Uma das inovações mais comemoradas pela Advocacia no Código de Processo Civil de 2015 foi a contagem dos prazos processuais em dias úteis. De fato, com a previsão do artigo 219, os prazos processuais contados em dias, estabelecidos por lei ou pelo juiz, serão computados somente em dias úteis.
Logo após o início da vigência do Código já surgiram as primeiras dúvidas sobre quais seriam os prazos em que os dias úteis seriam aplicáveis. O principal questionamento surgiu em relação ao prazo para o pagamento voluntário e sem multa e honorários do artigo 523 do CPC/2015, seria tal prazo processual ou material? Deve o prazo de 15 dias ser contado em dias corridos ou úteis? Já tivemos oportunidade de abordar tal questão na coluna do dia 22/08/2019.1
Sendo tal prazo híbrido, pois além de material seria também processual, por trazer efeitos ao processo, a doutrina sempre esteve dividida.2
O Conselho da Justiça Federal aprovou o enunciado nº 89 que prevê: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC". Esse também acabou sendo o entendimento que prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça3.
Dúvida surgiu nos operadores se no caso de cumprimento de sentenças de obrigação de fazer e não fazer, o prazo também deveria ser contado em dias úteis. O questionamento se mostra importante, pois nesses casos geralmente temos a fixação de multa diária e o cômputo em dias úteis ou corridos pode gerar uma grande diferença no valor da multa.
Tendo em vista as premissas adotadas para o cômputo do prazo em dias úteis no caso de cumprimento de sentença para o pagamento de quantia, parece plenamente adequado que tal prazo também seja aplicável aos cumprimentos de sentença de obrigações de fazer e não fazer.
Nesse sentido é o entendimento do professor Cássio Scarpinella Bueno: "Ainda que fixados em dias – e a prática forense mostra que este é o referencial mais comum -, sua contagem deve computar apenas os dias úteis, em função da dicotomia estabelecida pelo art. 219. Trata-se invariavelmente de prazo processual, porque o fazer e o não fazer que interessam ao exame dos arts. 536 e 537 são fruto de determinação – de verdadeira ordem – judicial. Não há como confundir essa realidade (processual) com a atitude a ser adotada pela parte no plano material para aquela observância, ainda que o comportamento ou a abstenção independa de participação de advogado ou, mais amplamente, de alguém munido de capacidade postulatória."
Em recente acórdão, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acabou encampando a tese do transcurso em dias úteis nos casos de cumprimento de obrigação de fazer e não fazer:
"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. SUPERVENIENTE CUMPRIMENTO DO TÍTULO. INTERESSE RECURSAL QUANTO ÀS PARCELAS VENCIDAS. TERMO FINAL DAS ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DO ART. 537, § 4º, DO CPC. CÔMPUTO DO PRAZO. DIAS ÚTEIS. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 219 DO CPC. RECURSO CONHECIDO, EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.
1. O cumprimento posterior da obrigação de fazer não interfere na exigibilidade da multa cominatória vencida, na linha do que dispõe o art. 537, § 1º, do CPC, que confere autorização legal para a modificação do valor, periodicidade, ou ainda, para a extinção da multa vincenda. Logo, as parcelas vencidas são insuscetíveis de alteração pelo magistrado, razão pela qual persiste o interesse recursal na presente insurgência.
2. Não se conhece do recurso especial quando a matéria impugnada no apelo não foi objeto de debate pelo acórdão recorrido e a parte interessada deixa de opor embargos de declaração para o suprimento dos vícios de fundamentação do julgado. No caso, não é possível examinar a suscitada afronta ao art. 537, § 4º, do CPC, haja vista a ausência de prequestionamento. Incidência das Súmulas 282/STF e 356/STF.
3. O Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a natureza do prazo fixado para o cumprimento das obrigações de pagar quantia certa, concluiu que "a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis" (REsp 1.708.348/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/8/2019).
4. A mesma ratio contida no precedente indicado acima deve ser aplicada ao presente caso, que diz respeito ao momento a partir do qual se considera que houve o descumprimento das obrigações de fazer constantes do título judicial. Ainda que a prestação de fazer seja ato a ser praticado pela parte, não se pode desconsiderar a natureza processual do prazo judicial fixado para o cumprimento da sentença, o que atrai a incidência da regra contida no art. 219 do CPC.
5. Tratando-se de instrumento de coerção para a efetividade da tutela jurisdicional, a incidência da multa prevista no art. 536, § 1º, e 537 do CPC é consectário lógico do descumprimento da ordem judicial, não se confundindo com a postulação de direito material apresentada em juízo. Por isso, o cômputo do prazo estipulado em dias para a prática das prestações de fazer não destoa do regime legal previsto para os demais prazos processuais, devendo-se considerar os dias úteis.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, improvido." (g.n.)
(REsp 1.778.885 - DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021)
Desse modo, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça julgue tais teses, sob o rito dos processos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento quanto ao transcurso em dias úteis para os cumprimentos de sentença, sejam de pagar quantia, sejam de fazer e não fazer, para que tenhamos a aplicação vinculante de tais entendimentos para a segurança jurídica de todos.
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1 Disponível aqui.
2 Esse também é o entendimento de Dorival Renato Pavan (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 2, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 682.
3 REsp 1708348/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/08/2019.