É notório que o grande gargalo do processo civil é a efetiva satisfação do credor. O enorme número de processos de execução em tramitação e de cumprimentos de sentença em aberto evidenciam o problema na localização de devedores e bens aptos a satisfazerem créditos cobrados judicialmente.
A grande frustação que ocorre no jurisdicionado é se sagrar vencedor em uma demanda judicial e não receber o bem da vida buscado no Judiciário1. Isso pode se dar por vários motivos, sendo os dois principais, a efetiva ausência de meios para o devedor efetuar o pagamento ou a ocultação de bens para se furtar ao pagamento devido.
No primeiro caso, com a ausência total de meios para efetuar o pagamento não há muito a ser feito, pois o Judiciário não poderá criar bens e a legislação não poderá prever mecanismos para recuperar bens que não existem.
Por outro lado, temos muitos endividados, que aparentam possuir riqueza e que ostentam uma excelente qualidade de vida, mesmo sem possuírem renda ou bens. São os "devedores profissionais", que ocultam bens em nome de pessoas interpostas ("laranjas").
Para esse último caso, o Código de Processo Civil de 2015 previu a possibilidade do juiz aplicar medidas executivas atípicas para tentar obter o pagamento. A previsão consta do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil. Tal dispositivo se popularizou rapidamente, principalmente pelas determinações de retenções de passaportes, carteiras de motorista e cartões bancários de devedores.
Entretanto, os Tribunais sempre foram reticentes à aplicação de tal mecanismo2. O Superior Tribunal de Justiça após avanços e retrocessos em relação à matéria acabou entendendo que "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade."3
Parece claro que a aplicação ou não das medidas executivas atípicas depende da análise de cada caso específico.4 Entretanto, sem dúvida é uma excelente ferramenta e que se bem aplicada pode ser muito útil para que se tenha verdadeira efetividade no processo com a satisfação dos credores.
Todavia, ainda faltava o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o referido dispositivo, que foi questionado pelo Partido dos Trabalhadores nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.941.
Desse modo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou, em julgamento encerrado em 09/02/2023, a seguinte tese, proposta pelo Ministro Luiz Fux, relator do caso:
"Medidas atípicas previstas no Código de Processo Civil conducentes à efetivação dos julgados são constitucionais, respeitados os artigos 1º, 8º e 805 do ordenamento processual e os direitos fundamentais da pessoa humana".
Portanto, é de se esperar que o recente julgamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal seja indutor da maior utilização das medidas executivas atípicas para aqueles casos em que sabidamente o devedor oculta bens e posterga deliberadamente a satisfação de suais obrigações.
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1 Para o Professor Olavo de Oliveira Neto: "Qualquer sistema de realização da tutela executiva que pretenda atender a exigência de Acesso à Justiça deve tender a completude, prevendo ou pelo menos permitindo, de modo generalizado, o emprego de meios aptos a efetivar a satisfação de prestações que não foram espontaneamente adimplidas, no menor espaço de tempo e com a prática de um mínimo necessário de atividade processual." (O Poder Geral de Coerção, São Paulo: RT, 2019, p. 316).
2 O Professor e Juiz Estadual em São Paulo Fernando da Fonseca Gajardoni conduziu interessante pesquisa que apurou que “(...) a quantidade de indeferimentos continua representando uma porcentagem substancialmente maior que a de deferimentos. No primeiro período em debate (janeiro a junho de 2017), a taxa de rejeição dos pedidos de aplicação das medidas atípicas foi de 89,79%, uma vez que entre 137 acórdãos, 123 foram indeferidos, e a porcentagem de decisões que acolheram algumas das medidas foi de 10,21%, sendo apenas 14 de 137 decisões. “GAJARDONI, Fernando da Fonseca; PEREIRA, Augusto Martins. Medidas atípicas na execução civil: análise de casos no âmbito do TJSP. In: MARCATO, Ana; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; DELLORE, Luiz; BARIONI, Rodrigo; MOLLICA, Rogerio; AMENDOEIRA JR., Sidnei; FERREIRA, William Santos. Reflexões sobre o CPC/15 . São Paulo: Verbatim, 2018. p. 287 a 302.
3 (REsp n. 1.788.950/MT, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 26/4/2019). Sobre os requisitos exigidos pelo STJ para a aplicação do 139, IV, do CPC vide artigo publicado, em 12/05/2022, nessa coluna e de autoria do Professor Elias Marques de Medeiros.
4 "Acompanhando tal posicionamento, o STJ vem demonstrando que somente a análise do caso concreto poderá determinar a validade e a observância dos preceitos processuais fundamentais na utilização de medidas atípicas, não cabendo aos tribunais superiores limitar ou regulamentar tal questão." (Danilo Scramin Alves e Rogerio Mollica, "Considerações acerca das medidas executivas atípicas do CPC/2015 e sua incidência na jurisprudência dos tribunais superiores", in Revista de Processo nº 311/2021).