CPC na prática

Possibilidade de conversão de pedido de reintegração de posse em ação de execução

O professor André Pagani de Souza escreve sobre a possibilidade de conversão de pedido de reintegração de posse de veículo em "ação de execução", caso não seja encontrado o bem.

4/8/2022

É possível a conversão de pedido de reintegração de posse em "ação de execução" quanto o veículo automotor objeto de contrato de arrendamento mercantil ("leasing") não é localizado. Foi o que decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por votação unânime, nos autos do Recurso Especial n. 1.785.544/RJ, em julgamento realizado em 21.06.2022.

Como se sabe, duas modalidades bastante utilizadas para possibilitar a aquisição de bens consistentes em veículos automotores de maneira financiada são o contrato de alienação fiduciária e o contrato de arrendamento mercantil, também conhecido como "leasing".

Na hipótese da alienação fiduciária, caso ocorra o inadimplemento do devedor no que diz respeito ao pagamento das parcelas pactuadas para obtenção do financiamento, o credor pode recuperar fisicamente o bem mediante o ajuizamento de "ação de busca e apreensão", nos termos do art. 3º, do decreto-lei 911/1969, com a redação conferida pela lei 13.043/2014, que dispõe o seguinte:

"Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário".

Caso o bem não seja encontrado no curso da “ação de busca e apreensão”, o art. 4º, do decreto-lei 911/1969, estabelece expressamente que o credor pode pedir a conversão da "ação de busca e apreensão" em "ação de execução". Confira-se:

"Art. 4o Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. (Redação dada pela lei 13.043, de 2014)".

Já no caso do arrendamento mercantil ("leasing"), na hipótese de inadimplemento do devedor, cabe ao credor propor "ação de reintegração de posse" para recuperar fisicamente o bem objeto do contrato disciplinado lei 6.099/1974.

Sem dúvida, existia um tratamento diferenciado conferido pela lei no que diz respeito ao procedimento para o credor retomar o bem objeto do financiamento dependendo da espécie contratual adotada para viabilizar o negócio: alienação fiduciária ou arrendamento mercantil.

Em 2014, a lei 13.043, do mesmo ano, inseriu o § 15 no art. 3º do decreto-lei 911/1969, que versa exatamente sobre a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente em garantia na hipótese de inadimplemento do devedor, com o seguinte teor:

"§ 15.  As disposições deste artigo aplicam-se no caso de reintegração de posse de veículos referente às operações de arrendamento mercantil previstas na lei 6.099, de 12 de setembro de 1974."

Em outras palavras, o dispositivo legal acima transcrito autorizou expressamente a aplicação das normas procedimentais previstas para a alienação fiduciária em garantia de veículos automotores aos casos de reintegração de posse referentes às operações de arrendamento mercantil desses bens.

Portanto, em decisão irretocável, o STJ entendeu que é válida a extensão das normas previstas no decreto-lei 911/1969, que trata da alienação fiduciária, às hipóteses de reintegração de posse de veículos que foram objeto de contrato de arrendamento mercantil, também conhecido como "leasing". Veja-se, a propósito, a ementa do julgado:

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ARRENDAMENTO MERCANTIL. INADIMPLEMENTO. LIMINAR DEFERIDA. VEÍCULO NÃO LOCALIZADO. CONVERSÃO EM AÇÃO DE EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ART. 4º DO DECRETO-LEI Nº 911/1969. APLICABILIDADE.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cuida-se, na origem de ação de reintegração de posse que objetiva a retomada de veículo em virtude do inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil. O pedido de conversão da ação em processo executivo em virtude da não localização do bem foi indeferido, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito.

3. Cinge-se a controvérsia a definir se, diante da não localização do bem objeto do contrato de arrendamento mercantil, é possível a conversão do pedido de reintegração de posse em ação de execução, por aplicação analógica do decreto-lei 911/1969 que estabelece normas de processo acerca de alienação fiduciária.

4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça traçou orientação no sentido de que, em ação de busca e apreensão processada sob o rito do decreto-lei 911/1969, o credor tem a faculdade de requerer a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva se o bem não for encontrado ou não se achar na posse do devedor (art. 4º).

5. A lei 13.043/2014, que trouxe modificações no Decreto-Lei nº 911/1969, autoriza a aplicação das normas procedimentais previstas para a alienação fiduciária aos casos de reintegração de posse de veículos referentes às operações de arrendamento mercantil (Lei nº 6.099/1974).

6. Recurso especial provido. (REsp n. 1.785.544/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 24/6/2022)".

Assim, diante da não localização do veículo automotor objeto do contrato de arrendamento mercantil, é possível a conversão do pedido de reintegração de posse em ação de execução, por aplicação analógica do Decreto-Lei nº 911/1969 que estabelece normas de processo acerca de alienação fiduciária. Trata-se da uma decisão acertada da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que equipara o procedimento a ser adotado para situações muito parecidas, em harmonia com a jurisprudência recente da Corte.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).