CPC na prática

As prerrogativas processuais da defensoria pública no CPC e os defensores dativos

O entendimento do STJ parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger os assistidos hipossuficientes e de dar melhores condições a todos que prestam o valoroso trabalho da Assistência Judiciária, entretanto, seria importante que tal previsão passasse a ser expressa no Código de Processo Civil

23/12/2021

A Defensoria Pública realiza o valoroso trabalho de assistir os mais necessitados nas ações judiciais, propiciando o efetivo acesso à Justiça aos hipossuficientes. Apesar de tão nobre e importante trabalho, o número de defensores públicos é muito aquém da real necessidade. Desse modo, as Defensorias de todos os Estados fazem convênios com a OAB, para que advogados dativos possam ajudar a suprir tão notável tarefa.

No desempenho de suas funções, o Defensor Público tem asseguradas pela Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94), em seu artigo 44, várias prerrogativas processuais.

Já o Código de Processo Civil garante à Defensoria Pública o prazo em dobro em todas as suas manifestações processuais (art. 186), bem como a intimação pessoal do defensor público (art. 186, § 1º) e da parte patrocinada pela Defensoria, quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada (art. 186, § 2º).

Já o § 3º, do artigo 186 do CPC, assegura aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita, mas que tenham convênios com a Defensoria Pública a contagem do prazo em dobro em suas manifestações processuais.

Dúvida surge quanto à aplicação da intimação pessoal do advogado que atua na Assistência Judiciária por meio de convênio (§ 1º) e da própria parte assistida (§ 2º), eis que o parágrafo terceiro só estende a prerrogativa do prazo em dobro às entidades que mantêm convênio com a Defensoria Pública1.

Parece claro que a não extensão da intimação pessoal do advogado e da parte assistida a todos que efetivamente realizem Assistência Judiciária ocasiona um desequilíbrio processual capaz de afetar normas processuais fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa2.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente que a Prerrogativa da Intimação Pessoal da Parte conferida pelo artigo 186, § 2º, do CPC deve ser estendida aos casos em que a assistência se dá via Defensores Dativos:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO. POSSIBILIDADE.

INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DO ART. 186, §2º, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE RAZÃO JURÍDICA PLAUSÍVEL PARA TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE A DEFENSORIA PÚBLICA E O DEFENSOR DATIVO NA HIPÓTESES. PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO, DE OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES E EXCESSO DE CAUSAS, QUE JUSTIFICARAM A EDIÇÃO DA REGRA, QUE SÃO EXPERIMENTADOS POR AMBOS. INTERPRETAÇÃO LITERAL E RESTRITIVA QUE ACARRETARIA NOTÓRIO PREJUÍZO AO ASSISTIDO QUE A LEI PRETENDEU TUTELAR, COM VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA. EXIGÊNCIA DE QUE HAJA PROVIDÊNCIA A SER POR ELA REALIZADA OU INFORMAÇÃO A SER POR ELA PRESTADA. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER CONTRA A SENTENÇA PARCIALMENTE DESFAVORÁVEL AO ASSISTIDO.

DESNECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO ASSISTIDO. MANDATO COM PODERES GERAIS DA CLÁUSULA AD JUDICIA. AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS NECESSÁRIOS À DEFESA DO ASSISTIDO, INCLUSIVE RECORRER.

1- O propósito recursal é definir se é admissível a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública, de requerer a intimação pessoal da parte na hipótese do art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria e se, na hipótese, estão presentes os pressupostos para o deferimento da intimação pessoal da parte assistida.

2- A interpretação literal das regras contidas do art. 186, caput, §2º e §3º, do CPC/15, autorizaria a conclusão de apenas a prerrogativa de cômputo em dobro dos prazos prevista no caput seria extensível ao defensor dativo, mas não a prerrogativa de requerer a intimação pessoal da parte assistida quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada.

3- Esse conjunto de regras, todavia, deve ser interpretado de modo sistemático e à luz de sua finalidade, a fim de se averiguar se há razão jurídica plausível para que se trate a Defensoria Pública e o defensor dativo de maneira anti-isonômica.

4- Dado que o defensor dativo atua em locais em que não há Defensoria Pública instalada, cumprindo o quase altruísta papel de garantir efetivo e amplo acesso à justiça aqueles mais necessitados, é correto afirmar que as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações, dados e documentos, experimentadas pela Defensoria Pública e que justificaram a criação do art. 186, §2º, do CPC/15, são igualmente frequentes em relação ao defensor dativo.

5- É igualmente razoável concluir que a altíssima demanda recebida pela Defensoria Pública, que pressiona a instituição a tratar de muito mais causas do que efetivamente teria capacidade de receber, também se verifica quanto ao defensor dativo, especialmente porque se trata de profissional remunerado de maneira módica e que, em virtude disso, naturalmente precisa assumir uma quantidade significativa de causas para que obtenha uma remuneração digna e compatível.

6- A interpretação literal e restritiva da regra em exame, a fim de excluir do seu âmbito de incidência o defensor dativo, prejudicará justamente o assistido necessitado que a regra pretendeu tutelar, ceifando a possibilidade de, pessoalmente intimado, cumprir determinações e fornecer subsídios, em homenagem ao acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual deve ser admitida a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública no art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria.

7- Segundo o art. 186, §2º, do CPC/15, a intimação pessoal da parte assistida pressupõe uma providência que apenas por ela possa ser realizada ou uma informação que somente por ela possa ser prestada, como, por exemplo, indicar as testemunhas a serem arroladas, exibir documento por força de ordem judicial, cumprir a sentença (art. 513, §2º, II, do CPC/15) e ser cientificado do requerimento, pelo exequente, de adjudicação do bem penhorado (art. 876, §1º, II, do CPC/15).

8- O ato de recorrer da sentença que for desfavorável ao assistido, contudo, não está no rol de providências ou de informações que dependam de providência ou de informação que somente possa ser realizada ou prestada pela parte, pois o mandato outorgado ao defensor dativo lhe confere os poderes gerais da cláusula ad judicia, que permitem ao defensor não apenas ajuizar a ação, mas também praticar todos os atos processuais necessários à defesa dos interesses do assistido, inclusive recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis.

9- Na hipótese, ademais, há procuração outorgada pela assistida com poderes expressos para recorrer e que foi utilizada pelo defensor dativo, inclusive, para, em nome dela, impetrar o mandado de segurança e para interpor recurso ordinário do acórdão que denegou a ordem, o que demonstra a desnecessidade da prévia intimação pessoal da assistida para que fosse impugnada a sentença de parcial procedência da ação de divórcio cumulada com guarda e alimentos.

10- Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido.” (g.n.)

(RMS 64.894/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021) (AgInt no REsp 1914793/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2021, DJe 01/07/2021)

Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mesmo o Código de Processo Civil tendo limitado tal prerrogativa aos Defensores Públicos, a intenção do legislador seria facilitar o trabalho dos defensores dos mais necessitados, eis que a comunicação com seus “clientes” seria mais difícil e, portanto, não importaria se fossem assistidos pela Defensoria Pública ou por advogados dativos, pois as dificuldades seriam as mesmas.

Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger os assistidos hipossuficientes e de dar melhores condições a todos que prestam o valoroso trabalho da Assistência Judiciária, entretanto, seria importante que tal previsão passasse a ser expressa no Código de Processo Civil, para se afastar subjetivismos e decisões contraditórias.
____________

1 Segundo o professor José Roberto dos Santos Bedaque: “A ampliação do prazo é estendida a outras entidades, cujo escopo seja também a defesa de pessoas necessitadas (§3º). A intimação pessoal, todavia, não foi prevista pelo legislador. A regra faz referência apenas ao disposto no caput, ou seja, a ampliação do prazo. A limitação é, pois, expressa. Nessa medida, o benefício da intimação pessoal não se lhes aplica.” (Comentários ao Código de Processo Civil – vol. III (arts 119-187): Da Intervenção de Terceiros até a Defensoria Pública, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2019, p. 356).

2 Nesse mesmo sentido já tive oportunidade de defender em artigo escrito conjuntamente com a professora Janice Coelho Derze e apresentado no XXVIII Encontro Nacional do Conpedi em Goiânia – GO e que pode ser acessado no seguinte link http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/no85g2cd/1n5o200a/1bHALopnJ44Hl73m.pdf

Outro não é o entendimento de Zumar Duarte de Oliveira Jr. ao prever que “Presente que a assistência judiciária é um direito e garantia individual e que o olhar aqui deve ser sempre pautado pela máxima proteção possível, pensamos que a melhor exegese no tema é aquela que estende a dobra do prazo e a intimação pessoal aos Defensores Públicos, aos escritórios e entidades indicadas no § 3º, bem como a todos aqueles que atuem em favor dos assistidos pela justiça gratuita.” (in Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015: parte geral, coord. Fernando da Fonseca Gajardoni, São Paulo: Forense, 2015, p. 601). Em sentido contrário e entendendo inclusive que o § 3º do art. 186 seria inconstitucional vide Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira in Comentários ao Código de Processo Civil- vol. 1, coord. Cássio Scarpinella Bueno, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 735/736.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).