Como se sabe, o art. 916, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável à execução por quantia certa, permite que o executado, no prazo para apresentar embargos à execução, reconheça o crédito do exequente e realize o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e honorários de advogado, para a finalidade de obter a permissão do juiz para “pagar o restante em até 6 (seis) parcela mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês”. Trata-se da possibilidade de o executado obter um parcelamento da dívida autorizado por lei e por isso alguns chamam essa hipótese de “moratória legal”.
Ocorre que o CPC atual, por meio do § 7º do art. 916, proíbe que este parcelamento da dívida previsto em lei seja aplicado ao procedimento do cumprimento de sentença (“o disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento de sentença”). Em outras palavras, por disposição expressa de lei, a “moratória legal” é permitida na execução fundada em título extrajudicial, mas é proibida na execução fundada em título judicial (cumprimento de sentença).
Tanto isso é verdade que, no cumprimento de sentença, se o executado fizer um depósito judicial em valor inferior ao montante total da execução, o § 2º do art. 523 do CPC expressamente determina que “efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput, a multa e os honorários previstos no § 1º incidirão sobre o restante”. Ou seja, se o executado depositar 30% (trinta por cento) do valor da execução, por exemplo, incidirá multa de 10% (dez por cento) e mais honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o saldo devedor em aberto.
Por isso é que o executado, no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, não pode sequer invocar o princípio da menor onerosidade da execução (CPC, art. 805) para pedir a aplicação do art. 916, do CPC, ao cumprimento de sentença “por analogia”. Isso porque, além de o § 7º do art. 916 do mesmo diploma legal vedar expressamente esse expediente, também haveria o óbice do parágrafo único do art. 805 que impõe ao executado que alegar ser essa medida executiva a mais gravosa “indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados”. Ora, o meio do art. 916, do CPC, para executar não pode ser considerado mais eficaz, dado que descarta a multa de 10% (dez por cento) e os honorários advocatícios de 10% (dez por cento), para o executado, se ele depositar um valor menor que o do débito em execução.
Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça em julgado recente assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA. PEDIDO DA PARTE EXECUTADA DE PARCELAMENTO DO DÉBITO. VEDAÇÃO EXPRESSA CONTIDA NO ART. 916, § 7º, DO CPC/2015. MITIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. O propósito recursal consiste em definir se a vedação constante do art. 916, § 7º, do CPC/2015 - que obsta a aplicação da regra de parcelamento do crédito exequendo ao cumprimento de sentença - pode ser mitigada, à luz do princípio da menor onerosidade da execução para o devedor.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, formada à luz do diploma processual revogado, admitia a realização, no cumprimento de sentença, do parcelamento do valor da execução pelo devedor previsto apenas para a execução de título executivo extrajudicial (art. 745-A do CPC/1973), em virtude da incidência das regras desta espécie executiva subsidiariamente àquela, conforme dispunha o art. 475-R do CPC/1973. Precedentes.
3. Com a entrada em vigor do CPC/2015, todavia, fica superado esse entendimento, dada a inovação legislativa, vedando expressamente o parcelamento do débito na execução de título judicial (art. 916, § 7º), com a ressalva de que credor e devedor podem transacionar em sentido diverso da lei, tendo em vista se tratar de direito patrimonial disponível.
4. O princípio da menor onerosidade, a seu turno, constitui exceção à regra - de que o processo executivo visa, precipuamente, a satisfação do crédito, devendo ser promovido no interesse do credor - e a sua aplicação pressupõe a possibilidade de processamento da execução por vários meios igualmente eficazes (art. 805 do CPC/2015/2015), evitando-se, por conseguinte, conduta abusiva por parte do credor.
5. Saliente-se, nesse contexto, que a admissão do parcelamento do débito exequendo traria como consequências, por exemplo, a não incidência da multa e dos honorários decorrentes do não pagamento voluntário pelo executado no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015, e a imposição ao credor de maior demora no recebimento do seu crédito, depois de já suportada toda a delonga decorrente da fase de conhecimento. É evidente, desse modo, a inexistência de meios igualmente eficazes, a impossibilitar a incidência do princípio da menor onerosidade.
6. Portanto, nos termos da vedação contida no art. 916, § 7º, do CPC/2015, inexiste direito subjetivo do executado ao parcelamento da obrigação de pagar quantia certa, em fase de cumprimento de sentença, não cabendo nem mesmo ao juiz a sua concessão unilateralmente, ainda que em caráter excepcional.
7. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp n. 1.891.577/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 24/5/2022, DJe de 14/6/2022.)
Em razão disso, está proibida a aplicação do art. 916, do CPC, no cumprimento de sentença. Somente se houver efetivo acordo de vontades entre exequente e executado no cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia é que poderá haver parcelamento da dívida. Nessa hipótese, não se trata de mitigação do disposto no § 7º do art. 916 ou de afastamento da incidência do § 2º do art. 523, ambos do CPC. Em verdade, o que acontece nessa última hipótese é um acordo de vontades entre o exequente (que abre mão de parte de seus direitos) e do executado (que propõe pagar parceladamente o valor da dívida e aceita o regime do art. 916 para a hipótese de não pagar alguma parcela do débito tempestivamente).