CPC na prática

O recente enunciado nº 8 do pleno do STJ

Com a nova redação do art. 105 da Magna Carta, naturalmente instalou-se a dúvida se o filtro seletor da relevância já seria desde logo – independentemente de normas regulamentadoras - exigido para fins de verificação da admissibilidade dos recursos especiais.

27/10/2022

Em recente orientação, o STJ prolatou o Enunciado n. 8, o qual prevê que: "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal".

Como é sabido, no último mês de julho foi introduzida em nosso sistema a Emenda Constitucional n. 125/2022, a qual estabeleceu nova redação para o artigo 105 da Constituição Federal, e previu a adoção do filtro da relevância para a admissão dos recursos especiais perante o STJ. Veja-se: 

"Art. 105. ......................................................................................................

§ 1º ...............................................................................................................

§ 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.

§ 3º Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:

I - ações penais;

II - ações de improbidade administrativa;

III - ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;

IV - ações que possam gerar inelegibilidade;

V - hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça;

VI - outras hipóteses previstas em lei."(NR)

Art. 2º A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo.

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação".

Com a nova redação do art. 105 da Magna Carta, naturalmente instalou-se a dúvida se o filtro seletor da relevância já seria desde logo – independentemente de normas regulamentadoras - exigido para fins de verificação da admissibilidade dos recursos especiais; especialmente diante da redação do art. 3º da Emenda Constitucional n. 125/2022.

Não tardaram aparecer decisões de tribunais a quo negando seguimento a recursos especiais interpostos após a vigência da referida emenda constitucional, com a motivação de que o filtro seletor da relevância não teria sido abordado nos apelos endereçados ao STJ; e isso mesmo, diga-se, a despeito de a própria redação do art. 105 da Constituição Federal ser explícita quanto à competência do STJ para examinar a presença da relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso.

Na decisão proferida no Recurso Especial n. 5738415-77.2019.8.09.0051, a Vice- Presidência do TJ-GO, em setembro de 2022, entendeu que: "uma vez que não consta da peça recursal em estudo a alegação de relevância infraconstitucional, e tampouco se enquadra o caso em alguma das hipóteses de presunção de relevância, a inadmissão deste recurso é medida que se impõe".

Igualmente, em setembro de 2022, em decisão proferida no Recurso Especial n. 0801223-97.2019.8.12.0027/50000, a Vice-Presidência do TJ-MS entendeu que "as questões aqui discutidas não se enquadram nos casos de relevância presumida citados, sendo, portanto, ônus da parte recorrente demonstrar a existência desse requisito, do que in casu não se desincumbiu, daí que, a meu juízo, o presente recurso não merece prosperar". E na mesma linha foi a posição do gabinete da presidência do TJDF, em decisão proferida no Recurso Especial n. 0727063-86.2020.8.07.0001. 

Neste cenário, em diálogo com a segurança jurídica, elogiável foi a postura do STJ ao prolatar o mencionado Enunciado n. 8, que demonstra a necessidade de se aguardar a vigência de lei regulamentadora da disciplina do filtro seletor da relevância aplicável aos recursos especiais.

Cumpre relembrar que a relevância do Recurso Especial foi inspirada no instituto da repercussão geral do Recurso Extraordinário, o qual, apesar de ter se originado da EC nº 45, cuja publicação se deu em 2004, foi regulamentado em 2006 pela lei 11.418, que adicionou os artigos 543-A e 543-B ao CPC/73, e passou a ser exigido apenas em 2007, após a publicação da Emenda Regimental n° 21, que concluiu a disciplina do tema no Regimento Interno do STF.

À época, o Supremo Tribunal Federal, a fim de solucionar as discussões sobre o termo inicial da aplicação do instituto da repercussão geral, firmou o entendimento de que “a demonstração formal e fundamentada da existência de repercussão geral de questões constitucionais (art. 543-A, § 2°, do CPC) só é exigível para os recursos extraordinários interpostos de acórdãos publicados após 3.5.2007 (data da publicação da Emenda Regimental n° 21)”. Nesse mesmo sentido há diversos acórdãos da Corte.

Assim, inexistindo ainda lei que regulamente o tema ou mesmo previsão regimental, por parte do STJ, órgão competente para conhecer e julgar o Recurso Especial, é certo que o filtro da relevância ainda não poderia ser exigido para fins de admissibilidade recursal. E foi essa a boa diretriz adotada no Enunciado n. 8 do Pleno do STJ.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).