O art. 239, caput, do CPC, assegura que para a validade do processo, é indispensável a citação do réu. Trata-se de corolário do Princípio Constitucional do Contraditório e Ampla Defesa, assegurados no art. 5º, LV, da Constituição Federal1 e, no plano infraconstitucional, erigido a categoria de Norma Fundamental do Processo Civil, prevista no art. 7º, do CPC2.
Nesse liame, reza o § 1º, do aludido art. 239 do CPC, que “(...) o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.”
Por sua vez, por vezes pode ocorrer do réu ou executado comparecer espontaneamente nos autos, a ventilar, como matéria de defesa, a nulidade de citação (uma vez demonstrada a violação das normas que regem o ato processual de citação, arts. 238 a 268 do CPC). Neste caso, uma vez acolhida a matéria de nulidade da citação, o prazo para o réu oferecer defesa conta (i) da intimação da decisão que acolhe a nulidade de citação ou (ii) a rigor do quanto disposto no § 1º, do art. 239 do CPC, teria início a partir do comparecimento espontâneo do réu/executado nos autos?
Tal celeuma restou decidida recentemente pela Terceira Turma do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO EXECUTADO. APRESENTAÇÃO DE IMPUGNAÇÃO FUNDADA NO ART. 525, § 1º, I, DO CPC/2015. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA OFERECER CONTESTAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 239, § 1º, I, DO CPC/2015. INTIMAÇÃO DA DECISÃO QUE ACOLHE A IMPUGNAÇÃO. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Recurso especial interposto em 16/07/2019 e concluso ao gabinete em 10/12/20.
2. O propósito recursal é definir o termo inicial do prazo para oferecer contestação na hipótese de acolhimento da impugnação ao cumprimento de sentença fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/15.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.
4. A citação é indispensável à garantia do contraditório e da ampla defesa, sendo o vício de nulidade de citação o defeito processual mais grave no sistema processual civil brasileiro. Esta Corte tem entendimento consolidado no sentido de que o defeito ou inexistência da citação opera-se no plano da existência da sentença. Caracteriza-se como vício transrescisório que pode ser suscitado a qualquer tempo, inclusive após escoado o prazo para o ajuizamento da ação rescisória, mediante simples petição, por meio de ação declaratória de nulidade (querela nullitatis) ou impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, § 1º, I, do CPC/15).
5. A norma do art. 239, § 1º, do CPC/2015 é voltada às hipóteses em que o réu toma conhecimento do processo ainda na sua fase de conhecimento. O comparecimento espontâneo do executado na fase de cumprimento de sentença não supre a inexistência ou a nulidade da citação. Ao comparecer espontaneamente nessa etapa processual, o executado apenas dar-se-á por intimado do requerimento de cumprimento e, a partir de então, terá início o prazo para o oferecimento de impugnação, na qual a parte poderá suscitar o vício de citação, nos termos do art. 525, § 1º, I, do CPC/2015.
6. Aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 272, § 9º, do CPC/15 e de forma a prestigiar a duração razoável do processo, caso acolhida a impugnação fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/15, o prazo para apresentar contestação terá início com a intimação acerca dessa decisão.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.”
(STJ, REsp 1930225/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08.06.2021, v.u., grifou-se)
O voto condutor, da lavra da ministra Nancy Andrighi, ponderou:
“(...)
12. No diploma processual atualmente em vigor, não se pode afirmar que não é dado ao réu comparecer aos autos apenas para arguir a inexistência ou a invalidade da citação. É possível adotar tal comportamento; no entanto, se a contestação não for apresentada dentro do prazo legal – iniciado, relembre-se, com o comparecimento espontâneo –, deve ser decretada a revelia.
13. Deve-se destacar, todavia, que a norma do art. 239, § 1º, do CPC/2015 é voltada às hipóteses em que o réu toma conhecimento do processo ainda na sua fase de conhecimento. Isso porque, ela versa sobre citação e ao mencionar executado, o caput do referido dispositivo está se referindo àquele que figurada no polo passivo da execução de título extrajudicial e que é efetivamente citado para contestar a demanda. Aquele que consta como executado no cumprimento de sentença não é citado, uma vez que a citação já ocorreu, ao menos em tese, na fase de conhecimento.
14. Tratando-se de sentença condenatória e instaurado o cumprimento de sentença, o executado é intimado para pagar o débito no prazo de 15 (quinze) dias (art. 523 do CPC/2015). Ao término desse lapso temporal, inicia-se o prazo para o oferecimento de impugnação ao cumprimento de sentença, independentemente de nova intimação (art. 525, caput, do CPC/2015; REsp 1761068/RS, Terceira Turma, DJe 18/12/2020).
15. A corroborar tal conclusão, para que seja possível alegar a falta ou a nulidade da citação em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, o art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 exige que a fase de conhecimento tenha corrido à revelia do réu. Conforme alerta a doutrina especializada, “é que, não tendo sido regularmente citado o demandado no processo de conhecimento (...) e tendo corrido o processo à sua revelia, o vício não terá sido sanado” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 450).
16. Em outras palavras, o comparecimento espontâneo do executado na fase de cumprimento de sentença não supre a inexistência ou a nulidade da citação. Ao comparecer espontaneamente nessa etapa processual, o executado apenas dar-se-á por intimado do requerimento de cumprimento e, a partir de então, terá início o prazo para o oferecimento de impugnação, na qual a parte poderá suscitar o vício de citação, nos termos do dispositivo já referido.
18. Para se chegar à solução mais adequada, é preciso considerar que o novo Código Civil está pautado na instrumentalidade das formas e na ideia de duração razoável do processo. Prova disso é, justamente, a já anotada antecipação do termo inicial do prazo para contestar a demanda na hipótese de comparecimento espontâneo na fase de conhecimento (art. 239, § 1º, do CPC/2015).
19. Somado a isso, a impugnação apresentada com fundamento no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 veicula, exclusivamente, alegação relativa à falta ou defeito na citação. E, o art. 272, § 9º, do CPC/2015 preceitua que "não sendo possível a prática imediata do ato diante da necessidade do acesso prévio aos autos, a parte limitar-se-á a arguir a nulidade da intimação, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça".
20. Compatibilizando-se tais ideias e levando-se em conta o fato de que o réu (executado) já se fez presente no processo, caso acolhida a impugnação fundada no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015, o prazo para apresentar contestação terá início com a intimação acerca dessa decisão. Aplica-se, por analogia, o disposto no art. 272, § 9º, do CPC/15.
IV. Da hipótese dos autos.
21. Na espécie, a ora recorrente apresentou impugnação ao cumprimento de sentença instaurado a requerimento da recorrida, mediante a qual suscitou nulidade da citação. A alegação foi acolhida pelo juízo de primeiro grau, que definiu novo prazo para oferecimento de contestação a contar da intimação dessa decisão.
22. O Tribunal de origem, todavia, deu provimento ao recurso do recorrido, reconhecendo que o prazo para contestar iniciou a partir do comparecimento espontâneo do executado, nos termos do art. 239, § 1º, do CPC/2015. Assim, manteve a decretação da revelia.
23. Diante da orientação definida acima, se o executado, revel na fase de conhecimento, apresentar impugnação com fundamento no art. 525, § 1º, I, do CPC/2015 e esta for acolhida, o prazo para apresentar defesa inicia-se a partir da intimação dessa decisão, não se aplicando o dispositivo legal invocado no acórdão recorrido.
24. Desse modo, o acórdão recorrido violou a norma do art. 239, § 1º, do CPC/2015, impondo-se a sua reforma.
(...)”
(STJ, REsp 1930225/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08.06.2021, v.u., grifou-se)
O entendimento supra citado traz situação que requer atenção aos operadores do direito: (i) nos termos do REsp 1698821/RJ, referenciado no bojo do voto condutor acima citado, a inteligência do art. 239, § 1º, do CPC (comparecimento espontâneo supre a nulidade de citação) é reservada à nulidade de citação alegada na ação de conhecimento ou execução de título executivo extrajudicial, de onde se conclui que, não obstante a alegação de referida nulidade, inicia-se a partir do comparecimento espontâneo o termo a quo para defender de todas as matérias dedutíveis de defesa3; (ii) por sua vez, tal dispositivo não se aplica à fase de cumprimento de sentença, muito embora faça às vezes de execução de título executivo judicial.
__________
1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
2 “Art. 7º. É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.”
3 Em sentido semelhante, STJ, REsp 1625033/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23.05.2017, v.u. e AGRg no REsp 1371287/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 23.02.2016, v.u.