CPC na prática

Julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Efeito Suspensivo Automático, porém desnecessário aguardar por ulterior trânsito em julgado

Julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Efeito Suspensivo Automático, porém desnecessário aguardar por ulterior trânsito em julgado.

6/5/2021

O incidente de resolução de demandas repetitivas, introduzido pelo CPC em vigor, é cabível quando houver (i) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão, unicamente de direito e, (ii) houver risco de ofensa à isonomia e segurança jurídica (art. 976 do CPC).

Referida técnica compõe o chamado microssistema de julgamento de casos repetitivos, estes, na dicção do art. 928, I e II, do CPC, alberga tanto o incidente de resolução de demandas repetitivas, quanto o julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, disciplinados nos arts. 1.036 e seguintes do CPC. Consoante leciona Andre Vasconcelos Roque:

"O termo 'casos repetitivos' é utilizado por outras dez vezes ao longo do CPC/2015, no art. 12, § 2º, II (para exclusão dos casos repetitivos da ordem de prioridade cronológica de conclusão); no art. 311, II (como requisito para a concessão da tutela de evidência), no art. 521, IV (como hipótese de dispensa de caução no cumprimento provisório de sentença); no art. 927, §§ 2º a 4º (que tratam das cautelas necessárias em caso de revisão da tese jurídica anteriormente firmada); no parágrafo único do próprio art. 928 (para dispor que o julgamento de casos repetitivos pode tanto tratar de questão comum de direito material quanto processual); no art. 955, parágrafo único, II (como requisito para o julgamento em decisão monocrática do conflito de competência); no art. 966, § 5º (para admitir ação rescisória contra decisão transitada em julgado que se baseou em padrão decisório objetivo sem realizar a devida distinção) e no art. 1.022, parágrafo único, I (para indicar que há omissão, passível de ser objeto de embargos de declaração, quando decisão deixa de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos."1

Tais técnicas buscam dentre outras premissas, facilitar o caminho processual do jurisdicionado cujo direito se encontra amparado em decisão consolidada em sede de julgamento de casos repetitivos. Nesse contexto pondera Andre Vasconcelos Roque:

"A definição da tese em IRDR ou recurso repetitivo autoriza: (i) a concessão da tutela de evidência (art. 311, II); (ii) o julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332, II e III); (iii) a dispensa de remessa necessária (art. 496, § 4º, II e III); (iv) o julgamento monocrático pelo relator (art. 932, IV, b e c; V, b e c); (v) a decisão monocrática em conflito de competência (art. 955, parágrafo único, II) e; (vi) a oposição de embargos de declaração, sob o fundamento de omissão, quando a decisão embargada não tiver se manifestado sobre a tese firmada em IRDR ou recurso repetitivo."2

Todavia, a par de algumas semelhanças de tratamento entre o IRDR e o precedente firmado em sede de julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo, não se pode olvidar uma de suas diferenças, qual seja, sobre a decisão que julga o IRDR, a eventual recurso especial ou extraordinário interposto será atribuído efeito suspensivo automático. Nesse sentido decidiu recentemente a Segunda Turma do STJ:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO. NECESSIDADE DE AGUARDAR O JULGAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. ARTS. 982, § 5º, E 987, §§ 1º E 2º, DO CPC. RECURSO PROVIDO.

1. Cinge-se a controvérsia a definir se a suspensão dos feitos cessa tão logo julgado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pelo TJ/TRF, com a aplicação imediata da tese, ou se é necessário aguardar o julgamento dos recursos excepcionais eventualmente interpostos.

2. No caso dos recursos repetitivos, os arts. 1.039 e 1.040 do CPC condicionam o prosseguimento dos processos pendentes apenas à publicação do acórdão paradigma. Além disso, os acórdãos proferidos sob a sistemática dos recursos repetitivos não são impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo automático.

3. Por sua vez, a sistemática legal do IRDR é diversa, pois o Código de Ritos estabelece, no art. 982, § 5º, que a suspensão dos processos pendentes, no âmbito do IRDR, apenas cessa caso não seja interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.

4. Além disso, há previsão expressa, nos §§1º e 2º do art. 987 do CPC, de que os recursos extraordinário e especial contra acórdão que julga o incidente em questão têm efeito suspensivo automático (ope legis), bem como de que a tese jurídica adotada pelo STJ ou pelo STF será aplicada, no território nacional, a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

5. Apesar de tanto o IRDR quanto os recursos repetitivos comporem o microssistema de julgamento de casos repetitivos (art. 928 do CPC), a distinção de tratamento legal entre os dois institutos justifica-se pela recorribilidade diferenciada de ambos. De fato, enquanto, de um lado, o IRDR ainda pode ser combatido por REsp e RE, os quais, quando julgados, uniformizam a questão em todo o território nacional, os recursos repetitivos firmados nas instâncias superiores apenas podem ser objeto de embargos de declaração, quando cabíveis e de recurso extraordinário, contudo, este. sem efeito suspensivo automático.

6. Admitir o prosseguimento dos processos pendentes antes do julgamento dos recursos extraordinários interpostos contra o acórdão do IRDR poderia ensejar uma multiplicidade de atos processuais desnecessários, sobretudo recursos. Isso porque, caso se admita a continuação dos processos até então suspensos, os sujeitos inconformados com o posicionamento firmado no julgamento do IRDR terão que interpor recursos a fim de evitar a formação de coisa julgada antes do posicionamento definitivo dos tribunais superiores.

7. Ademais, com a manutenção da suspensão dos processos pendentes até o julgamento dos recursos pelos tribunais superiores, assegura-se a homogeneização das decisões judiciais sobre casos semelhantes, garantindo-se a segurança jurídica e a isonomia de tratamento dos jurisdicionados. Impede-se, assim, a existência – e eventual trânsito em julgado - de julgamentos conflitantes, com evidente quebra de isonomia, em caso de provimento do REsp ou RE interposto contra o julgamento do IRDR.

8. Em suma, interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado. O raciocínio, no ponto, é idêntico ao aplicado pela jurisprudência do STF e do STJ ao RE com repercussão geral e aos recursos repetitivos, pois o julgamento do REsp ou RE contra acórdão de IRDR é impugnável apenas por embargos de declaração, os quais, como visto, não impedem a imediata aplicação da tese firmada.

9. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos ao Tribunal de origem a fim de que se aguarde o julgamento dos recursos extraordinários interpostos (não o trânsito em julgado, mas apenas o julgamento do REsp e/ou RE) contra o acórdão proferido no IRDR n. 0329745-15.2015.8.24.0023."

(STJ, RESP n. 1869867/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Og Fernandes, v.u., j. 20.04.2021)

A decisão acima soa acertada, porquanto em consonância a inteligência do art. 987, § 1º e § 2º do CPC, de sorte que o STJ deixou de conferir qualquer interpretação analógica ou quanto previsto em lei.

De toda sorte, dada a atribuição do chamado efeito suspensivo automático, uma vez pendente o julgamento de recurso especial ou extraordinário, tirado de acórdão que decide o IRDR, de igual modo não se aplicam os dispositivos do CPC acima mencionados (v. g., concessão da tutela da evidência quando o direito da parte é fundado em decisão prolatada em sede de julgamento de casos repetitivos – art. 311, II, do CPC).

Por sua vez, , a ementa supra citada também deixa claro que "(...)  interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado."

Logo, o efeito suspensivo automático terá amplitude até julgamento do RE ou REsp tirado do acórdão que julgou o IRDR. Consumado referido julgamento, o jurisdicionado poderá se valer do precedente firmado por meio de diversas passagens do CPC que lhe favorecem (a exemplo da não observância do reexame necessário quando a decisão contrária à Fazenda Pública é fundada em precedente firmado em casos repetitivos – art. 496, § 4º, II e III, dentre outras acima citadas).

__________

1 GAJARONI, Fernando da Fonseca. DELLORE, Luiz, ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Execução e recursos – comentários ao CPC de 2015, 2. Ed. São Paulo: 2018, p. 804)

2 Op. cit., p. 805, grifou-se.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).