Como já tivemos a oportunidade de ilustrar, a execução, no Brasil, é um fator de forte preocupação para se alcançar o almejado patamar de efetividade processual idealizado pelo legislador no artigo 4 do CPC/15.
Nos índices apresentados pelo Justiça em Números do CNJ, existem mais de "79 milhões de demandas em tramitação, das quais nada menos do que 42,81 milhões são de natureza executiva fiscal, civil e cumprimento de sentenças, equivalente a 54,2% de todo o acervo do Poder Judiciário (...) Os dados do CNJ ainda indicam que apenas 14,9% desses processos de execução atingem a satisfação do crédito perseguido, enquanto a taxa de congestionamento é de 85,1%, ou seja, de cada 100 processos de execução que tramitavam em 2018, somente 14,9 obtiveram baixa definitiva nos mapas estatísticos."1
No levantamento mais recente, reconheceu-se que uma grande causa dos alarmantes números de execuções pendentes é a falta de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente. Ademais, as dívidas chegam ao judiciário após esgotados os meios de cobrança administrativos — daí a difícil recuperação."2
Neste cenário, conforme já escrevemos3, um procedimento eficiente de busca de bens do devedor seria um forte aliado nessa cruzada contra a falta de efetividade e eficiência na implementação dos atos executivos.
O tema também traça interessante comunicação com as previsões do CPC/15 que estipulam medidas de reforço à efetividade e à cooperação processual, tais como a prevista no artigo 772, III, do CPC/15.
Vale realçar que o artigo 772 do CPC/15 reforça o dever do juiz de determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável4.
Reforça-se que a ideia da cooperação do magistrado na localização de bens do devedor, na ação de execução, também foi vista como essencial pelo professor Flávio Luiz Yarshell,5 para quem “deixar o interessado entregue à própria sorte na busca de dados que, por circunstâncias jurídicas (como a preservação do sigilo e da intimidade) ou práticas, não pode razoavelmente atingir é ignorar que o cumprimento das decisões judiciais (ou mesmo dos direitos que o ordenamento indica como reconhecidos em títulos extrajudiciais) interessa antes de tudo ao Estado (...)".
Em linha com o artigo 6º. do CPC/15, efetivar as providências do artigo 772 do CPC/15, em uma postura mais cooperativa do Poder Judiciário na busca e localização de bens do devedor, seria um fator de contribuição para a melhor eficiência do processo de execução no Brasil. Como acertadamente lembra Miguel Teixeira de Sousa6, "o êxito da execução depende exclusivamente dos bens que nela possam ser penhorados". E Flávio Luiz Yarshell7 já bem observou que "... não é difícil compreender que quanto mais amplo o acervo sujeito à regra da responsabilidade patrimonial, tanto mais fácil (ou menos difícil) se torna a tarefa de satisfazer o credor".
É claro que, no caso de ausência de bens, o devedor não terá como pagar o débito, sendo a execução infrutífera; não importando quantas medidas atípicas o magistrado defira em favor do credor.
Ao saber quais são e onde estão os bens penhoráveis do devedor, o credor e o magistrado já poderão se posicionar, de forma mais eficiente, para as providências de expropriação do patrimônio daquele que deve.
Daí a crucial e relevante importância da recente ferramenta do CNJ denominada "Sniper", que muito pode auxiliar os sujeitos processuais na localização de bens do devedor.
Conforme noticiado8: "O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, nesta terça-feira (16/8), ferramenta digital para agilizar e centralizar a busca de ativos e patrimônios em diversas bases de dados. O Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (Sniper), desenvolvido no Programa Justiça 4.0, identifica em segundos os vínculos patrimoniais, societários e financeiros entre pessoas físicas e jurídicas. Com isso, a expectativa é que a busca de ativos — que hoje chega a levar meses e mobiliza uma equipe especializada em investigação patrimonial a partir da análise de documentos — possa ser feita rapidamente. Os resultados são representados em grafos (conjunto de informações e das relações existentes entre eles) de fácil compreensão pela magistratura, indicando as ligações entre os atores de forma simples, o que contribui para reduzir o tempo de conclusão dos processos na fase de execução e cumprimento de sentença — maior gargalo atual dos processos judiciais (...).Com uma interface amigável e navegação intuitiva em plataforma web, o Sniper já disponibiliza uma consulta rápida a bases de dados abertas e fechadas, com a possibilidade de incluir novas bases de informações. O acesso ao sistema só é ser feito por pessoas autorizadas, a partir da decisão de quebra de sigilo, para garantir a segurança das informações. Por meio do sistema, usuários e usuárias podem buscar dados de pessoas físicas e jurídicas pelo nome, CPF, razão social, nome fantasia ou CNPJ. É possível visualizar as informações, a relação de bens e ativos (incluindo aeronaves e embarcações) e as relações com outras pessoas físicas e jurídicas. As informações podem ser exportadas em um relatório no formato .pdf e anexadas a um processo judicial. Atualmente, já estão integrados ao Sniper os dados de CPF e CNPJ, as bases de candidatos e bens declarados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informações sobre sanções administrativas, empresas punidas e acordos de leniência (CGU), dados do Registro Aeronáutico Brasileiro (Anac), embarcações listadas no Registro Especial Brasileiro (Tribunal Marítimo) e informações sobre processos judiciais, como partes, classe, assunto dos processos e valores (cabeçalho processual, do CNJ). No módulo de dados sigilosos, poderão ser adicionadas informações fiscais e bancárias, com acesso restrito a usuários autorizados, a partir da integração com o Infojud e Sisbajud".
É certo que quanto mais eficaz for o uso da ferramenta do CNJ, em conformidade com o espírito da efetividade, eficiência e cooperação, melhor será a contribuição para almejarmos com uma execução cada vez mais próxima dos ditames do artigo 4 e 8 do CPC/15.
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1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.
3 Disponível aqui.
4 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 842. No mesmo sentido: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 1228.
5 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 183.
6 SOUSA, Miguel Teixeira de. A reforma da acção executiva. Lisboa: Lex, 2004. p. 25.
7 YARSHELL, Flávio Luiz. A Ampliação da responsabilidade patrimonial: caminho para solução da falta de efetividade da execução civil brasileira? In: ALVIM, Arruda; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Mônica Bonetti. Execução Civil e temas afins. São Paulo: RT, 2014. p. 392.
8 CNJ lança ferramenta que permite identificar ativos e agilizar execução.