O art. 655-B, do CPC/73 autorizava a penhora de bem indivisível, a assegurar a meação do cônjuge alheio à execução sobre o produto obtido com a alienação do bem1. O CPC/2015 aperfeiçoou tal regra por força do art. 843, para assegurar (i) não só a meação do cônjuge, mas também a quota-parte do coproprietário alheio à execução. Ainda, o (ii) § 2º do novel dispositivo passou a prever que o ato de expropriação sobre o bem indivisível não se materializará em valor inferior a avaliação correspondente a quota-parte do coproprietário2.
Em outras palavras, se o imóvel que o devedor detém 30% restar penhorado (sendo 70% pertencente a terceiro, alheio à execução), e avaliada a integralidade do bem em 100, a expropriação patrimonial há de respeitar a integralidade da avaliação correspondente a quota-parte do coproprietário. Logo, referido bem não poderá ser alienado por menos de 70, em relação a quota-parte do coproprietário.
Questão recentemente examinada pelo STJ diz respeito a fração da penhora do bem indivisível. Vale dizer, na medida em que autorizada a venda forçada da integralidade do bem (e sobre referido produto há de se assegurar a quota-parte devida ao coproprietário, alheio à execução), emergiu a controvérsia se aludida penhora há de incidir sobre a totalidade do bem (daí contemplando a quota-parte tanto do terceiro quanto do devedor) ou somente sobre o percentual de propriedade do devedor. Nesse sentido decidiu a terceira turma do E. STJ:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. BEM IMÓVEL INDIVISÍVEL EM REGIME DE COPROPRIEDADE. ALIENAÇÃO JUDICIAL DO BEM POR INTEIRO. POSSIBILIDADE.
ART. 843 DO CPC/2015. CONSTRIÇÃO. LIMITES. QUOTA-PARTE TITULARIZADA PELO DEVEDOR.
1. Cumprimento de sentença em 10/04/2013. Recurso especial interposto em 01/04/2019 e concluso ao gabinete em 21/08/2019.
2. O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível – pertencente ao executado em regime de copropriedade –, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor.
3. O Código de Processo Civil de 2015, ao tratar da penhora e alienação judicial de bem indivisível, ampliou o regime anteriormente previsto no CPC/1973.
4. Sob o novo quadro normativo, é autorizada a alienação judicial do bem indivisível, em sua integralidade, em qualquer hipótese de copropriedade. Ademais, resguarda-se ao coproprietário alheio à execução o direito de preferência na arrematação do bem ou, caso não o queira, a compensação financeira pela sua quota-parte, agora apurada segundo o valor da avaliação, não mais sobre o preço obtido na alienação judicial (art. 843 do CPC/15).
5. Nesse novo regramento, a oposição de embargos de terceiro pelo cônjuge ou coproprietário que não seja devedor nem responsável pelo adimplemento da obrigação se tornou despicienda, na medida em que a lei os confere proteção automática. Basta, de fato, que sejam oportunamente intimados da penhora e da alienação judicial, na forma dos arts. 799, 842 e 889 do CPC/15, a fim de que lhes seja oportunizada a manifestação no processo, em respeito aos postulados do devido processo legal e do contraditório.
6. Ainda, a fim de que seja plenamente resguardado o interesse do coproprietário do bem indivisível alheio à execução, a própria penhora não pode avançar sobre o seu quinhão, devendo ficar adstrita à quota-parte titularizada pelo devedor.
7. Com efeito, a penhora é um ato de afetação, por meio do qual são individualizados, apreendidos e depositados bens do devedor, que ficarão à disposição do órgão judicial para realizar o objetivo da execução, que é a satisfação do credor.
8. Trata-se, pois, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor, que, à toda evidência, não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados.
9. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ, REsp n. 1.818.926/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.04.2021, grifou-se)
O voto condutor, da lavra da ministra Nancy Andrighi, ponderou:
"(...) O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível – pertencente ao executado em regime de copropriedade –, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor.
(...)
3. À época, a solução legal se focou na questão do devedor casado, incorporando-se ao CPC/73 o art. 655-B, que passou a autorizar a alienação, por inteiro, do bem indivisível de propriedade comum do devedor e seu cônjuge, protegendo-se a meação deste ao lhe ser destinado parte do valor auferido com a venda.
4. Veja-se o que dispunha o artigo:
"Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem”.
5. Consoante elucida a doutrina, o objetivo da norma em comento foi, à toda evidência, o de estimular a aquisição do bem indivisível no procedimento de alienação judicial, haja vista que a alternativa – qual seja, a criação de um condomínio entre o cônjuge alheio à execução e o adquirente – despertaria pouco ou quase nenhum interesse entre possíveis licitantes.
(...)
8. Sob o mesmo móvel de proporcionar mais efetividade à execução, ao passo em que se concilia o interesse de quem dela não participa, o Código de Processo Civil de 2015 conservou a norma ora em análise, e, indo além, a ampliou, a fim de abranger outras situações condominiais que não aquela decorrente do regime de casamento.
9. Com efeito, atualmente, por força do art. 843 do CPC/2015, é admitida a alienação integral do bem indivisível em qualquer hipótese de propriedade em comum, resguardando-se, ao coproprietário ou cônjuge alheio à execução, o equivalente em dinheiro da sua quota-parte no bem.
(...)
11. É de se notar, aliás, que o novo diploma processual, para além de estender as hipóteses em que admitida a expropriação de bem indiviso quando há coproprietário alheio à execução, também reforçou a proteção a esse terceiro que não é devedor nem responsável pelo pagamento do débito.
12. Por um lado, a Lei agora expressamente garante ao coproprietário direito de preferência na arrematação do bem, caso não queira perder sua propriedade mediante a compensação financeira (§ 1º).
13. Não exercendo tal direito, preserva-se hígido, ainda, o seu patrimônio, mediante a liquidação da sua quota-parte com base no valor da avaliação do imóvel (§ 2º), não mais segundo o preço obtido na alienação judicial, como ocorria no regime anterior.
14. Deveras, como já se pronunciou essa Corte, "essa nova disposição legal (...) amplia a proteção de coproprietários inalcançáveis pelo procedimento executivo, assegurando-lhes a manutenção integral de seu patrimônio, ainda que monetizado" (REsp 1.728.086/MS, 3ª Turma, DJe 03/09/2019, grifou-se).
(...)
22. Entrementes, impõe destacar que o pleno resguardo do interesse do coproprietário do bem indivisível – inclusive para o fim de tornar desnecessária a oposição de embargos de terceiro –, exige, também, que a própria penhora não avance sobre seu quinhão, limitando-se à quota-parte titularizada pelo devedor.
23. De fato, não se pode olvidar que "a penhora é um ato de afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução, que é a função pública de dar satisfação ao credor" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol. II, 48ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 440, grifou-se).
24. O ato da penhora, efetivamente, importa individualização, apreensão e depósito dos bens do devedor (arts. 838 e 839 do CPC/15), e, uma vez aperfeiçoado, acarreta a indisponibilidade sobre os bens afetados à execução.
Trata-se, à toda evidência, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor.
25. Nessa ordem de ideias, é indubitável que esse gravame judicial não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados.
26. Daí porque, mesmo em se tratando de bem indivisível, a penhora deve cingir-se à quota-parte pertencente ao devedor, pois somente esta está afetada à execução e, uma vez liquidada, é que se destinará ao pagamento do credor.
27. Ao coproprietário do bem indivisível até pode ser imposta a extinção do condomínio e a conversão de seu direito real de propriedade pelo equivalente em dinheiro – como visto, por uma necessidade de conferir eficiência ao processo executivo –, porém, até que isso ocorra, quando ultimada a alienação judicial, sua parcela do bem deve permanecer livre e desembaraçada.
28. Em resumo, como afirma Humberto THEODORO JÚNIOR, "a penhora (...) não vai além da quota ideal do executado. O imóvel é alienado judicialmente por inteiro, como meio de liquidar a quota penhorada" (op. cit., p. 512).
(...)
33. Como se observa, entendeu o Tribunal de origem que o fato de a penhora ter recaído apenas sobre a quota-parte da executada constituiria óbice à posterior alienação judicial do bem em sua integralidade.
34. Ocorre que, consoante discorrido neste voto, outra não poderia ser a extensão da penhora que não a precisa parcela pertencente à devedora.
35. Com efeito, como apenas o quinhão desta responde pela presente execução, não poderia a penhora recair sobre o bem por inteiro, porquanto isso implicaria injusto e desnecessário gravame à quota da coproprietária, até que fosse efetivada a alienação judicial e, com isso, se lhe entregasse o equivalente monetário.
36. Dessa maneira, não subsiste, na espécie, o mencionado impedimento à alienação do imóvel como um todo, sendo de rigor, portanto, o acolhimento do presente recurso especial.
(...)"
(STJ, REsp n. 1.818.926/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.04.2021, grifou-se).
Portanto, a despeito da ausência de previsão legal quanto a controvérsia ora posta, a interpretação dada pela terceira turma do STJ (i) autoriza a penhora limitada ao quinhão pertencente ao devedor, (ii) muito embora, quando da alienação judicial, esta terá o efeito de contemplar a integralidade do bem penhorado, a daí também englobar a quota-parte do coproprietário alheio à execução, assegurado ao mesmo o recebimento integral de seu respectivo quinhão, na proporção da avaliação judicial.
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1 "Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem."