CPC na prática

Penhora de veículo automotor sem a necessidade de encontrá-lo

A leitura isolada deste dispositivo pode levar o leitor mais desatento a acreditar que para a realização de qualquer penhora seria necessária a apreensão e o depósito do bem objeto da constrição.

9/3/2023

Como se sabe, o art. 839, do Código de Processo Civil (CPC), estabelece que "considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia".

A leitura isolada deste dispositivo pode levar o leitor mais desatento a acreditar que para a realização de qualquer penhora seria necessária a apreensão e o depósito do bem objeto da constrição.

Entretanto, o § 1º do art. 845 do CPC dispõe que "a penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, e a penhora de veículos automotores, quando apresentada certidão que ateste a sua existência, serão realizadas por termo nos autos".

Em outras palavras, se o objeto da penhora for um imóvel ou um veículo automotor não depende da localização ou apreensão do bem, mas sim da apresentação da certidão da matrícula, no primeiro caso, ou da apresentação de certidão que ateste a existência do veículo, no segundo caso.

Assim, caso seja apresentada a certidão da matrícula o imóvel ou a certidão que comprove a existência do veículo automotor, a penhora de tais bens pode ser feita por termo nos autos do processo. O bem será considerado penhorado no momento em que for lavrado o termo de penhora nos autos, independentemente de ele ter sido encontrado ou não. Basta ter a certeza de sua existência comprovada mediante a apresentação da respectiva certidão (CPC, art. 845, § 1º).

Nesse sentido é o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgado recente assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 845, § 1º, DO CPC/15. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DO CERTIFICADO DE EXISTÊNCIA. PENHORA POR TERMO NOS AUTOS. DESNECESSIDADE DE LOCALIZAÇÃO DO VEÍCULO PARA EFETUAR A CONSTRIÇÃO. EFEITOS PROCESSUAIS DA PENHORA IMEDIATOS. PREFERÊNCIA. SATISFAÇÃO DO EXEQUENTE. PREQUESTIONAMENTO. DEMAIS DISPOSITIVOS. NÃO VERIFICADO.

1. Execução de título extrajudicial, ajuizada em 14/10/1998, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 4/2/2020 e concluso ao gabinete em 22/8/2022.

2. O propósito recursal consiste em decidir se a lavratura do termo de penhora de veículo automotor deve ser condicionada à sua localização, ainda que apresentada certidão de sua existência, nos termos do art. 845, §1º, do CPC/15.

3. Dispõe o art. 839 do CPC/15 que a penhora considerar-se-á feita mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia. A regra, portanto, é que a penhora se concretiza por meio dos atos de individualização e apreensão do bem que, posteriormente, será depositado.

4. Não obstante, o Código de Processo Civil apresenta exceções à necessária apreensão do bem para a formalização da penhora: é o que prevê o CPC/15 acerca da penhora de dinheiro (art. 854), de bem imóvel e de veículo automotor (art. 845, §1º).

5. Por força do art. 845, §1º, do CPC/15, independentemente do local em que estiverem situados os bens, a penhora será realizada por termo nos autos quando se tratar de veículo automotor e for apresentada certidão que ateste a sua existência.

6. Quando requerida a penhora de veículo automotor por interesse do exequente, dispensa-se a efetiva localização do bem para a lavratura do termo de penhora nos autos, bastando, para tanto, que seja apresentada certidão que ateste a sua existência, nos termos do art. 845, §1º, do CPC/15.

7. Entendimento que privilegia os princípios da efetividade e da razoável duração do processo, os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como assegura a produção imediata dos efeitos processuais decorrentes da penhora, como a garantia do direito de preferência (art. 797, caput, CPC/15), e reduz os riscos de ocultação de bens quando verificado hiato entre a lavratura do termo nos autos, a apreensão e a posterior entrega ao depositário.

8. Hipótese em que o acórdão recorrido condicionou a penhora de veículo automotor dos recorridos/executados à localização do referido bem, sob o fundamento de que a penhora de bens móveis pressupõe a imediata apreensão e a transferência de sua posse para o depositário.

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para afastar a localização do veículo automotor como requisito indispensável à penhora, desde que sejam apresentadas as certidões do bem, na forma do art. 845, §1º, do CPC/15.

(REsp n. 2.016.739/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 29/11/2022, DJe de 1/12/2022.)"

No caso concreto, como se pode perceber da ementa, o juízo da execução havia condicionado a penhora de veículo automotor do executado à localização do referido bem, alegando que a penhora de bens móveis teria como pressuposto a imediata apreensão e a transferência de sua posse para o depositário.

Porém, não é isso que o § 1º do art. 845 estabelece para veículos automotores. Basta comprovar a sua existência para que o automóvel seja passível de penhora mediante a lavratura de termo nos autos do processo.

Dessa maneira, fica garantido o direito de preferência do exequente caso seja realizada outra penhora posteriormente por outro credor (CPC, art. 797, caput) e também fica desincentivada a ocultação do veículo automotor por parte do executado (que já terá o bem penhorado, com restrições devidamente anotadas em seu registro público).

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).