O Superior Tribunal de Justiça enfrentou, pela primeira vez, o tema dos limites das convenções processuais, bem como a questão do controle judicial dos negócios processuais atípicos, no julgamento do Recurso Especial n. 1738656/RJ, tendo sido Relatora a Ministra Nancy Andrighi.
Naquele julgamento, restou-se consolidada a tese de que:
"3- Embora existissem negócios jurídicos processuais típicos no CPC/73, é correto afirmar que inova o CPC/15 ao prever uma cláusula geral de negociação por meio da qual se concedem às partes mais poderes para convencionar sobre matéria processual, modificando substancialmente a disciplina legal sobre o tema, especialmente porque se passa a admitir a celebração de negócios processuais não especificados na legislação, isto é, atípicos.
4- O novo CPC, pois, pretende melhor equilibrar a constante e histórica tensão entre os antagônicos fenômenos do contratualismo e do publicismo processual, de modo a permitir uma maior participação e contribuição das partes para a obtenção da tutela jurisdicional efetiva, célere e justa, sem despir o juiz, todavia, de uma gama suficientemente ampla de poderes essenciais para que se atinja esse resultado, o que inclui, evidentemente, a possibilidade do controle de validade dos referidos acordos pelo Poder Judiciário, que poderá negar a sua aplicação, por exemplo, se houver nulidade.
5- Dentre os poderes atribuídos ao juiz para o controle dos negócios jurídicos processuais celebrados entre as partes está o de delimitar precisamente o seu objeto e abrangência, cabendo-lhe decotar, quando necessário, as questões que não foram expressamente pactuadas pelas partes e que, por isso mesmo, não podem ser subtraídas do exame do Poder Judiciário. (...).
8- Admitir que o referido acordo, que sequer se pode conceituar como um negócio processual puro, pois o seu objeto é o próprio direito material que se discute e que se pretende obter na ação de inventário, impediria novo exame do valor a ser destinado ao herdeiro pelo Poder Judiciário, resultaria na conclusão de que o juiz teria se tornado igualmente sujeito do negócio avençado entre as partes e, como é cediço, o juiz nunca foi, não é e nem tampouco poderá ser sujeito de negócio jurídico material ou processual que lhe seja dado conhecer no exercício da judicatura, especialmente porque os negócios jurídicos processuais atípicos autorizados pelo novo CPC são apenas os bilaterais, isto é, àqueles celebrados entre os sujeitos processuais parciais.
9- A interpretação acerca do objeto e da abrangência do negócio deve ser restritiva, de modo a não subtrair do Poder Judiciário o exame de questões relacionadas ao direito material ou processual que obviamente desbordem do objeto convencionado entre os litigantes, sob pena de ferir de morte o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e do art. 3º, caput, do novo CPC."
O acórdão consolida o entendimento de que o Poder Judiciário realiza o controle de validade do negócio jurídico processual atípico após sua celebração entre as partes, bem como demonstra a necessidade de interpretar-se restritivamente o grau de abrangência de tal modalidade de acordo; tudo de modo a se garantir a necessária interpretação e controle das convenções processuais, pelo Poder Judiciário, no decorrer do trâmite da lide.
Vale lembrar que o CPC/15 prevê o instituto dos negócios processuais atípicos, conforme estabelece o artigo 190: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".
Antonio do Passo Cabral1define o negócio processual da seguinte forma:
"convenção ou acordo processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem a necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento".
Luiz Guilherme Marinoni2observa:
"É possível também que as partes dentro do espaço de liberdade constitucionalmente reconhecido estipulem mudanças no procedimento. Esses acordos processuais, que representam uma tendência de gestão procedimental oriunda principalmente do direito francês, podem ser realizados em processos que admitam autocomposição. Podem ser acordos preprocessuais, convencionados antes da propositura da ação, ou processuais, convencionados ao longo do processo. Os acordos processuais convencionados durante o processo podem ser celebrados em juízo ou em qualquer outro lugar (escritório de advocacia de uma das partes, por exemplo). O acordo processual praticado fora da sede do juízo deve ser dado ao conhecimento do juiz imediatamente, inclusive, para efeitos de controle de validade (art. 190, parágrafo único, CPC)."
Teresa Arruda Alvim3exemplifica ensinando que: "aspectos procedimentais variados podem, também, ser objeto de convenção: as partes podem estipular limites de manifestações, podem estipular a impossibilidade de existir esta ou aquela modalidade probatória, prazos mais exiguos que os legais...".
Cassio Scarpinella Bueno4 doutrina que os negócios processuais podem versar, por exemplo, sobre escolha de conciliador, mediador e da câmara de mediação, suspensão do processo, escolha do perito, escolha do administrador depositário, e redução de prazos.
Para Fredie Didier Jr.5, os negócios processuais podem versar sobre impenhorabilidade de bens, instância única, ampliação ou redução de prazos, superação de preclusão, substituição de bem penhorado, rateio de despesas processuais, dispensa de assistente técnico, retirada de efeito suspensivo de recurso, não promoção de execução provisória, dispensa de caução, limite do número de testemunhas, intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para tornar uma prova ilícita, dentre outros exemplos.
Em essência, o artigo 190 do CPC/15 prevê que as partes podem convencionar sobre aspectos procedimentais, estabelecendo mudanças no rito processual.
Grande debate existe na doutrina acerca dos limites para a aplicação do artigo 190 do CPC/15, não havendo, ainda, uniformidade quanto ao tema.
Para Teresa Arruda Alvim6, os negócios processuais não podem versar sobre deveres absolutos das partes (artigos 77 e 78 do CPC/15), sobre matérias indisponíveis e acerca de eventual não motivação das decisões judiciais.
Fredie Didier Jr.7, por sua vez, afirma que os negócios processuais não podem versar sobre competência em razão da matéria, da função e da pessoa, bem como sobre a taxatividade e cabimento dos recursos.
Humberto Theodoro Jr8. defende que os negócios processuais não podem limitar os poderes instrutórios do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem versar sobre qualquer outra matéria envolvendo ordem pública.
Com posição similar, Trícia Navarro Xavier Cabral pontua que as partes, na dinâmica do CPC/15, ganharam mais poder para participarem ativamente do processo; alertando, contudo, que esse modelo "não se trata de retorno à concepção privatista do processo, que permanece lastreado no interesse público inerente ao poder que emana da jurisdição estatal"9. Doutrina, ainda, que: "Por sua vez, para além dos elementos intrínsecos do ato, viu-se que o juiz deve apreciar os limites dos atos, os quais, neste trabalho, foram identificados como sendo: os direitos fundamentais, as garantias processuais, a reserva legal, as prerrogativas do juiz, a administração judiciária e a proteção a terceiros".10
Neste cenário, sem dúvida merece grande destaque o julgamento do REsp n. 1738656 / RJ, pois já sinaliza um campo de direção, por parte do Superior Tribunal de Justiça, acerca do entendimento da Corte Superior sobre a forma de se delinear os limites da convenção processual celebrada entre as partes.
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1 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podium, 2016. p. 68.
2 MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 244.
3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 397.
4 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 217.
5 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 381.
6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 402.
7 DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podium, 2015. p. 388.
8 THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 471.
9 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.
10 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da Liberdade Processual. Indaiatuba, SP: Foco, 2019. p. 152.