CPC na prática

A EC 125 e a instituição do requisito da relevância nos recursos especiais

Cabe aos operadores serem cautelosos e fazerem desde já em seus recursos especiais um capítulo similar ao utilizado nos RE, para tratar da relevância das questões de direito federal infraconstitucional.

21/7/2022

A comunidade jurídica ficou em polvorosa com a publicação, em 15/7/22, da EC 125, que prevê “a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso” como requisito de admissibilidade dos REsp.

Segundo o presidente do STJ: "A PEC corrige uma distorção do sistema, ao permitir que o STJ se concentre em sua missão constitucional de uniformizar a interpretação da legislação federal. O STJ, uma vez implementada a emenda constitucional, exercerá de maneira mais efetiva seu papel constitucional, deixando de atuar como terceira instância revisora de processos que não ultrapassam o interesse subjetivo das partes".1

É notório que o STJ recebe uma carga muito grande de processos, aproximadamente 10 mil novos processos por ministro a cada ano. Como o Tribunal permanece em recesso nos meses de janeiro e julho, temos uma média de 1.000 processos a serem julgados todo mês pelos ministros. Obviamente por mais que cada ministro possua muitos assessores, é um número que acaba inviabilizando grandes discussões nos casos julgados e que levou à criação do nefasto expediente da jurisprudência defensiva para a eliminação sumária de recursos.

Em artigo publicado anteriormente nessa coluna já tivemos oportunidade de defender “que se os Tribunais possuem muitos recursos a serem julgados, que se criem filtros objetivos para selecionar os recursos que devem ser julgados e os que não. O que não se pode admitir é a criação de armadilhas não previstas em lei ou exacerbando a previsão legal e que surpreendem diuturnamente a advocacia e o jurisdicionado.”2

Portanto, se tivéssemos a substituição de um limitador recursal subjetivo e não previsto em lei por outro objetivo e com previsão legal teríamos realmente muito a comemorar. Entretanto, não se pode ser ingênuo e, pelo menos num primeiro momento, devemos ter esses dois limitadores trabalhando concomitantemente e barrando o julgamento da imensa maioria dos recursos. É de se esperar que com o tempo a relevância venha a cumprir o seu papel e a jurisprudência defensiva deixe de ser necessária para limitar o número de recursos a serem julgados no STJ.

Desde muito a doutrina entendia que seria necessária a instituição de um filtro também para o STJ3. Entretanto, sempre se discutiu quanto aos problemas que podem advir de tal limitação, já que ainda não temos a cultura de respeito aos precedentes arraigada em nosso ordenamento, a jurisprudência de nossos tribunais superiores ainda se altera com certa facilidade e o número de recursos especiais providos não se mostra desprezível4.

A grande discussão que se passou a travar é quanto ao termo inicial da necessidade da demonstração da relevância. De fato, no §2 introduzido pela EC 125 consta a expressão "nos termos da lei". Não obstante, estranhamente, o art. 2º da EC prevê que suas novas disposições se aplicam aos recursos especiais interpostos após início da sua vigência, que se deu com sua publicação em 15/7/22.

Parece clara a necessidade da edição de lei regulamentando a relevância nos recursos especiais, assim como aconteceu quando da instituição da repercussão geral. Portanto, tal requisito não poderia ser exigido de imediato5. Entretanto, cabe aos operadores serem cautelosos e fazerem desde já em seus recursos especiais um capítulo similar ao utilizado nos RE, para tratar da relevância das questões de direito federal infraconstitucional.

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1 Disponível aqui.

Publicação em 21/03/2019. Disponível aqui.

Nesse sentido é o entendimento de Carlos Frederico Bastos Pereira: “A introdução de um filtro recursal de admissibilidade nos recursos especiais mostra-se a saída para que o STJ se pronuncie apenas sobre questões federais infraconstitucionais dotadas de relevância e transcendência. Essa alteração poderá promover ganhos não só quantitativos, mas também qualitativos, na medida em que a Corte poderá dedicar seu tempo para julgamento de casos importantes ao desenvolvimento da ordem jurídica brasileira. (Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Ano 13. Volume 20. Número 2. Maio a Agosto de 2019, p. 42).

4 Nesse sentido Marco Aurélio Serau Jr. E Denis Donoso mostravam essa preocupação desde o início da tramitação da PEC da Relevância: “Com efeito, o percentual de reforma de acórdãos está na média de 15%, o que já é um número elevado, em nosso sentir. Tais percentuais – pasme-se – conhece picos de 30 a 50% de reforma em relação a determinados Tribunais e matérias. Tal dado estatístico é mais do que suficiente para a manutenção do papel do recurso especial como mecanismo de controle dos Tribunais inferiores. Não pode haver dúvidas, em outras palavras, de que esse quadro exigiria maior cuidado em relação á tomada de posição quanto aos temas que seriam excluídos de apreciação pelo STJ, diante do reconhecimento da ausência de relevância das questões federais. Por fim, não é exagero agregar que as “engenharias jurídicas” cujo escopo é a redução do número de processos que sobrecarregam o Judiciário representam um remédio amargo e que nem sempre cura o paciente.” (Relevância da Questão Federal como filtro de admissibilidade do Recurso Especial: Análise das Propostas de EC 209/12 e n. 17/13, in Revista de Processo, 224, outubro de 2013, p. 250).  

5 Nesse sentido é o entendimento do professor Elpídio Donizetti: “Calma.   A exigência do requisito da “relevância das questões de direito federal infraconstitucional” ainda vai demorar um pouco para ser implementada. Fica na dependência da edição da lei. Como já dito, certamente haverá alteração do CPC". Disponível aqui.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).