O art. 833, do CPC, indica os bens que são considerados impenhoráveis no processo de execução, ou seja, que não podem ser apreendidos por ordem judicial para serem empregados direta ou indiretamente na satisfação da obrigação que está sendo objeto de execução forçada (contra a vontade do devedor).
O inciso IV do art. 833 estabelece, por sua vez, que os salários são impenhoráveis, "ressalvado o § 2º". E a ressalva do § 2º é a seguinte: "(...) o disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem (...)".
Em outras palavras, se a penhora for realizada para assegurar o "pagamento de prestação alimentícia", independentemente de sua origem, ela pode, sim, recair sobre salário. Ao menos, essa é a interpretação literal.
A questão que se coloca, portanto, é a seguinte: as verbas de sucumbência têm natureza de prestação alimentícia ou não? Como se sabe, as verbas de sucumbência são aquelas mencionadas pelo art. 85, do CPC: "A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". Assim, a indagação é: os honorários advocatícios aos quais o vencido é condenado a pagar ao advogado do vencedor em um processo judicial têm natureza alimentar?
Para além de respostas lamentavelmente frequentes como "se fulano é advogado, vai dizer que sim pois está defendendo a classe" ou "se fulano é juiz, vai dizer que não, pois não gosta de ver advogado ganhando muito", vamos tentar responder tal pergunta com amparo na lei e não em percepções distorcidas da realidade, que não contribuem para uma melhor distribuição da justiça.
Pois bem, o § 14 do art. 85 do CPC dispõe que "Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial" (grifos nossos).
À luz da lei, portanto, os honorários advocatícios de sucumbência tem natureza alimentar. E esse seria o fim da história se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não resolvesse "interpretar" o § 14 do art. 85 do CPC. E é isso que ele vai fazer em breve.
A questão acima delineada foi submetida a julgamento e cadastrada no sistema de recursos repetitivos do STJ como Tema 1.153, com a seguinte redação: "Definir se os honorários advocatícios de sucumbência, em virtude da sua natureza alimentar, inserem-se ou não na exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil de 2015 – pagamento de prestação alimentícia". Há dois recursos selecionados como representativos da controvérsia (REsp 1.905.573 e REsp 1.947.011) cuja relatoria coube ao ministro Villas Bôas Cueva.
Cumpre observar que a Corte Especial do STJ, em recurso julgado em 2020 (REsp 1.815.055), já decidiu que as exceções destinadas à execução de prestação alimentícia não se estendem aos honorários advocatícios. Mas mesmo com este entendimento pacificado no STJ, ainda há tribunais que decidem de maneira diferente. Por tal razão é que o tema vem à tona novamente, para que o STJ decida pela sistemática dos recursos repetitivos, que honorários advocatícios de sucumbência não tem caráter alimentar.
O Tema 1.153 ainda não foi julgado, mas não precisa ser um expert para conseguir adivinhar qual será o resultado. O § 14 do art. 85 do CPC sofrerá um golpe de uma força nunca antes vista que será difícil lembrar que um dia ele existiu (apesar de ter sido votado no Congresso Nacional e passado por todo o processo legislativo regular para se tornar uma Lei Federal). E quem perderá, mais uma vez será o jurisdicionado, que precisa de um advogado, que exerce função indispensável à administração da Justiça (quem diz isso é o art. 133, da Constituição Federal). Isso porque o advogado precisa sobreviver e receber pelo seu trabalho e, se os honorários sucumbenciais estão cada vez mais difíceis de receber com obstáculos artificiais de "interpretação", este profissional tem que garantir o sustento de sua família pelos honorários contratuais apenas. Se houvesse um pouco de previsibilidade e certeza no recebimento das verbas de sucumbência, será que os honorários contratuais precisariam ser altos? Antes de responder, lembre-se de um princípio geral do direito: a boa-fé é que se presume e a má-fé deve ser provada, sempre.