CPC na prática

Desnecessidade de intimação do autor para converter ação monitória em procedimento comum

Professor André Pagani de Souza escreve sobre a desnecessidade de intimação do autor para converter monitória em procedimento comum, comentando recente julgado do STJ.

13/10/2022

O caput do art. 700, combinado com seu inciso I, do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que "a ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz" o "pagamento de quantia em dinheiro".

Caso essa "prova escrita sem eficácia de título executivo" desperte no juiz dúvida quanto a sua idoneidade, deve ser aplicado o § 5º do art. 700 do CPC cujo teor é o seguinte: "Havendo dúvida quanto à idoneidade de prova documental apresentada pelo autor, o juiz intimá-lo-á para, querendo, emendar a petição inicial, adaptando-a ao procedimento comum".

Em decorrência do estabelecido nos dispositivos acima mencionados (CPC, art. 700, caput, inciso I e § 5º), se o juiz determinar ao autor de uma ação monitória a juntada de documentos complementares àqueles que foram apresentados junto com a petição inicial, não resta dúvida de que o magistrado entendeu ser a prova escrita apresentada incapaz de autorizar o prosseguimento desse procedimento especial (ação monitória).

Ou seja, se o juiz determinar ao autor a apresentação de mais documentos, fica claro que ele entende não ser viável o prosseguimento da ação monitória. Não é necessária a intimação expressa para emendar a inicial da ação monitória para convertê-la ao procedimento comum.

Nesse sentido, decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgado assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. EMENDA À INICIAL. INTIMAÇÃO. EMBARGOS MONITÓRIOS. TEMPESTIVOS. CONVERSÃO. PROCEDIMENTO COMUM.

1. Recurso especial interposto em 11/08/2020 e concluso ao gabinete em 14/09/2021.

2. Cuida-se de ação monitória.

3. O propósito recursal consiste em definir se é necessária a intimação da parte para converter a ação monitória em procedimento comum.

4. A emenda à exordial e a oposição de embargos monitórios têm por consequência a conversão de procedimento monitório em procedimento ordinário.

5. O rito comum será dotado de cognição plena e exauriente, com ampla dilação probatória. Assim, a cognição da ação monitória, que em princípio é sumária, será dilatada mediante iniciativa do réu em opor embargos, permitindo que se forme um juízo completo e definitivo sobre a existência ou não do direito do autor.

Precedentes.

6. O documento que serve de base para a propositura da ação monitória gera apenas a presunção de existência do débito, a partir de um juízo perfunctório próprio da primeira fase do processo monitório. Trazendo o réu-embargante elementos suficientes para contrapor a plausibilidade das alegações que levaram à expedição do mandado de pagamento, demonstrando a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado na inicial, caberá ao autor-embargado superar os óbices criados, inclusive com a apresentação de documentação complementar, se for o caso.

Precedentes.

7. Recurso especial conhecido e não provido.

(REsp n. 1.955.835/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022.)"

No corpo do acórdão acima referido, ao se interpretar o art. 700, § 5º, do CPC, a Min. Nancy Andrighi afirmou o seguinte:

"A literalidade do art. 700, § 5º não indica a exigência de intimação da parte para escolher sobre a conversão do processo ao rito comum, mas sim obriga o julgador a intimá-la a complementar suas alegações com todos os meios de prova admitidos em direito se houver dúvida quanto ao direito alegado, o que acarreta a conversão do procedimento em ordinário".

Em outras palavras, o rito monitório deverá ser convertido em comum quando o autor fizer uso do comando do § 5º do art. 700 para juntar novas provas e emendar a inicial. Não há possibilidade de escolha para o autor se ele quiser continuar com o processo. Ou se adota o rito comum ou será o caso de indeferimento da petição inicial.

Em outra oportunidade, o signatário do presente artigo já expressou a mesma opinião:

"Caso o juiz determine a emenda da petição inicial para adaptá-la ao procedimento comum, suscitando dúvida sobre a idoneidade da prova para embasar a 'ação monitória', mas o autor não concorde em emendá-la, a petição inicial deverá ser indeferida com fundamento nos arts. 330 e 700, § 4º, do CPC" (SOUZA, André Pagani de. Comentários ao art. 700. In: SCARPINELLA BUENO, Cassio (coord.). Comentários ao código de processo civil. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 353).

Portanto, não há qualquer possibilidade de o autor escolher entre o procedimento monitório ou o comum. Se o juiz entender que a prova apresentada na inicial não é apta a desencadear o procedimento monitório, só há uma possibilidade de o processo continuar: a adoção do procedimento comum. Portanto, desnecessário intimar a parte para emendar a inicial, se o juiz já determinou a apresentação de novos documentos.

Nesse sentido, a Min. Nancy Andrighi, no julgado acima mencionado, decidiu o seguinte:

"Diante do exposto, conclui-se que o rito monitório irá se converter em comum quando o autor usufruir da faculdade de emendar a petição inicial com novas provas, bem como quando forem opostos embargos monitórios. Não sendo necessário, portanto, intimar a parte para que ela escolha se deseja a conversão do procedimento monitório em comum, haja vista que isto é uma consequência direta dos acontecimentos determinados em lei" (grifos nossos).

Tudo isso acontece porque, com a juntada de novos documentos, amplia-se a cognição jurisdicional de tal maneira que só é possível realizá-la se for adotado procedimento comum. Portanto, é flagrante a desnecessidade de intimação do autor para converter ação monitória em procedimento comum quanto se determina a juntada de novos documentos.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).