Antonio do Passo Cabral1define o negócio processual como sendo "o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".
Luiz Guilherme Marinoni2observa: "É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)."
Teresa Arruda Alvim3exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...".
Para Fredie Didier Jr.4, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos.
O tema dos negócios jurídicos processuais já foi enfrentado por três vezes no Superior Tribunal de Justiça, notadamente quanto à aplicação dos dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 ("CPC/15") que tratam do assunto.
O Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial n. 1738656 / RJ, tendo sido Relatora a Ministra Nancy Andrighi.
Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide.
Por sua vez, no julgamento do REsp 1810444 / SP versando sobre os limites do artigo 190 do CPC/15, a 4ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do Ministro Relator Luis Felipe Salomão, firmou o entendimento de que o negócio processual celebrado entre as partes não pode dispor sobre os poderes e deveres do magistrado. Veja-se:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LIBERDADE NEGOCIAL CONDICIONADA AOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. CPC/2015. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. FLEXIBILIZAÇÃO DO RITO PROCEDIMENTAL. REQUISITOS E LIMITES. IMPOSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO SOBRE AS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELO JUIZ."
Humberto Theodoro Jr.5já defendia que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública. E, no mesmo sentido, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo "não se trata de retorno à concepção privatista do processo, que permanece lastreado no interesse público inerente ao poder que emana da jurisdição estatal"6.
E, mais recentemente, no julgamento do REsp 1924452 / SP, a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, com a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, prestigiou o instituto do negócio processual típico previsto no artigo 471 do CPC/15, mas consignou que a nomeação consensual de perito apenas é válida se houver efetiva convergência entre as partes:
"RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. PROVA PERICIAL. INDICAÇÃO PELAS PARTES. ART. 471 DO CPC/2015. PERÍCIA CONSENSUAL. COMUM ACORDO. EXIGÊNCIA. RESOLUÇÃO CNJ Nº 233/2016.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se o perito indicado pelo autor, com a recusa do réu, pode realizar a prova pericial determinada pelo juízo.
3. Os peritos são escolhidos entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.
4. Na localidade onde não houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia.
5. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, mediante requerimento dirigido ao magistrado, desde que sejam plenamente capazes e a causa admitir autocomposição.
6. Inexistindo consenso entre os litigantes, o profissional indicado por uma das partes e rejeitado por outra não pode realizar a prova pericial nos autos.
7. A justificativa pautada na ausência de suspeição ou na possibilidade de nomeação de assistente técnico não é suficiente para admitir a perícia consensual sem o prévio acordo entre os sujeitos processuais.
8. Recurso especial provido".
O Superior Tribunal de Justiça vem, com os acima referidos julgamentos, prestigiando a figura do negócio processual, e contribuindo para a precisa definição de quais são os requisitos e limites de aplicação deste importante instituto fortalecido com o CPC/15.
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1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68.
2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244.
3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397.
4 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381.
5 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471.
6 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.