CPC na prática

A constitucionalidade das medidas executivas atípicas

Rogerio Mollica destaca recente julgado do Supremo Tribunal Federal que julgou constitucional as medidas executivas atípicas previstas no artigo 139, IV, do CPC.

16/2/2023

É notório que o grande gargalo do processo civil é a efetiva satisfação do credor. O enorme número de processos de execução em tramitação e de cumprimentos de sentença em aberto evidenciam o problema na localização de devedores e bens aptos a satisfazerem créditos cobrados judicialmente.

A grande frustação que ocorre no jurisdicionado é se sagrar vencedor em uma demanda judicial e não receber o bem da vida buscado no Judiciário1. Isso pode se dar por vários motivos, sendo os dois principais, a efetiva ausência de meios para o devedor efetuar o pagamento ou a ocultação de bens para se furtar ao pagamento devido.

No primeiro caso, com a ausência total de meios para efetuar o pagamento não há muito a ser feito, pois o Judiciário não poderá criar bens e a legislação não poderá prever mecanismos para recuperar bens que não existem.

Por outro lado, temos muitos endividados, que aparentam possuir riqueza e que ostentam uma excelente qualidade de vida, mesmo sem possuírem renda ou bens. São os "devedores profissionais", que ocultam bens em nome de pessoas interpostas ("laranjas").      

Para esse último caso, o Código de Processo Civil de 2015 previu a possibilidade do juiz aplicar medidas executivas atípicas para tentar obter o pagamento. A previsão consta do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil. Tal dispositivo se popularizou rapidamente, principalmente pelas determinações de retenções de passaportes, carteiras de motorista e cartões bancários de devedores.

Entretanto, os Tribunais sempre foram reticentes à aplicação de tal mecanismo2. O Superior Tribunal de Justiça após avanços e retrocessos em relação à matéria acabou entendendo que "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade."3

Parece claro que a aplicação ou não das medidas executivas atípicas depende da análise de cada caso específico.4 Entretanto, sem dúvida é uma excelente ferramenta e que se bem aplicada pode ser muito útil para que se tenha verdadeira efetividade no processo com a satisfação dos credores.

Todavia, ainda faltava o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o referido dispositivo, que foi questionado pelo Partido dos Trabalhadores nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.941.

Desse modo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou, em julgamento encerrado em 09/02/2023, a seguinte tese, proposta pelo Ministro Luiz Fux, relator do caso:

"Medidas atípicas previstas no Código de Processo Civil conducentes à efetivação dos julgados são constitucionais, respeitados os artigos 1º, 8º e 805 do ordenamento processual e os direitos fundamentais da pessoa humana".

Portanto, é de se esperar que o recente julgamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal seja indutor da maior utilização das medidas executivas atípicas para aqueles casos em que sabidamente o devedor oculta bens e posterga deliberadamente a satisfação de suais obrigações.

__________

1 Para o Professor Olavo de Oliveira Neto: "Qualquer sistema de realização da tutela executiva que pretenda atender a exigência de Acesso à Justiça deve tender a completude, prevendo ou pelo menos permitindo, de modo generalizado, o emprego de meios aptos a efetivar a satisfação de prestações que não foram espontaneamente adimplidas, no menor espaço de tempo e com a prática de um mínimo necessário de atividade processual." (O Poder Geral de Coerção, São Paulo: RT, 2019, p. 316).

2 O Professor e Juiz Estadual em São Paulo Fernando da Fonseca Gajardoni conduziu interessante pesquisa que apurou que “(...) a quantidade de indeferimentos continua representando uma porcentagem substancialmente maior que a de deferimentos. No primeiro período em debate (janeiro a junho de 2017), a taxa de rejeição dos pedidos de aplicação das medidas atípicas foi de 89,79%, uma vez que entre 137 acórdãos, 123 foram indeferidos, e a porcentagem de decisões que acolheram algumas das medidas foi de 10,21%, sendo apenas 14 de 137 decisões. “GAJARDONI, Fernando da Fonseca; PEREIRA, Augusto Martins. Medidas atípicas na execução civil: análise de casos no âmbito do TJSP. In: MARCATO, Ana; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; DELLORE, Luiz; BARIONI, Rodrigo; MOLLICA, Rogerio; AMENDOEIRA JR., Sidnei; FERREIRA, William Santos. Reflexões sobre o CPC/15 . São Paulo: Verbatim, 2018. p. 287 a 302.

3 (REsp n. 1.788.950/MT, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 26/4/2019). Sobre os requisitos exigidos pelo STJ para a aplicação do 139, IV, do CPC vide artigo publicado, em 12/05/2022, nessa coluna e de autoria do Professor Elias Marques de Medeiros. 

4 "Acompanhando tal posicionamento, o STJ vem demonstrando que somente a análise do caso concreto poderá determinar a validade e a observância dos preceitos processuais fundamentais na utilização de medidas atípicas, não cabendo aos tribunais superiores limitar ou regulamentar tal questão." (Danilo Scramin Alves e Rogerio Mollica, "Considerações acerca das medidas executivas atípicas do CPC/2015 e sua incidência na jurisprudência dos tribunais superiores", in Revista de Processo nº 311/2021).

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).