CPC na prática

O prazo decadencial para formulação do pedido principal na tutela cautelar antecedente

No tocante ao procedimento ligado a medida cautelar, o CPC/73 previa em seu art. 806 o prazo de 30 dias para formulação do pedido principal, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório.

11/8/2022

No tocante ao procedimento ligado a medida cautelar, o CPC/73 previa em seu art. 806 o prazo de 30 (trinta) dias para formulação do pedido principal, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório1.

O CPC/2015, ao disciplinar dentre as tutelas provisórias de urgência, a chamada tutela cautelar requerida em caráter antecedente (arts. 305 a 310), disciplinou, em seu art. 308, o prazo de 30 (trinta) dias para formulação do pedido principal, prazo esse contado da efetivação da tutela cautelar.

A inovação procedimental ligado ao instituto ficou por conta da formulação de referido pedido principal (i) nos mesmos autos em que tramita a tutela cautelar e, (ii) dispensado o adiantamento de novas custas processuais. Ainda, a tutela cautelar restou aprimorada com vistas a permitir que autor, querendo, (iii) veicule o pedido principal diretamente com o pedido de tutela cautelar (art. 308, § 1º).

Por sua vez, o CPC em vigor disciplina que os prazos correm em dias úteis, regra que ocupa o art. 219, frisando o legislador que a observância de tal regra é restrita aos prazos processuais2.

Dúvida há de surgir, portanto, se o prazo previsto no art. 308 do CPC em vigor há de ser contado em dias úteis ou corridos (tal qual o regime do CPC/73). Em verdade o exame de tal questão reside em saber a natureza jurídica do prazo previsto para a formulação do pedido principal ligado a tutela cautelar antecedente.

Recentemente a Primeira Turma do STJ examinou a questão:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. PRAZO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. NATUREZA JURÍDICA. DECADENCIAL. CONTAGEM EM DIAS CORRIDOS.

1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ).

2. À luz dos arts. 806 e 808 do CPC/1973, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual “a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar” (Súmula 482 do STJ). À época, a orientação jurisprudencial deste Tribunal era pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal. Precedentes.
3. Na vigência do CPC/2015, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único).
4. No caso dos autos, o recurso não pode ser conhecido porque o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal. Observância da Súmula 83 do STJ.
5. Agravo interno não provido.”

(STJ, AgInt no REsp n. 198.2986/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, v.u., j. 21.06.2022, grifou-se)

Ao enfrentar a questão, o voto condutor bem examinou:

"(...)

Pois bem. Como se observa, para o órgão julgador, o prazo para a formulação do pedido principal deve ser contado em dias corridos porque seria teria natureza decadencial, e não processual, hipótese em que o prazo seria contado em dias úteis. Deve ser mantido, à luz da jurisprudência deste Tribunal Superior. Com efeito, ainda na vigência do CPC/1973, à luz dos arts. 806 e 808, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual “a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar” (Súmula 482 do STJ). Ao se consultar os precedentes mencionados na proposta da referida súmula, percebe-se que, à época, havia orientação jurisprudencial deste Tribunal pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal, daí porque a não observância resultava na extinção do processo cautelar. Nesse sentido, dentre outros:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAUTELAR. CONTAGEM DE PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. EFETIVAÇÃO DA LIMINAR. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.

1. Interpretando o artigo 806 do CPC o prazo de trinta dias para o ajuizamento da ação principal é contado a partir da data da efetivação da medida liminar e não da sua ciência ao requerente da cautelar.

2. Em caso de descumprimento do prazo, ocorre a extinção da Ação Cautelar, sem julgamento de mérito. Precedentes.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no Ag 1319930/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011)

Direito Processual civil. Cautelar. Indisponibilidade dos bens. Ação Principal. Propositura. Prazo de decadência. Termo inicial. Efetivação da liminar.

- Enquanto não efetivada a medida liminar, ou seja, tornados efetivamente indisponíveis os bens dos requeridos, não começa a fluir o prazo de decadência do direito de promover a ação principal. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 687.208/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/10/2006, DJ 16/10/2006, p. 365) PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR. PRAZO DECADENCIAL. DIES A QUO DO TRINTÍDIO LEGAL. ARESTO EMBARGADO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE.
1. Trata-se de agravo regimental interposto por ALBERTO KATZ em face de decisão que negou seguimento a embargos de divergência ao entendimento de encontrar-se superada a dissonância interpretativa entre os julgados indicados. Sustenta o agravante que deve ser reformada a decisão objurgada, pois não pretende que a contagem do prazo decadencial seja feita a partir da ciência do requerente acerca da cautelar deferida pelo juízo de primeira instância. Ao contrário, em absoluta conformidade com o entendimento consolidado desta Corte, sempre partiu da premissa que a contagem do prazo decadencial se inicia com a efetivação da medida liminar, recaindo a discussão, contudo, sobre o momento em que se pode reputar verificada tal efetivação.

2. Há de ser confirmada a decisão agravada no sentido da impossibilidade de se emprestar seguimento a recurso de embargos de divergência que traz à colação aresto cuja tese encontra-se superada nesta Casa.

3. A decisão ora agravada apreciou cuidadosamente a dissidência invocada, tendo lançado fundamentação suficiente para embasar a conclusão adotada, não merecendo sofrer nenhuma alteração. Pretende o embargante, na verdade, suscitar a definição acerca do momento em que a efetivação da medida cautelar pode ser reputada verificada. Mas, conforme consignado no próprio acórdão que examinou os embargos de declaração, a constatação de tal situação implicaria em reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado pela Súmula 07/STJ. Não haveria a possibilidade, nesta seara especial, de se certificar se, desde a intimação, o embargante realmente começou a sofrer constrições em seu patrimônio, passando a estar impedido de dispor livremente de seus bens ou não.

4. Agravo regimental não-provido.

(AgRg nos EREsp 583.345/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/06/2006, DJ 01/08/2006, p. 332).

Ainda pela natureza decadencial do prazo, confiram-se: AgInt no AREsp 1351646/CE, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 08/03/2021, DJe 15/03/2021; AgInt nos EDcl no REsp 1801977/MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/10/2020, DJe 20/11/2020; AgInt no AREsp 898.521/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 01/02/2017.

Na vigência do CPC/2015, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único).

De fato, quanto aos prazos processuais, a Lei n. 13.105/2015 - CPC/2015 estabelece, que, na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis (art. 209); e que, “decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa” (art. 223). E, no que se refere ao processo cautelar, o CPC/2015 dispõe, ainda, que, efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, sob pena de cessar a eficácia da cautelar, hipótese em que será vedado a renovação do pedido, salvo sob novo fundamento (arts. 308 e 309).

No contexto, portanto, deve-se reconhecer que o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal Superior, razão pela qual não deve ser conhecido o recurso, seja pela alínea ‘a’ do permissivo, seja pela 'c'.

(...)"

O recente entendimento do STJ soa acertado, porquanto não nos parece razoável pensar que a circunstância de novel legislação passar a prever a contagem dos prazos em dias úteis retira ou modifica o entendimento de que determinado prazo tem natureza jurídica de decadencial, ocasião cujo cômputo dar-se-á em dias corridos.

__________

1 CPC/73: Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório.

2 Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).