A crise do processo civil pode ser bastante evidenciada na dificuldade em se conseguir localizar bens dos devedores. Muitas vezes se consegue o provimento jurisdicional, mas não se consegue o seu cumprimento pela ausência de bens. Desse modo, as impenhorabilidades constantes do artigo 833 do Código de Processo Civil ganham grande destaque.
Por exemplo, na coluna de 16 de maio de 2019 foi exposto o entendimento sobre a Mitigação da Penhora de Salários pelo Superior Tribunal de Justiça, em que o STJ adota um entendimento ampliativo da previsão legal, para possibilitar a penhora de salários inferiores a 50 salários mínimos1.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem ampliando outra previsão, a do inciso X, do artigo 833 do CPC, que prevê a impenhorabilidade da "quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos".
Na verdade, nunca se entendeu a diferenciação pretendida pelo legislador, eis que se o valor estivesse na caderneta de poupança não poderia ser penhorado e se estivesse em outra aplicação, mesmo das mais conservadoras, seria penhorado. Esse seria um benefício para compensar a baixíssima remuneração da caderneta de poupança frente às outras possibilidades de investimento?
Quando da promulgação do Código de 1973 até pode se entender melhor essa opção, eis que existiam parcas opções de investimentos e a caderneta de poupança era a mais utilizada. Entretanto, essa não é mais a nossa realidade atual.
Daniel Amorim Assumpção Neves entende que o dispositivo legal "cria uma estranha e injustificável proteção a uma espécie determinada de investimento financeiro que, se não é o mais lucrativo entre todos os oferecidos no mercado atualmente, não passa de uma forma de fazer render o dinheiro que não está sendo utilizado naquele momento pelo poupador.2
Já o professor e Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Gilson Delgado Miranda entende que "a impenhorabilidade restringe-se a tal espécie de aplicação financeira, não se admitindo, à evidência, interpretação extensiva de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira."3
O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a impenhorabilidade deve ser lida de forma ampliada:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IMPENHORABILIDADE. 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. ALCANCE.
1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ).
2. "É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente a aplicação em caderneta de poupança, mas, também, a mantida em fundo de investimento, em conta-corrente ou guardada em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude" (AgInt no REsp 1858456/RO, rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/06/2020, DJe 18/06/2020).
3. Agravo interno desprovido.”
(AgInt no REsp 1880586/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/03/2021, DJe 06/04/2021)4
Conforme se depreende do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a ampliação é vasta, abrangendo não somente outras aplicações financeiras, mas também numerário em conta corrente e guardado em papel-moeda.
Por fim, cumpre recordar que por mais que tal ampliação pareça atender ao escopo pretendido pelo legislador de proteger a pequena economia do poupador, acaba por dificultar e muito os bloqueios on-line de numerário, já que não são muitos devedores que possuem em conta corrente e em aplicações financeiras valor superior a R$ 40 mil, complicando ainda mais o tortuoso caminho do credor na busca da satisfação de seu crédito.
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1 Disponível aqui.
2 Comentários ao Código de Processo Civil – vol. XVII (arts. 824 a 875): Da Execução por quantia certa, coordenação José Roberto Ferreira Gouvêa, Luis Guilherme Aidar Bondioli, João Francisco Naves da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2018, p. 176.
3 Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cassio Scarpinella Bueno, v. 3, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 650.
4 Existem julgados no mesmo sentido da 2ª Turma (REsp 1710162/RS), 3ª Turma (AgInt no REsp 1886463/RS) e 4ª Turma (AgInt no AREsp 1717962/SP). Na vigência do CPC/73 o Superior Tribunal de Justiça também possui julgados com a aplicação extensiva (EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 19/12/2014).