CPC na prática

Posições do STJ sobre o artigo 784, III, do CPC: As duas testemunhas precisam estar presentes quando da assinatura do contrato?

Posições do STJ sobre o artigo 784, III, do CPC: As duas testemunhas precisam estar presentes quando da assinatura do contrato?

22/4/2021

Não é de hoje a dúvida acerca da natureza da exigência da assinatura de duas testemunhas no documento particular, para fins de formação do título executivo extrajudicial previsto no artigo 784, III, do CPC/15.

Relevante é a dúvida se, previamente ao ajuizamento da execução, a parte exequente pode solicitar que duas pessoas examinem o documento particular e assinem o contrato na qualidade de testemunhas, ainda que elas não tenham acompanhado presencialmente as negociações e a assinatura, pelas partes, do negócio entabulado.

O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou o tema, tendo já sinalizado que as testemunhas referidas no artigo 784, III, do CPC/15 seriam meramente "instrumentárias", não havendo óbice para que firmem o documento posteriormente ao ato de assinatura das partes. Veja-se, neste sentido, o acórdão do AgInt no AREsp 807883, da relatoria do ministro Lázaro Guimarães, em caso julgado em 7/8/2018 pela 4ª. Turma:

"De acordo com a jurisprudência desta Corte, "o  fato de as testemunhas do documento  particular  não  estarem presentes ao ato de sua formação  não  retira  a  sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem  ser  feitas  em  momento  posterior  ao  ato  de  criação  do título  executivo    extrajudicial,    sendo    as   testemunhas   meramente  instrumentárias"  (REsp 541.267/RJ, Rel. Ministro Jorge Scartezzini,  Quarta  Turma,  DJ  de 17/10/2005; AgInt no AREsp 1.183.668/SP, Rel. Ministro  Luis  Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/03/2018,  DJe de 9/3/2018)".

Há julgado da Corte Superior, inclusive, dispensando a exigência da assinatura das duas testemunhas, quando o devedor não impugna a existência do contrato que estipula dívida líquida, certa e exigível, conforme se nota do acórdão do AgInt no REsp 1870540 / MT, da relatoria do Ministro Raul Araujo, em caso julgado em 14/9/2020 pela 4ª. Turma:

"A assinatura das testemunhas é um requisito extrínseco à  substância do ato, cujo escopo é o de aferir a existência e a  validade do negócio jurídico; sendo certo que, em caráter  absolutamente excepcional, os pressupostos de existência e os de validade do contrato podem ser revelados por outros meios idôneos e  pelo próprio contexto dos autos, hipótese em que tal condição de eficácia executiva poderá ser suprida." (REsp 1.438.399/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe de 05/05/2015).  2. Na hipótese, o Tribunal de origem, com arrimo no acervo fático-probatório carreado aos autos, e seguindo a jurisprudência do  STJ, concluiu que "(...) essa situação mitigadora é evidente, na medida em que o excipiente/agravante não nega a assinatura do contrato, tampouco a existência do negócio entabulado".

Em sede doutrinária, já havia posições sustentando essa linha de interpretação do artigo 784, III, do CPC/15, conforme lição clara da Professora Teresa Arruda Alvim1: "Tais testemunhas, consoante crescente jurisprudência, inclusive no âmbito do STJ, tem sido consideradas como meramente instrumentárias, daí a possibilidade de assinatura posterior das testemunhas não desnatura o título executivo. Noutras palavras, o fato das testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial".  

José Miguel Garcia Medina2, igualmente, aponta que: "já se decidiu que as testemunhas que subscreveram o documento particular considerado título executivo são meramente instrumentárias, e que não afeta a higidez do título executivo a falta de identificação das mesmas ou o fato de estarem suas assinaturas ilegíveis. Vê-se, portanto, que a jurisprudência tem sido flexível, quanto à formação do título executivo, em tais casos, o que, segundo pensamos, decorre do fato de ter-se adotado, em tal hipótese, um tipo aberto para a configuração do título executivo".

Não se desconhece a existência de doutrina divergente, mas parece-nos que a posição que predomina no Superior Tribunal de Justiça, quanto a este tema, é a mais acertada, notadamente em casos em que estão presentes os requisitos do artigo 783 do CPC/15  (dívida certa, líquida e exigível); tendo em vista o espírito das normas fundamentais do sistema processual brasileiro, que almejam uma maior efetividade e eficiência do processo civil, incluindo-se a necessidade de duração razoável na fase de execução (artigos 4 e 8 do CPC/15). 

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1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1246.

2 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo CPC comentado. São Paulo: RT, 2016. p. 1108.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).