida ao jurisdicionado que se vale do precedente vinculante.
Revisitar, num curtíssimo espaço de tempo desde a formação do precedente vinculante, o quanto já debatido e examinado à exaustão quando da formação do Tema repetitivo significa negar sua vigência, senão ignorar todo o trabalho despendido pelo próprio Poder Judiciário, partes envolvidas e interessadas, quando da formação do tema repetitivo.
E mais, assim o fazendo abre-se uma porteira para a parte que litiga contrariamente ao tema repetitivo, seguir até o STJ dizendo que seu caso é distinto, a indevidamente suscitar a aplicação da técnica do distinguishing e tornar uma prática de exceção como regra. Consequência de tal situação será a enxurrada de vindouros recursos especiais a baterem a porta do STJ, a congestionar o exame de tais recursos, pautas de julgamento, enfim, uma série de atos processuais cujo desiderato da técnica de julgamento do recurso especial repetitivo e seus impactos seria exatamente o oposto.
Daí porque é digno de aplausos o voto vencedor quando inaugurada a divergência pela Ministra Nancy Andrighi: embora publicamente tenha posição contrária a tese firmada no Tema Repetitivo 1.076 (tendo inclusive declarado voto divergente na ocasião do julgamento), defendeu com maestria as razões de distinção ou não do precedente ao caso concreto, curvando-se ao quanto decidido, por maioria de votos, no tocante a matéria de fundo ensejadora do tema repetitivo.
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1 Disponível aqui.