Não é de hoje a dúvida acerca da natureza da exigência da assinatura de duas testemunhas no documento particular, para fins de formação do título executivo extrajudicial previsto no artigo 784, III, do CPC/15.
Relevante é a dúvida se, previamente ao ajuizamento da execução, a parte exequente pode solicitar que duas pessoas examinem o documento particular e assinem o contrato na qualidade de testemunhas, ainda que elas não tenham acompanhado presencialmente as negociações e a assinatura, pelas partes, do negócio entabulado.
O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou o tema, tendo já sinalizado que as testemunhas referidas no artigo 784, III, do CPC/15 seriam meramente "instrumentárias", não havendo óbice para que firmem o documento posteriormente ao ato de assinatura das partes. Veja-se, neste sentido, o acórdão do AgInt no AREsp 807883, da relatoria do ministro Lázaro Guimarães, em caso julgado em 7/8/2018 pela 4ª. Turma:
"De acordo com a jurisprudência desta Corte, "o fato de as testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial, sendo as testemunhas meramente instrumentárias" (REsp 541.267/RJ, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, DJ de 17/10/2005; AgInt no AREsp 1.183.668/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/03/2018, DJe de 9/3/2018)".
Há julgado da Corte Superior, inclusive, dispensando a exigência da assinatura das duas testemunhas, quando o devedor não impugna a existência do contrato que estipula dívida líquida, certa e exigível, conforme se nota do acórdão do AgInt no REsp 1870540 / MT, da relatoria do Ministro Raul Araujo, em caso julgado em 14/9/2020 pela 4ª. Turma:
"A assinatura das testemunhas é um requisito extrínseco à substância do ato, cujo escopo é o de aferir a existência e a validade do negócio jurídico; sendo certo que, em caráter absolutamente excepcional, os pressupostos de existência e os de validade do contrato podem ser revelados por outros meios idôneos e pelo próprio contexto dos autos, hipótese em que tal condição de eficácia executiva poderá ser suprida." (REsp 1.438.399/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe de 05/05/2015). 2. Na hipótese, o Tribunal de origem, com arrimo no acervo fático-probatório carreado aos autos, e seguindo a jurisprudência do STJ, concluiu que "(...) essa situação mitigadora é evidente, na medida em que o excipiente/agravante não nega a assinatura do contrato, tampouco a existência do negócio entabulado".
Em sede doutrinária, já havia posições sustentando essa linha de interpretação do artigo 784, III, do CPC/15, conforme lição clara da Professora Teresa Arruda Alvim1: "Tais testemunhas, consoante crescente jurisprudência, inclusive no âmbito do STJ, tem sido consideradas como meramente instrumentárias, daí a possibilidade de assinatura posterior das testemunhas não desnatura o título executivo. Noutras palavras, o fato das testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial".
José Miguel Garcia Medina2, igualmente, aponta que: "já se decidiu que as testemunhas que subscreveram o documento particular considerado título executivo são meramente instrumentárias, e que não afeta a higidez do título executivo a falta de identificação das mesmas ou o fato de estarem suas assinaturas ilegíveis. Vê-se, portanto, que a jurisprudência tem sido flexível, quanto à formação do título executivo, em tais casos, o que, segundo pensamos, decorre do fato de ter-se adotado, em tal hipótese, um tipo aberto para a configuração do título executivo".
Não se desconhece a existência de doutrina divergente, mas parece-nos que a posição que predomina no Superior Tribunal de Justiça, quanto a este tema, é a mais acertada, notadamente em casos em que estão presentes os requisitos do artigo 783 do CPC/15 (dívida certa, líquida e exigível); tendo em vista o espírito das normas fundamentais do sistema processual brasileiro, que almejam uma maior efetividade e eficiência do processo civil, incluindo-se a necessidade de duração razoável na fase de execução (artigos 4 e 8 do CPC/15).
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1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1246.
2 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo CPC comentado. São Paulo: RT, 2016. p. 1108.