CPC na prática

A restrição da impenhorabilidade prevista no artigo 833, X, do CPC às aplicações em caderneta de poupança somente por parte de pessoas físicas

15/7/2021

Atualmente se busca dar uma maior efetividade ao processo de execução. O grande calcanhar de Aquiles da execução/cumprimento de sentença não é a lei ou a estrutura do Judiciário, mas sim a falta e/ou ocultação de bens. A localização de bens cada vez mais se mostra difícil, portanto, as impenhorabilidades constantes do artigo 833 do Código de Processo Civil ganham grande destaque. 

A impenhorabilidade de bens é tema recorrente em nossas colunas, sendo que na coluna de 15 de abril de 2021 analisou-se o entendimento ampliativo de nossos Tribunais quanto ao artigo 833, X, do CPC, abarcando também outras aplicações, que não em caderneta de poupança1.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem limitando a mesma previsão do inciso X, do artigo 833 do CPC, que prevê a impenhorabilidade da “quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos” somente para os poupadores pessoas físicas.

Segundo o professor Cândido Rangel Dinamarco “A clara intenção do legislador, ao estabelecer esse limite, é impor tal impenhorabilidade somente na medida necessária para preservar ao executado uma suficiência de recursos indispensáveis à vida condigna, sem aniquilar a possibilidade de satisfação do credor (...).”2

No mesmo sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: “(...) a impenhorabilidade de bens é a última das medidas no trajeto percorrido pela “humanização da execução”. A garantia de que alguns bens jamais sejam objeto de expropriação judicial é a tentativa mais moderna do legislador de preservar a pessoa do devedor, colocando-se nesses casos sua dignidade humana em patamar superior à satisfação do direito do exequente. É corrente na doutrina a afirmação de que razões de cunho humanitário levaram o legislador à criação da regra da impenhorabilidade de determinados bens. A preocupação em preservar o executado – e quando existente também sua família – fez com que o legislador passasse a prever formas de dispensar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna.”3

Desse modo, as impenhorabilidades servem para preservar a pessoa do devedor e de sua família. Portanto, guardam nexo com o devedor pessoa física, que sofrerá a expropriação “na pele” e não com a pessoa jurídica.

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a impenhorabilidade da poupança de até 40 salários mínimos deve ser lida de forma restritiva às pessoas físicas:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. BACENJUD. VALORES DE ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. REGRA DA IMPENHORABILIDADE NÃO ALCANÇA, EM REGRA, A PESSOA JURÍDICA. CASO DOS AUTOS. VALOR IRRISÓRIO. DESBLOQUEIO. NÃO CABIMENTO.

 1. Trata-se de Agravo Interno interposto contra decisão monocrática que negou provimento ao Recurso Especial.

 2. A irresignação não merece prosperar.

 3. Fica prejudicada a análise do pedido de efeito suspensivo, tendo em vista o julgamento do recurso pelo colegiado 4. O acórdão recorrido consignou: "O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que a irrisoriedade do valor apurado em relação ao total da dívida não impede a penhora por meio de Bacenjud. Nesse sentido: (...) Ressalta-se, inclusive, que a penhora somente poderia ser dispensada se o valor obtido não satisfizesse sequer as custas de execução da medida, ou mesmo as custas processuais, nos termos do art. 836, caput, do CPC. Todavia, essa disposição não se aplica ao caso dos autos, seja porque a União é isenta de custas processuais, seja porque o bloqueio de valores via sistema Bacenjud nada despende, de modo que todo o montante encontrado na conta bancária do executado serve ao abatimento do débito. (TRF4, AgRg em AI n. 5011143-63.2011.404.0000/RS, publ. em 01/09/2011; REsp n. 1.187.161/MG, Primeira Turma, publ. em 19/08/2010). (...) Quanto à alegação de que os valores bloqueados representam menos de 40 salários mínimos e seriam impenhoráveis, a jurisprudência desta Corte indica que o preceito não socorre a pessoas jurídicas (...)" (fls. 38-39, e-STJ).

 5. A impenhorabilidade inserida no art. 833, X, do CPC/2015, reprodução da norma contida no art. 649, X, do CPC/1973, não alcança, em regra, as pessoas jurídicas, visto que direcionada a garantir um mínimo existencial ao devedor (pessoa física). Nesse sentido: "[...] a intenção do legislador foi proteger a poupança familiar e não a pessoa jurídica, mesmo que mantenha poupança como única conta bancária" (AREsp 873.585/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 8/3/2017).

 6. Conforme já assentado na decisão monocrática, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não se pode obstar a penhora on-line pelo sistema Bacenjud a pretexto de que os valores bloqueados seriam irrisórios.

 7. Agravo Interno não provido.” (g.n.)

(AgInt no REsp 1914793/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2021, DJe 01/07/2021)

Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mesmo não havendo qualquer ressalva na lei, a intenção do legislador seria proteger o pequeno poupador pessoa física e não a pessoa jurídica que possua uma pequena aplicação em caderneta de poupança.

Desse modo, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça parece atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger a pequena economia do poupador pessoa física e dar maior celeridade na satisfação crédito exequendo, entretanto, seria importante que tal limitação fosse expressa no Código de Processo Civil, para se afastar subjetivismos e decisões contraditórias.

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1 Clique aqui.

2 Instituições de Direito Processual Civil: vol. IV, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 373.

3 Novo Código de Processo Civil Comentado, Salvador: JusPodvim, 2016, p. 1.315.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).