CPC na prática

Afastamento da aplicação da técnica de julgamento estendido em agravo de instrumento tirado de decisão de julgamento antecipado parcial de mérito

A despeito de por vezes o Superior Tribunal de Justiça tecer interpretação sistemática com vistas a superar ou deixar de observar regras processuais objetivas, desta feita referida corte restringiu-se a aplicação literal da opção política do legislador: dura lex, sed lex.

18/11/2021

O legislador do CPC/15 introduziu, em substituição aos chamados embargos infringentes antes previstos no CPC/73, o dispositivo também conhecido como “técnica de julgamento estendido”, por meio da qual “(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores” (art. 942, caput).

Na mesma sessão em que instaurada a divergência é possível a aplicação do julgamento estendido, tal qual autoriza o § 1º do art. 942, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º).

Além da hipótese de incidência prevista no caput do art. 942, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido também ao resultado não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que aplica a técnica de julgamento antecipado parcial de mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial.

Em síntese, é possível extrair as seguintes conclusões quanto a aplicação de referida técnica: (i) cabimento quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por maioria de votos, da decisão impugnada2.

E, em recente julgamento o Superior Tribunal de Justiça perfilhou o entendimento de não cabimento da técnica de julgamento estendido em recurso de agravo tirado de decisão monocrática de julgamento antecipado parcial de mérito:

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.

AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE RECONHECE A LEGITIMIDADE DE PARTE DA CREDORA PARA AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. RECURSO JULGADO POR MAIORIA. APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO.

ART. 942, § 3º, II, DO NCPC. POSSIBILIDADE. OBSERVADA, CONTUDO, A REFORMA DA DECISÃO QUE JULGAR PARCIALMENTE O MÉRITO. AUSÊNCIA DE REFORMA NO CASO EM COMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE NÃO FOI PROVIDO, POR MAIORIA. DECISÃO AGRAVADA QUE NÃO ANALISOU O MÉRITO DA CONTROVÉRSIA. NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DOS VOTOS PROFERIDOS EM SEDE DE JULGAMENTO AMPLIADO PARA FAZER PREVALECER O QUE FICOU DECIDIDO, POR MAIORIA DE VOTOS, PELO RELATOR, PRIMEIRO E SEGUNDO VOGAIS (NÃO PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO). RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. Somente se admite a técnica do julgamento ampliado, em agravo de instrumento, prevista no art. 942, § 3º, II, do NCPC, quando houver o provimento do recurso por maioria de votos e desde que a decisão agravada tenha julgado parcialmente o mérito. Doutrina sobre o tema.

3. Ausência, no caso dos autos, de provimento do agravo de instrumento, por maioria de votos, e de decisão agravada que tenha analisado o mérito da causa.

4. Reconhecido que o julgamento ampliado se deu em confronto com a lei, devem ser anulados os votos proferidos na modalidade ampliada para prevalecer somente aqueles votos proferidos pelo Desembargador Relator e Primeiro Vogal, que o acompanhou, que entenderam, por maioria, em negar provimento ao agravo de instrumento.

5. Recurso especial provido.

(STJ, REsp n. 1960580/MT, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro,  v.u, j. 05.10.2021)

Dentre as razões que sustentam o entendimento acima, destaca-se os fundamentos do voto condutor:

“(...)

Ao lecionar sobre o tema, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR aduz que o mesmo regime de prosseguimento de julgamento não unânime aplica-se ao agravo de instrumento quando provido por maioria para reformar decisão interlocutória proferida em solução parcial de mérito (art. 942, § 3º, II) (Curso de Direito Processual Civil. v. III. 51 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 810).

No mesmo sentido, LUIZ RODRUIGUES WAMBIER e EDUARDO TALAMINI, defendem que a técnica recursal em que se busca, com a participação de outros julgadores, possibilitar a prevalência do voto vencido, só pode ser aplicada quando houver reforma da decisão agravada em julgamento não unânime em agravo contra interlocutória que verse sobre o mérito da causa (Curso Avançado de Processo Civil: Cognição Jurisdicional - processo comum de conhecimento e tutela provisória, v. 2. 16ª ed. reform. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 547).

Corroborando o mesmo entendimento, FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA lecionam que

O disposto no art. 942 do CPC aplica-se ao julgamento não unânime proferido em agravo de instrumento, quando houver a reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito. Aqui há uma observação que merece destaque: na apelação, a regra aplica-se a qualquer resultado não unânime. Não admitida, por maioria de votos, a apelação, aplicasse a regra. Admitida para ser provida ou não provida, seja ou não de mérito a sentença recorrida, pouco importa. Se o resultado não for unânime, aplica-se a técnica do julgamento prevista no art. 942 do CPC. Já no agravo de instrumento há uma restrição: a regra só se aplica se o agravo for admitido e provido, por maioria de votos, para reformar a decisão que julgar parcialmente procedente o mérito.

Logo, no julgamento do agravo de instrumento, não se aplica a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC: (a) se o julgamento for unânime; (b) se o agravo não for admitido, ainda que por maioria de votos; (c) se o agravo for admitido e desprovido, ainda que por maioria de votos; (d) se o agravo for admitido e provido para anular a decisão, ainda que por maioria de votos; (e) se o agravo for admitido e provido para reformar uma decisão que não trate do mérito, ainda que por maioria de votos (Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, v. 3. 13ª ed. reform. Salvador: JusPodivm, 2016. p.79).

Verifica-se, assim, que a lei impõe e a doutrina entende que, em sede de agravo de instrumento, a técnica de julgamento ampliado só é admitida quando houver a reforma da decisão que verse sobre o mérito da causa, o que não ocorreu no caso dos autos pois como já pontuado anteriormente, além dos Desembargadores Relator e Primeiro Vogal terem negado provimento ao agravo de instrumento, a decisão de primeira instância, objeto do agravo, não adentrou ao mérito da controvérsia pois somente decidiu que além da DOW possuir legitimidade ativa para o ajuizamento da execução (art. 485, VI, do NCPC), era plenamente possível se manter nos cadastros de proteção ao crédito, a informação de que em relação àquelas pessoas consta processo de execução.

Logo, no presente caso, não foram preenchidos os requisitos necessários para que fosse adotada a técnica do julgamento ampliado do agravo de instrumento.

Diante do provimento do presente recurso, devem ser anulados os votos proferidos quando da ampliação do julgamento do agravo de instrumento realizado pelo Tribunal Estadual, para prevalecer, como resultado final, o voto da Desembargadora Relatora, que foi acompanhado pelo Primeiro Vogal, que negou provimento ao agravo de instrumento interposto por UNIÃO INSUMOS e outros no sentido de manter a decisão agravada.

(STJ, REsp n. 1960580/MT, Terceira Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro,  v.u, j. 05.10.2021, grifou-se)

O entendimento supra citado vai de acordo com a opção política do legislador prevista no art. 942, II, que autoriza a aplicação do julgamento estendido contra agravo tirado de decisão de julgamento parcial de mérito, restrito ao resultado de julgamento de (i) reforma da sentença parcial e, (ii) por maioria de votos.

Difícil entender a ratio de aludida restrição, porquanto a devolução da matéria recursal para exame de sentença de mérito - seja ela prolatada por meio da técnica de sentença de julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356 do CPC/2015), seja por força de sentença quando do julgamento conjunto de todos os pedidos ou apenas de um pedido (art. 1.009 do CPC/2015) – é praticamente a mesma. O que varia é tão somente o iter procedimento em que prolatada referida sentença, e nada mais.

Forçoso concluir, portanto, que tal qual o cabimento da técnica de julgamento estendido no recurso de apelação restou ampliada para as mais variadas hipóteses (bastando a maioria de votos no resultado, independentemente de referido resultado versar sobre o conhecimento ou não do recurso, a anulação ou a reforma ou manutenção da sentença), referida amplitude também deveria autorizar a observância do julgamento estendido quando do julgamento do agravo tirado contra a sentença de julgamento antecipado parcial de mérito.

De toda sorte, a despeito de por vezes o Superior Tribunal de Justiça tecer interpretação sistemática com vistas a superar ou deixar de observar regras processuais objetivas, desta feita referida corte restringiu-se a aplicação literal da opção política do legislador: dura lex, sed lex.

_________

1 Basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes.

2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput).

A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).