CPC na prática

A negativa de seguimento ao RE e ao RESP no tribunal de origem e o mandado de segurança ato judicial

A negativa de seguimento ao RE e ao RESP no tribunal de origem e o mandado de segurança ato judicial.

17/6/2021

Um dos grandes pilares do Código de Processo Civil de 2015 foi o sistema de precedentes criado, com o objetivo de racionalizar e dar mais previsibilidade aos julgamentos.

O Código manteve a previsão já constante do Código de 1973 de julgamento do Recurso Repetitivo, sendo que todos os outros processos devem ficar sobrestados nos Tribunais de origem1 e o entendimento exarado no processo paradigma deve ser aplicado pelos Tribunais de origem nos demais processos.

Dado o grande número de processos, é comum que um caso diferente do paradigma seja julgado de acordo com o precedente fixado pelas Cortes Superiores. Neste caso, o Código prevê a possibilidade da interposição de Agravo Interno2 em face dessa decisão e que será julgado por órgão colegiado do próprio Tribunal de origem.

Grande dúvida surgiu na Doutrina se caberia recurso em face do acórdão que julga esse Agravo Interno. A Jurisprudência, desde logo, defendeu que não caberia recurso em face de tal acórdão3.

Há respeitáveis entendimentos quanto ao cabimento de novo Recurso Extraordinário / Especial e de Agravo Denegatório4.

A redação original do artigo 988 do CPC/15 previa expressamente a possibilidade de Reclamação para garantir a correta aplicação de julgamento repetitivo:

"IV - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência."

Entretanto, antes da entrada em vigor do CPC/15, nossos Tribunais Superiores ficaram preocupados com o aumento de demanda que teriam, principalmente pelo fim do exame de admissibilidade dos recursos nos Tribunais de origem e com a previsão supra referida de cabimento de Reclamação.

Desse modo, a lei 13.256/2016, deu nova redação ao dispositivo e retirou a previsão de cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos.

Em recentíssimo julgado, o Superior Tribunal de Justiça reiterou que não caberia recursos nesse caso e nem Reclamação, mas acabou admitindo a possibilidade de impetração de Mandado de Segurança contra ato Judicial:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO JUDICIAL. IRRECORRIBILIDADE E TERATOLOGIA. EXISTÊNCIA. WRIT. CABIMENTO.

1. Segundo pacífica orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, "o mandado de segurança contra ato judicial é medida excepcional, cabível somente em situações nas quais se pode verificar, de plano, ato judicial eivado de ilegalidade, teratologia ou abuso de poder, que importem ao paciente irreparável lesão ao seu direito líquido e certo" (AgInt no MS 24.788/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Corte Especial, julgado em 05/06/2019, DJe 12/06/2019).

2. Hipótese em que foi impetrado mandado de segurança contra acórdão da Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que desproveu agravo regimental e manteve a negativa de seguimento do apelo raro, nos termos do art. 534-C, §7º, I, do CPC/1973, por entender que o aresto recorrido espelhava tese firmada no STJ em recurso repetitivo.

3. A Corte de origem extinguiu o writ sem resolução do mérito, sob o fundamento de que o impetrante deveria provocar "o Superior Tribunal de Justiça pela via do agravo previsto no então vigente art. 544 do Código de Processo Civil de 1973."

4. Na linha da jurisprudência desta Corte, o único recurso possível para suscitar eventuais equívocos na aplicação do art. 543-B ou 543-C do CPC/1973 é o agravo interno, a ser julgado pelo Tribunal de origem, com exclusividade e em caráter definitivo.

5. A parte recorrente, ora agravada, diante da negativa de seguimento do seu apelo especial com fulcro no art. 543-C, § 7º, I, do CPC/1973, agitou o recurso cabível, qual seja, o agravo interno/regimental questionando a conformidade do acórdão recorrido com a tese recursal julgada sob o rito dos recursos repetitivos, mas não teve êxito na pretensão.

6. A decisão de admissibilidade nada mais tratou senão a conformidade do acórdão recorrido com a tese repetitiva; descabe, assim, falar em dupla impugnação mediante a interposição conjunta de agravo em recurso especial ou mesmo em preclusão pela falta de manejo do agravo do art. 544 do CPC/1973.

7. A irrecorribilidade do acórdão objeto da impetração, que nem sequer admite reclamação, como decidido pela Corte Especial (Rcl 36.476/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 05/02/2020, DJe 06/03/2020), evidencia, no caso concreto, situação de exceção a admitir a via do mandamus.

8. O julgado atacado no writ manifesta teratologia no emprego da tese repetitiva firmada no REsp 1.105.442/RJ: "é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito (art. 1º do Decreto n. 20.910/1932)."

9. Do confronto entre o acórdão recorrido e o recurso especial obstado, constata-se que a lide não discutia "a extensão do prazo prescricional da pretensão executória da multa administrativa, mas qual seria o seu termo inicial, se a data do ajuizamento da ação anulatória, caso em que a opção pela via judicial antes do exaurimento da esfera administrativa denotaria que o contribuinte abdicou da via administrativa, possível interpretação do parágrafo único do art. 38 da Lei n. 6.830/1980, ou o efetivo término do processo administrativo, uma vez que nele foi interposto recurso pela Petrobras", como bem consignado pelo Ministério Público Federal no parecer lançado aos presentes autos.

10. Caracterizadas a irrecorribilidade e a teratologia do decisum atacado, exsurge cabível o uso excepcional da via mandamental.

11. O indeferimento liminar da inicial do mandamus na origem e a impossibilidade de aplicação da teoria da causa madura em sede de recurso ordinário (art. 515, § 3º, do CPC/1973) não permitem indagar acerca do termo inicial correto para o cômputo do prazo prescricional, mas apenas cassar o aresto recorrido e determinar o retorno dos autos para o Tribunal a quo processar e julgar o mandado de segurança ali impetrado, como entender de direito.

12. Agravo interno desprovido.

(AgInt no RMS nº 53790 / RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, v.u., julgado em 17/05/2021)

Apesar de ser alentador ver o Superior Tribunal de Justiça admitindo a impetração do Mandado de Segurança ato Judicial nesses casos, essa não parece ser a melhor forma de se questionar decisões equivocadas na aplicação dos precedentes repetitivos. Isso porque, a experiência empírica faz crer que em mais de 99% dos casos, o Mandado de Segurança vai ter a segurança denegada no Tribunal de Origem e o Recurso Ordinário terá a mesma dificuldade enfrentada pelo recurso originário para ser julgado pelo Tribunal Superior. Assim, teremos um círculo vicioso sem fim5.

De fato, a melhor solução seria a utilização da Reclamação nesses casos, possibilitando que eventuais equívocos pudessem ser sanados pelos Tribunais Superiores, que são em última análise, os Tribunais competentes para tal fim6.

__________

1 Art. 1.030, III, do CPC/2015.

2 Art. 1.030, V, § 2º do CPC/2.015.

3 Essa também é a constatação de Dierle Nunes e Marina Carvalho Freitas: "Apresentados diversos julgados do STF e do STJ, proferidos tanto antes quanto posteriormente à entrada em vigor do Novo Código, o que importa salientar é que o entendimento jurisprudencial majoritário se dá no sentido de que, diante da decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário ou de recurso especial que se fundamente em decisão proferida sob o regime de repercussão geral ou de recursos repetitivos (ou representativos de controvérsia, como eram denominados), cabe recurso apenas para o Tribunal a quo, inviabilizando-se por completo o acesso aos Tribunais Superiores, em tais hipóteses. Sendo assim, a reforma legislativa promovida pela lei 13.256/2016 apenas encampou o exercício paralegislativo que já vinha sendo adotado pelos tribunais." Mais a frente, os Autores criticam tal entendimento nos seguintes termos: "Ocorre que esse entendimento vai contra o modelo constitucional de processo brasileiro eis que instala um sistema de precedentes que, ao menos parcialmente, inviabiliza a superação de entendimentos por fundamentos tão somente utilitaristas e que encaram os precedentes como mero mecanismo de gerenciamento de processos repetitivos, desprezando a integridade que esses precedentes exigem e garantem".  ("O artigo 1.030 do CPC e a busca por uma interpretação adequada: meios para superação de precedentes", in Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 73, jul./set. 2019, p. 52).

4 Nesse sentido é o entendimento de Nelson Nery Júnior e Georges Abboud ("Recursos para os Tribunais Superiores e a lei 13.256/2016", in Revista de Processo, n. 257, São Paulo: RT, 2016): "Nesse contexto, o primeiro uso da interpretação conforme a Constituição é para corrigir a distorção criada pela lei 13256/16 que, erroneamente, poderia fazer crer que a negativa de admissibilidade de RE ou REsp com fulcro no CPC 1030 § 1.º conduziria inexoravelmente ao cabimento, apenas, do agravo interno, vedada, nessa hipótese, a condução final da admissibilidade para os Tribunais Superiores".

Ocorre que caso o órgão colegiado do tribunal a quo mantenha a decisão recorrida por agravo interno, quer porque não conheceu do agravo, quer porque lhe negou provimento, dessa decisão colegiada cabe o agravo ao Tribunal Superior, dado que a competência definitiva para a admissibilidade do RE/REsp é, sempre, do tribunal ad quem isto é, do STF e STJ, conforme o caso, a fim de que se dê operatividade e cumprimento aos comandos emergentes da CF 102 III e 105 III.

5 José Henrique Mouta Araújo levanta 8 motivos que desaconselham a utilização do Mandado de Segurança no lugar da Reclamação.

6 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Luis Guilherme Aidar Bondioli Por fim, cabe observar que deslize no julgamento do agravo interno contra a decisão que nega seguimento a recurso extraordinário ou especial com fundamento no inciso I do art. 1.030 do CPC, decorrente da má aplicação prática do precedente qualificado, autoriza a oferta de reclamação, tendo em vista a equivocada subtração de causa de competência dos Tribunais de Superposição e o esgotamento da instância ordinária, de acordo com o disposto no art. 988, I e § 5º, II do CPC. A reclamação aqui deve ser apresentada no prazo assinado para os embargos de declaração contra o acórdão no agravo interno ou na pendência desses embargos; não cabe reclamação após o trânsito em julgado (art. 988, § 5º, I do CPC). (Comentários ao Código de Processo Civil – vol. XX (arts994-1.044): Dos Recursos, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 230).

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).