Quando do Julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.3848.640/RS aos 7/5/14, a Corte Especial do STJ fixou o entendimento, por maioria de votos, de que “na fase de execução o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”. Referido julgamento, sob a ótica do então art. 543-C do CPC/73 (equivalente art. 1036 e seguintes, do CPC/15, restou fundamentado, em síntese:
“A questão jurídica sujeita à presente afetação, responsabilidade do devedor pelo pagamento de juros de mora e correção monetária sobre os valores depositados em juízo na fase de execução, foi exaustivamente debatida por esta Corte Superior, tendo-se firmado entendimento no sentido da responsabilidade da instituição financeira depositária, não do devedor, pela remuneração do depósito judicial, conforme se verifica nos seguintes julgados:
(...)
Sobre o tema da remuneração dos depósitos judiciais, houve inclusive a edição de duas súmulas, embora restritas à questão da correção monetária. Confira-se:
Súmula 179/STJ - O estabelecimento de credito que recebe dinheiro, em deposito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos.
Súmula 271/STJ - A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário.
Não obstante a pacificação da jurisprudência desta Corte Superior, identificou-se no Núcleo de Recursos Repetitivos - NURER/STJ a subida de uma multiplicidade de recursos especiais referentes essa mesma controvérsia, principalmente nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia, uma das demandas de massa com maior número de recursos nesta Corte.
Tornou-se necessário, portanto, afetar a matéria ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, para impedir a subida em massa de recursos.
A tese que se pretende consolidar segue, essencialmente, a linha do entendimento já firmado por esta Corte, nos precedentes supracitados, sugerindo-se a redação, conforme a proposta feita pelo eminente Ministro Ari Parglender, em seu voto, nos seguintes termos: Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Na redação ora proposta, optou-se por limitar a tese à fase de execução, pois, na fase de conhecimento, o devedor somente é liberado dos encargos da mora se o credor aceitar o depósito parcial. É o que se depreende do disposto no art. 314 do Código Civil, abaixo transcrito: Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou. (...)”
(STJ, Corte Especial, Resp n. 1.348.640/RS, Corte Especial, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, v.u., j. 07.04.2014)
Consoante assentado em 2014 pela Corte Especial, o deposito judicial, realizado pelo devedor interrompe a incidência de juros moratórios e atualização monetária e o libera da obrigação de pagamento.
Todavia, referida decisão sujeitou-se a proposta de revisão do entendimento supra citado por força da afetação do Recurso Especial n. 1.820.963/SP, para decisão sob o rito do Tema Repetitivo n. 677, o qual passou a abordar a seguinte questão submetida para julgamento: “Proposta de revisão da tese firmada pela Segunda Seção no REsp 1.348.640/RS, relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, para definição de: se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor.” (grifou-se)
Em outras palavras, por força da afetação, sob o rito do art. 1036 e seguintes do CPC atual, o STJ reexaminou a mesma questão, desta feita sob o prisma dos recursos depositados em juízo terem o condão de (i) autorizar o imediato levantamento pelo credor (hipótese de nítido interesse do devedor em quitar o pagamento da dívida, à exemplo do parcelamento previsto no art. 916 do CPC ou do depósito em juízo destinado ao pagamento da dívida, art. 904, I, do CPC) ou (ii) por qualquer outra razão, há resistência do devedor em impedir aludido levantamento (por vezes quando o depósito espontâneo é utilizado como condição de obtenção do efeito suspensivo aos embargos do devedor – art. 919, § 1º ou quando referido depósito decorre do cumprimento de ordem de penhora online e que o devedor ainda será intimado para apresentação de eventual defesa contra referido ato de constrição patrimonial).
E, no julgamento do tema 677 levado à efeito aos 19/10/22, por votação unânime, proclamou novo enunciado quanto a questão:
“Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.”
O v. acórdão da Corte Especial ainda será disponibilizado. De toda sorte, as principais linhas do quanto decidido puderam ser obtidas no Informativo de Jurisprudência no 755, do STJ:
“Trata-se de proposta de revisão de tese repetitiva acerca dos efeitos do depósito judicial em garantia do Juízo (Tema 677).
No julgamento do REsp 1.348.640/RS foi firmada a tese repetitiva no sentido de que "na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada".
Em que pese tenha constado, na redação final do Tema, a referência expressa à extinção da obrigação do devedor por causa do depósito judicial, observa-se que, àquela ocasião, a Corte Especial não se debruçou, pontualmente, acerca do efeito do depósito sobre a mora do devedor, isto é, sobre a sua liberação quanto ao pagamento dos consectários decorrentes do retardamento no adimplemento da obrigação.
Tanto o é que, em paralelo à tese firmada no recurso representativo da controvérsia, em 21/05/2014, consolidou-se na jurisprudência do STJ o entendimento de que o mero depósito para garantia do juízo, a fim de viabilizar a impugnação do cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, porquanto a satisfação desta somente ocorre quando o valor respectivo ingressa no campo de disponibilidade do credor. Por isso, passou esta Corte a diferenciar o "pagamento" da "garantia do juízo", para o efeito de incidência da multa prevista no então art. 475-J do CPC/1973 (art. 523 do CPC/15).
A obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção monetária sobre o valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios de sua mora, segundo previsto no título executivo, até que ocorra o efetivo pagamento da obrigação ao credor.
No plano de direito material, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento na forma e tempo devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores monetários, além de honorários de advogado, nos termos dos arts. 394 e 395 do Código Civil. Outrossim, tem-se por caracterizada a mora do devedor até que este a purgue, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida, acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/2002).
A purga da mora na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento pontual desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a efetiva entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade.
Embora o Código Civil tenha sido lacunoso a respeito do tema, limitando-se a tratar das obrigações de dar coisa certa ou incerta - com o que não se confunde a obrigação de pagar -, o Código de Processo Civil, ao dispor sobre o cumprimento forçado da obrigação, deixa claro que a satisfação do crédito se dá pela entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos bens penhorados, nos exatos termos do art. 904 do CPC/2015.
Na mesma linha, o art. 906 do CPC, expressamente vincula a declaração de quitação da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores.
Assim, tem-se que somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada. Se o depósito é feito a título de garantia do juízo ou se é coercitivo, decorrente da penhora de ativos financeiros, não se opera a cessação da mora do devedor, haja vista que, em hipóteses tais, não ocorre a imediata entrega do dinheiro ao credor, cujo ato enseja a quitação do débito.
Consequentemente, se o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária previstos no título executivo, ou eventuais outros encargos contratados para a hipótese de mora, até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica dos valores.
Evidentemente, no momento anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, há de ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor.
Não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros. De fato, enquanto os juros remuneratórios têm por finalidade a simples remuneração ou rendimento pelo uso do capital alheio (são os frutos civis do capital), os juros moratórios têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do retardamento culposo no cumprimento da obrigação.
Há de se destacar que o depósito judicial na execução não se confunde com o depósito na ação de consignação em pagamento, que é ação com procedimento especial cabível nas estritas hipóteses do art. 335 do CC/02, em especial quando há recusa do credor em receber o pagamento ou dar-lhe quitação, sem justa causa (inc. I), ou, ainda, quando pende litígio sobre o objeto do pagamento (inc. V). Este apenas tem o condão de extinguir a obrigação do devedor quando para ele concorrer os mesmos requisitos de validade do pagamento, como tempo, modo, valor e lugar (arts. 336 e 337 do CC/2002), sendo que, de todo modo, a Lei Processual garante ao credor a imediata disponibilidade da quantia, como dispõe o art. 545, § 1º, do CPC/2015.
Assim, não se pode atribuir o efeito liberatório do devedor por causa do depósito de valores para garantia do juízo, com vistas à discussão do crédito postulado pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, porque não se tratam de pagamento com animus solvendi.
Entendimento em sentido diverso teria o nefasto condão de estimular a perpetuidade da execução, porquanto, uma vez ultrapassado o prazo para o pagamento da dívida - com isenção de multa e honorários advocatícios, no cumprimento de sentença judicial (art. 523 do CPC/15), ou com o pagamento dos honorários pela metade, na execução de título extrajudicial (art. 827 do CPC) - a menor ou maior duração do processo executivo em nada influenciaria o valor final do débito, se sua atualização (lato sensu) ocorresse apenas mediante o pagamento dos juros remuneratórios e da correção monetária, devidos por força do contrato de depósito mantido com a instituição financeira.
Assim, na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.
(STJ, Resp n. 1.820.963/SP, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 19.10.2022, grifou-se)1
Pelo que se depreende do quanto decidido, (i) o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou (ii) decorrente de penhora forçada de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora (a exemplo da incidência de juros e atualização monetária), os quais continuarão a ser exigíveis até a data de efetiva entrega do valor depositado ao credor.
Na medida em que boa parte das dívidas é composta de juros e atualização monetária, o precedente supra citado terá impacto significativo no campo da execução de título extrajudicial (e igualmente na fase de cumprimento de sentença).
Espera-se que o v. acórdão deixe claro (iii) qual o ato processual de efetiva entrega do valor depositado ao credor, para efeito de interrupção de acréscimo do quantum debeatur dos consectários da mora do devedor: seria (ii.i) a expedição de guia de levantamento ou efetiva transferência de quantia em favor do credor?; (ii.ii) em se tratando de depósito judicial manejado como garantia do juízo, o trânsito em julgado da r. decisão que julgar improcedente os embargos do devedor?; (ii.iii) em se tratando da penhora forçada de ativos financeiros, a preclusão da oportunidade conferida ao devedor para resistir ou impugnar o ato de penhora ou quando transitada em julgado eventual impugnação nesse sentido? e; (ii.iv) a forma de cálculo do quantum debeatur deve ser orientada pelo cálculo atualizado por seus consectários decorrentes da mora do devedor, abatendo-se os valores depositados ou referidos valores, para fins de abatimento, também devem ser atualizados?
A resposta a tais questionamentos certamente imprimirá maior segurança jurídica, estabilidade e isonomia das decisões judiciais, mormente em se tratando de precedente obrigatório cuja tese terá aplicação sobre os órgãos fracionários e juízos de primeira instância (art. 927, III), a trazer impactos sobre a execução de título extrajudicial.
Aguardemos, pois, pela vindoura disponibilização do v. acórdão referente ao julgamento do tema repetitivo 677, que oportunamente será objeto de comentários nesta coluna.
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1 Informações obtidas junto ao Informativo de Jurisprudência n. 755 (7 de novembro de 2022), In. https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/