O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
O tema desperta muitas polêmicas no Brasil e foi objeto do julgamento da ADI n. 5941 no STF, em cujos autos a PGR já havia posicionado no sentido de que o artigo 139, IV, do CPC/15, deveria ser aplicado de forma subsidiária e sempre com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direitos.
Vale lembrar que Teresa Arruda Alvim1enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória".
Flávio Luiz Yarshell2, ainda, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado".
O próprio STF já havia sinalizado, em julgamentos de HCs, para a enorme importância sobre a compreensão dos limites de aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15.
Em 04/12/2020, em decisão proferida no HC 192.127/SC, o relator Ministro Edson Fachin julgou no sentido de que: "Não tenho dúvidas de afirmar que as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias são inadequadas, desnecessárias e desproporcionais ao cumprimento de medidas judiciais impositivas de obrigações pecuniárias. No caso dos autos, a suspensão da carteira nacional de habilitação e apreensão do passaporte da paciente, como medidas de fazer cumprir decisão judicial, tomadas no âmbito de processo de execução por título extrajudicial decorrente de contrato de locação comercial celebrado entre pessoas físicas, devem ser afastadas. A desproporcionalidade da utilização de medidas executivas atípicas pelos juízes com a intenção de forçar o executado a cumprir decisão judicial, apresenta-se evidente, considerando que a imposição de medidas restritivas de direitos fundamentais, para compelir à execução de dívidas pecuniárias, não se revela, como revela o caso dos autos, compatível com a Constituição da República de 1988".
Por sua vez, em 08/06/2021, ao apreciar o HC 199.767/ DF, o relator Ministro Ricardo Lewandowski julgou no sentido de que: "A custódia do passaporte e da CNH, embora limite a possibilidade de o paciente realizar viagens internacionais e de dirigir veículo automotor, não restringe, necessariamente, sua liberdade de ir e vir".
No julgamento ocorrido em fevereiro desse ano, quanto à ADI n. 5941, em controle concentrado de constitucionalidade, o STF, nos termos do voto do Min. Relator Luiz Fux, proclamou: "constitucional dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) que autoriza o juiz a determinar medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública. A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Luiz Fux, para quem a aplicação concreta das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do CPC, é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade (...). Ao votar pela improcedência do pedido, o relator ressaltou que a autorização genérica contida no artigo representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial. É inconcebível, a seu ver, que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados. Ele destacou, contudo, que o juiz, ao aplicar as técnicas, deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Também deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado. Segundo Fux, a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso"3.
É bem de ver, portanto, que os princípios dos artigos 1, 8 e 805 do CPC/15 ficaram muito bem ressalvados pelo STF, tendo a corte suprema se limitado a dizer que a redação do artigo 139, IV, do CPC/15 é constitucional, mas sendo ressalvada a importância do controle concreto de sua aplicação em cada situação jurisdicional, preservando-se sempre os princípios processuais e constitucionais insculpidos nos artigos acima referidos.
Por isso, torna-se relevante a posição que o STJ adotará no julgamento do Recurso Especial n. 1.955.539 - SP, que tramita sob o rito dos recursos repetitivos, no qual a Segunda Seção definirá os limites e requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15, verificando se "é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos".
O STJ, nesse julgamento, possivelmente detalhará melhor quais são os requisitos para a aplicação concreta das medidas do artigo 139, IV, do CPC/15.
Como sabemos, a questão já vem sendo enfrentada pela 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, merecendo destaque o julgamento do HC 558313 / SP, tendo sido relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "Na linha do entendimento firmado, portanto, apenas diante da existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, e desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio".
De forma similar, ressalta-se o julgamento do AgInt no REsp 1837680 / SP, tendo sido relator o Ministro Moura Ribeiro: "Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes."
Em 23/04/2019, na apreciação do REsp 1788950 / MT, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgou-se no sentido de que: "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade."
Nesse contexto, o julgamento da ADI n. 5941, muito ao contrário do que vem sendo genericamente ventilado, se limitou a proclamar constitucional a redação do artigo 139, IV, do CPC/15, tendo-se expressamente ressalvado que sua aplicação, em cada caso concreto, deve observar os princípios processuais e constitucionais dos artigos 1, 8 e 805 do CPC/15; o que aumenta a responsabilidade do julgamento que ocorrerá no STJ quanto ao tema 1137, relacionado ao Recurso Especial n. 1.955.539 - SP, que tramita sob o rito dos recursos repetitivos.
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1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264.
2 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.
3 Disponível aqui.