CPC na prática

Penhorabilidade de salário para pagar verbas de sucumbência

Os honorários advocatícios aos quais o vencido é condenado a pagar ao advogado do vencedor em um processo judicial têm natureza alimentar?

26/5/2022

O art. 833, do CPC, indica os bens que são considerados impenhoráveis no processo de execução, ou seja, que não podem ser apreendidos por ordem judicial para serem empregados direta ou indiretamente na satisfação da obrigação que está sendo objeto de execução forçada (contra a vontade do devedor).

O inciso IV do art. 833 estabelece, por sua vez, que os salários são impenhoráveis, "ressalvado o § 2º". E a ressalva do § 2º é a seguinte: "(...) o disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem (...)".

Em outras palavras, se a penhora for realizada para assegurar o "pagamento de prestação alimentícia", independentemente de sua origem, ela pode, sim, recair sobre salário. Ao menos, essa é a interpretação literal.

A questão que se coloca, portanto, é a seguinte: as verbas de sucumbência têm natureza de prestação alimentícia ou não? Como se sabe, as verbas de sucumbência são aquelas mencionadas pelo art. 85, do CPC: "A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". Assim, a indagação é: os honorários advocatícios aos quais o vencido é condenado a pagar ao advogado do vencedor em um processo judicial têm natureza alimentar?

Para além de respostas lamentavelmente frequentes como "se fulano é advogado, vai dizer que sim pois está defendendo a classe" ou "se fulano é juiz, vai dizer que não, pois não gosta de ver advogado ganhando muito", vamos tentar responder tal pergunta com amparo na lei e não em percepções distorcidas da realidade, que não contribuem para uma melhor distribuição da justiça.

Pois bem, o § 14 do art. 85 do CPC dispõe que "Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial" (grifos nossos).

À luz da lei, portanto, os honorários advocatícios de sucumbência tem natureza alimentar. E esse seria o fim da história se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não resolvesse "interpretar" o § 14 do art. 85 do CPC. E é isso que ele vai fazer em breve.

A questão acima delineada foi submetida a julgamento e cadastrada no sistema de recursos repetitivos do STJ como Tema 1.153, com a seguinte redação: "Definir se os honorários advocatícios de sucumbência, em virtude da sua natureza alimentar, inserem-se ou não na exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil de 2015 – pagamento de prestação alimentícia". Há dois recursos selecionados como representativos da controvérsia (REsp 1.905.573 e REsp 1.947.011) cuja relatoria coube ao ministro Villas Bôas Cueva.

Cumpre observar que a Corte Especial do STJ, em recurso julgado em 2020 (REsp 1.815.055), já decidiu que as exceções destinadas à execução de prestação alimentícia não se estendem aos honorários advocatícios. Mas mesmo com este entendimento pacificado no STJ, ainda há tribunais que decidem de maneira diferente. Por tal razão é que o tema vem à tona novamente, para que o STJ decida pela sistemática dos recursos repetitivos, que honorários advocatícios de sucumbência não tem caráter alimentar.

O Tema 1.153 ainda não foi julgado, mas não precisa ser um expert para conseguir adivinhar qual será o resultado. O § 14 do art. 85 do CPC sofrerá um golpe de uma força nunca antes vista que será difícil lembrar que um dia ele existiu (apesar de ter sido votado no Congresso Nacional e passado por todo o processo legislativo regular para se tornar uma Lei Federal). E quem perderá, mais uma vez será o jurisdicionado, que precisa de um advogado, que exerce função indispensável à administração da Justiça (quem diz isso é o art. 133, da Constituição Federal). Isso porque o advogado precisa sobreviver e receber pelo seu trabalho e, se os honorários sucumbenciais estão cada vez mais difíceis de receber com obstáculos artificiais de "interpretação", este profissional tem que garantir o sustento de sua família pelos honorários contratuais apenas. Se houvesse um pouco de previsibilidade e certeza no recebimento das verbas de sucumbência, será que os honorários contratuais precisariam ser altos? Antes de responder, lembre-se de um princípio geral do direito: a boa-fé é que se presume e a má-fé deve ser provada, sempre.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).