CPC na prática

Os poderes do juiz na execução e o STJ

Os poderes do juiz na execução e o STJ.

14/4/2022

Logo quando entrou em vigor o Código de Processo Civil (CPC) atual, poucos perceberam uma novidade relativa à execução forçada que estava na sua Parte Geral e não na Parte Especial, Livro II, destinada ao "Processo de Execução".

Refiro-me, obviamente, ao inciso IV, do art. 139, do CPC, que trata dos poderes do juiz, e dispõe que incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto a prestação pecuniária".

Na execução forçada de obrigação de pagar quantia certa, as medidas executivas utilizadas tradicionalmente tem caráter sub-rogatório, tais como a penhora. Na execução forçada de obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, as medidas executivas empregadas tem caráter coercitivo, tais como a multa.

O art. 139, inciso IV, do CPC, veio romper com essa diferenciação e estabelecer que medicas coercitivas também podem ser empregadas na execução por quantia certa, ao estabelecer em sua parte final que as medidas coercitivas podem ser adotadas "(...), inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias".

Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni estão entre o grupo dos que detectaram esta mudança quando ainda estava em curso o processo legislativo que resultou na lei atual, ao comentarem o dispositivo que tratava dos poderes-deveres do juiz e afirmarem: "A novidade está no reconhecimento da possibilidade de utilização de coerção para obtenção de tutela ressarcitória" (O projeto do CPC: crítica e propostas, São Paulo, Revista dos Tribunais, p.87).

Pois bem, aproximadamente um ano após a entrada em vigor do Código de Processo Civil atual, começaram a ser determinadas as medidas executivas atípicas aqui e ali, sempre que se tratava de execução forçadas de obrigações de pagar quantia em dinheiro. Dentre essas medidas, é possível citar: suspensão de Carteira Nacional de Habilitação, apreensão de passaporte, proibição de utilização de cartões de crédito, proibição de participar de concursos públicos etc.

Como consequência disso, começou-se a questionar quais seriam os critérios para se adotar tais medidas executivas atípicas (esgotamento das medidas típicas, por exemplo) e quais os limites para elas (não ferir os direitos fundamentais do executado, v. g.).

A melhor doutrina começou a tentar delinear o que seria uma medida executiva atípica descabida e o que seria cabível. No rol das medidas descabidas, foram mencionadas a "prisão como medida atípica", a "suspensão do passaporte do executado", a "suspensão do CPF ou do CNPJ", o "cancelamento ou suspensão do uso do cartão de crédito", o "corte de água ou de energia elétrica". Como medidas admissíveis, chegou-se a mencionar "suspensão da CNH", "suspensão de brevê e arrais", "proibição de contratar com o Poder Judiciário", "proibição de contratar com o Poder Público", "multa coercitiva atípica", intervenção na pessoa jurídica devedora (Luis Eduardo Simardi Fernandes, Poderes do juiz e efetividade da execução civil”, Curitiba: Editora de Direito Contemporâneo, 2022, p. 290-323).

Exatamente por essa razão que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir, sob o rito dos recursos repetitivos, "se, com esteio no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil (CPC), é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos". Foram selecionados dois recursos como representativos da controvérsia, cadastrada como Tema 1.137: os recursos especiais 1.955.539 e 1.955.574, sendo que a relatoria é do ministro Marco Buzzi.

Como consequência da decisão acima mencionada, sofrerão os credores que estão aguardando que um dia a execução se torne efetiva e que eles ficarão satisfeitos, de verdade, com o resultado do processo. Isso porque o colegiado determinou a suspensão de todos os processos e recursos pendentes que versem sobre idêntica questão, em todo o território nacional, nos termos do artigo 1.037, II, do CPC.

Portanto, resta-nos aguardar agora a decisão do STJ sobre os poderes-deveres do juiz, sobretudo os do inciso IV do art. 139, do CPC, e a efetividade da execução civil. É preciso encontrar um equilíbrio entre as injustiças que podem ser cometidas com a aplicação equivocada do art. 139, inciso IV, do CPC, e a (in) efetividade do processo. Espera-se que a decisão seja equilibrada e justa, mas que também não demore muito.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).