O art. 523, do Código de Processo Civil (CPC/2015), estabelece que "no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver". E o parágrafo primeiro, do mesmo dispositivo, dispõe: "§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento".
Pois bem, em 9/3/2021, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por meio de acórdão da lavra do Min. Moura Ribeiro, entendeu que o pronunciamento judicial a que se refere o art. 523, do CPC/2015, não teria conteúdo decisório, não teria o condão de causar gravame ao executado e, portanto, não poderia ser impugnado por meio de agravo de instrumento nos termos do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015.
Confira-se, a propósito, a ementa do julgado acima referido:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO EXECUTADO PARA PAGAMENTO, SOB PENA DE MULTA E FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS. DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Aplicabilidade do novo Código de Processo Civil, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. As decisões proferidas em liquidação ou cumprimento de sentença, execução e inventário, são impugnáveis por agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, do NCPC).
3. Com o advento do Novo Código de Processo Civil, o início da fase de cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa passou a depender de provocação do credor. Assim, a intimação do devedor para pagamento é consectário legal do requerimento, e, portanto, irrecorrível, por se tratar de mero despacho de expediente, pois o juiz simplesmente cumpre o procedimento determinado pelo Código de Processo Civil (art. 523 do NCPC), impulsionando o processo.
4. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1837211/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 11/03/2021)"
Sem entrar na discussão sobre se, na vigência do Código de Processo Civil anterior, o início da fase de cumprimento de sentença dependeria ou não de requerimento do credor, pois o propósito aqui é discutir a aplicação do CPC/2015, a decisão acima parece merecer reparos.
Com o devido respeito, o pronunciamento judicial que determina a intimação do executado para pagamento não é um despacho de "mero expediente". Nem de longe o juiz pratica um ato sem consequências "(...) pois o juiz simplesmente cumpre o procedimento determinado pelo Código de Processo Civil (art. 523 do NCPC), impulsionando o processo (...)".
É importante que o juiz tenha consciência das consequências de seus atos.. Uma delas, que não consta do acórdão do STJ acima ementado, está no art. 517, do CPC/2015 ("A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523").
Tanto é verdade que a decisão à qual se refere o art. 523, do CPC/2015, tem conteúdo decisório e potencial de gravame para o executado que o art. 524, do mesmo diploma legal, nos seus parágrafos 1º e 2º, determinam que o juiz fique atendo ao valor apresentado pelo exequente antes de se determinar a intimação. Veja-se:
"Art. 524. (...)
§ 1º Quando o valor apontado no demonstrativo aparentemente exceder os limites da condenação, a execução será iniciada pelo valor pretendido, mas a penhora terá por base a importância que o juiz entender adequada.
§ 2º Para a verificação dos cálculos, o juiz poderá valer-se de contabilista do juízo, que terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias para efetuá-la, exceto se outro lhe for determinado".
Como se pode perceber, o próprio CPC/2015 parte do pressuposto que o início da execução sem qualquer controle pelo juiz, como se ele estivesse apenas "impulsionando o processo", poderia causar prejuízos para a parte e até determina que ele utilize os serviços do contabilista do juízo para evitar constrições indevidas ao patrimônio do executado ao desconfiar dos cálculos apresentados pelo exequente, mesmo antes de este último ter apresentado sua defesa.
De qualquer ângulo que se examine a questão, a decisão do art. 523 do CPC/2015 não é um "despacho de mero expediente", que não teria o condão de causar prejuízos ao executado. Penhora indevida e negativação indevida são gravames para o executado. Ou não são para você, caro leitor?