Em recente orientação, o STJ prolatou o Enunciado n. 8, o qual prevê que: "A indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal".
Como é sabido, no último mês de julho foi introduzida em nosso sistema a Emenda Constitucional n. 125/2022, a qual estabeleceu nova redação para o artigo 105 da Constituição Federal, e previu a adoção do filtro da relevância para a admissão dos recursos especiais perante o STJ. Veja-se:
"Art. 105. ......................................................................................................
§ 1º ...............................................................................................................
§ 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.
§ 3º Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:
I - ações penais;
II - ações de improbidade administrativa;
III - ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;
IV - ações que possam gerar inelegibilidade;
V - hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça;
VI - outras hipóteses previstas em lei."(NR)
Art. 2º A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo.
Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação".
Com a nova redação do art. 105 da Magna Carta, naturalmente instalou-se a dúvida se o filtro seletor da relevância já seria desde logo – independentemente de normas regulamentadoras - exigido para fins de verificação da admissibilidade dos recursos especiais; especialmente diante da redação do art. 3º da Emenda Constitucional n. 125/2022.
Não tardaram aparecer decisões de tribunais a quo negando seguimento a recursos especiais interpostos após a vigência da referida emenda constitucional, com a motivação de que o filtro seletor da relevância não teria sido abordado nos apelos endereçados ao STJ; e isso mesmo, diga-se, a despeito de a própria redação do art. 105 da Constituição Federal ser explícita quanto à competência do STJ para examinar a presença da relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso.
Na decisão proferida no Recurso Especial n. 5738415-77.2019.8.09.0051, a Vice- Presidência do TJ-GO, em setembro de 2022, entendeu que: "uma vez que não consta da peça recursal em estudo a alegação de relevância infraconstitucional, e tampouco se enquadra o caso em alguma das hipóteses de presunção de relevância, a inadmissão deste recurso é medida que se impõe".
Igualmente, em setembro de 2022, em decisão proferida no Recurso Especial n. 0801223-97.2019.8.12.0027/50000, a Vice-Presidência do TJ-MS entendeu que "as questões aqui discutidas não se enquadram nos casos de relevância presumida citados, sendo, portanto, ônus da parte recorrente demonstrar a existência desse requisito, do que in casu não se desincumbiu, daí que, a meu juízo, o presente recurso não merece prosperar". E na mesma linha foi a posição do gabinete da presidência do TJDF, em decisão proferida no Recurso Especial n. 0727063-86.2020.8.07.0001.
Neste cenário, em diálogo com a segurança jurídica, elogiável foi a postura do STJ ao prolatar o mencionado Enunciado n. 8, que demonstra a necessidade de se aguardar a vigência de lei regulamentadora da disciplina do filtro seletor da relevância aplicável aos recursos especiais.
Cumpre relembrar que a relevância do Recurso Especial foi inspirada no instituto da repercussão geral do Recurso Extraordinário, o qual, apesar de ter se originado da EC nº 45, cuja publicação se deu em 2004, foi regulamentado em 2006 pela lei 11.418, que adicionou os artigos 543-A e 543-B ao CPC/73, e passou a ser exigido apenas em 2007, após a publicação da Emenda Regimental n° 21, que concluiu a disciplina do tema no Regimento Interno do STF.
À época, o Supremo Tribunal Federal, a fim de solucionar as discussões sobre o termo inicial da aplicação do instituto da repercussão geral, firmou o entendimento de que “a demonstração formal e fundamentada da existência de repercussão geral de questões constitucionais (art. 543-A, § 2°, do CPC) só é exigível para os recursos extraordinários interpostos de acórdãos publicados após 3.5.2007 (data da publicação da Emenda Regimental n° 21)”. Nesse mesmo sentido há diversos acórdãos da Corte.
Assim, inexistindo ainda lei que regulamente o tema ou mesmo previsão regimental, por parte do STJ, órgão competente para conhecer e julgar o Recurso Especial, é certo que o filtro da relevância ainda não poderia ser exigido para fins de admissibilidade recursal. E foi essa a boa diretriz adotada no Enunciado n. 8 do Pleno do STJ.