O incidente de resolução de demandas repetitivas, introduzido pelo CPC em vigor, é cabível quando houver (i) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão, unicamente de direito e, (ii) houver risco de ofensa à isonomia e segurança jurídica (art. 976 do CPC).
Referida técnica compõe o chamado microssistema de julgamento de casos repetitivos, estes, na dicção do art. 928, I e II, do CPC, alberga tanto o incidente de resolução de demandas repetitivas, quanto o julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, disciplinados nos arts. 1.036 e seguintes do CPC. Consoante leciona Andre Vasconcelos Roque:
"O termo 'casos repetitivos' é utilizado por outras dez vezes ao longo do CPC/2015, no art. 12, § 2º, II (para exclusão dos casos repetitivos da ordem de prioridade cronológica de conclusão); no art. 311, II (como requisito para a concessão da tutela de evidência), no art. 521, IV (como hipótese de dispensa de caução no cumprimento provisório de sentença); no art. 927, §§ 2º a 4º (que tratam das cautelas necessárias em caso de revisão da tese jurídica anteriormente firmada); no parágrafo único do próprio art. 928 (para dispor que o julgamento de casos repetitivos pode tanto tratar de questão comum de direito material quanto processual); no art. 955, parágrafo único, II (como requisito para o julgamento em decisão monocrática do conflito de competência); no art. 966, § 5º (para admitir ação rescisória contra decisão transitada em julgado que se baseou em padrão decisório objetivo sem realizar a devida distinção) e no art. 1.022, parágrafo único, I (para indicar que há omissão, passível de ser objeto de embargos de declaração, quando decisão deixa de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos."1
Tais técnicas buscam dentre outras premissas, facilitar o caminho processual do jurisdicionado cujo direito se encontra amparado em decisão consolidada em sede de julgamento de casos repetitivos. Nesse contexto pondera Andre Vasconcelos Roque:
"A definição da tese em IRDR ou recurso repetitivo autoriza: (i) a concessão da tutela de evidência (art. 311, II); (ii) o julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332, II e III); (iii) a dispensa de remessa necessária (art. 496, § 4º, II e III); (iv) o julgamento monocrático pelo relator (art. 932, IV, b e c; V, b e c); (v) a decisão monocrática em conflito de competência (art. 955, parágrafo único, II) e; (vi) a oposição de embargos de declaração, sob o fundamento de omissão, quando a decisão embargada não tiver se manifestado sobre a tese firmada em IRDR ou recurso repetitivo."2
Todavia, a par de algumas semelhanças de tratamento entre o IRDR e o precedente firmado em sede de julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo, não se pode olvidar uma de suas diferenças, qual seja, sobre a decisão que julga o IRDR, a eventual recurso especial ou extraordinário interposto será atribuído efeito suspensivo automático. Nesse sentido decidiu recentemente a Segunda Turma do STJ:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO. NECESSIDADE DE AGUARDAR O JULGAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. ARTS. 982, § 5º, E 987, §§ 1º E 2º, DO CPC. RECURSO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se a suspensão dos feitos cessa tão logo julgado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pelo TJ/TRF, com a aplicação imediata da tese, ou se é necessário aguardar o julgamento dos recursos excepcionais eventualmente interpostos.
2. No caso dos recursos repetitivos, os arts. 1.039 e 1.040 do CPC condicionam o prosseguimento dos processos pendentes apenas à publicação do acórdão paradigma. Além disso, os acórdãos proferidos sob a sistemática dos recursos repetitivos não são impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo automático.
3. Por sua vez, a sistemática legal do IRDR é diversa, pois o Código de Ritos estabelece, no art. 982, § 5º, que a suspensão dos processos pendentes, no âmbito do IRDR, apenas cessa caso não seja interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.
4. Além disso, há previsão expressa, nos §§1º e 2º do art. 987 do CPC, de que os recursos extraordinário e especial contra acórdão que julga o incidente em questão têm efeito suspensivo automático (ope legis), bem como de que a tese jurídica adotada pelo STJ ou pelo STF será aplicada, no território nacional, a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.
5. Apesar de tanto o IRDR quanto os recursos repetitivos comporem o microssistema de julgamento de casos repetitivos (art. 928 do CPC), a distinção de tratamento legal entre os dois institutos justifica-se pela recorribilidade diferenciada de ambos. De fato, enquanto, de um lado, o IRDR ainda pode ser combatido por REsp e RE, os quais, quando julgados, uniformizam a questão em todo o território nacional, os recursos repetitivos firmados nas instâncias superiores apenas podem ser objeto de embargos de declaração, quando cabíveis e de recurso extraordinário, contudo, este. sem efeito suspensivo automático.
6. Admitir o prosseguimento dos processos pendentes antes do julgamento dos recursos extraordinários interpostos contra o acórdão do IRDR poderia ensejar uma multiplicidade de atos processuais desnecessários, sobretudo recursos. Isso porque, caso se admita a continuação dos processos até então suspensos, os sujeitos inconformados com o posicionamento firmado no julgamento do IRDR terão que interpor recursos a fim de evitar a formação de coisa julgada antes do posicionamento definitivo dos tribunais superiores.
7. Ademais, com a manutenção da suspensão dos processos pendentes até o julgamento dos recursos pelos tribunais superiores, assegura-se a homogeneização das decisões judiciais sobre casos semelhantes, garantindo-se a segurança jurídica e a isonomia de tratamento dos jurisdicionados. Impede-se, assim, a existência – e eventual trânsito em julgado - de julgamentos conflitantes, com evidente quebra de isonomia, em caso de provimento do REsp ou RE interposto contra o julgamento do IRDR.
8. Em suma, interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado. O raciocínio, no ponto, é idêntico ao aplicado pela jurisprudência do STF e do STJ ao RE com repercussão geral e aos recursos repetitivos, pois o julgamento do REsp ou RE contra acórdão de IRDR é impugnável apenas por embargos de declaração, os quais, como visto, não impedem a imediata aplicação da tese firmada.
9. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos ao Tribunal de origem a fim de que se aguarde o julgamento dos recursos extraordinários interpostos (não o trânsito em julgado, mas apenas o julgamento do REsp e/ou RE) contra o acórdão proferido no IRDR n. 0329745-15.2015.8.24.0023."
(STJ, RESP n. 1869867/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Og Fernandes, v.u., j. 20.04.2021)
A decisão acima soa acertada, porquanto em consonância a inteligência do art. 987, § 1º e § 2º do CPC, de sorte que o STJ deixou de conferir qualquer interpretação analógica ou quanto previsto em lei.
De toda sorte, dada a atribuição do chamado efeito suspensivo automático, uma vez pendente o julgamento de recurso especial ou extraordinário, tirado de acórdão que decide o IRDR, de igual modo não se aplicam os dispositivos do CPC acima mencionados (v. g., concessão da tutela da evidência quando o direito da parte é fundado em decisão prolatada em sede de julgamento de casos repetitivos – art. 311, II, do CPC).
Por sua vez, , a ementa supra citada também deixa claro que "(...) interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado."
Logo, o efeito suspensivo automático terá amplitude até julgamento do RE ou REsp tirado do acórdão que julgou o IRDR. Consumado referido julgamento, o jurisdicionado poderá se valer do precedente firmado por meio de diversas passagens do CPC que lhe favorecem (a exemplo da não observância do reexame necessário quando a decisão contrária à Fazenda Pública é fundada em precedente firmado em casos repetitivos – art. 496, § 4º, II e III, dentre outras acima citadas).
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1 GAJARONI, Fernando da Fonseca. DELLORE, Luiz, ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Execução e recursos – comentários ao CPC de 2015, 2. Ed. São Paulo: 2018, p. 804)
2 Op. cit., p. 805, grifou-se.