CPC na prática

Inclusão do nome do devedor no cadastro de inadimplentes: exigência de requisitos não previstos pelo legislador

28/1/2021

O chamado processo de execução pressupõe uma prévia crise de inadimplemento. O credor busca receber o seu crédito, quando por vezes, já frustrada a tentativa de recebimento extrajudicial, a buscar como última alternativa o Poder Judiciário, cujos atos de coerção a serem aplicados se destinarão à satisfação da tutela executiva.

A racionalidade acima parece óbvia, até porque rígidos são os requisitos necessários a aparelhar o manejo do processo de execução que, pelas razões acima, é moldado a satisfazer a tutela executiva de forma rápida, célere e na esperança de imprimir efetividade.

Nesse contexto o art. 782, § 3º, do CPC assegura a parte requerer a inclusão do nome do executado no rol de cadastro de inadimplentes, providência esta que permanecerá (i) até que se tenha notícia nos autos do pagamento da dívida, (ii) garantida da execução ou (iii) alguma das hipóteses que autoriza a extinção da tutela executiva1. Em outras palavras, a medida busca propiciar coerção sobre a esfera do devedor, a ponto de forçá-lo a comparecer em juízo, dar alguma satisfação sobre a dívida inadimplida, lembrando que tal medida coercitiva pode ser revogada pelo próprio magistrado.

A despeito da inteligência do art. 782, § 3º não condicionar seu deferimento a nenhuma hipótese taxativa, é certo que tal requerimento restou indeferido ao fundamento de existir meios técnicos e expertise do exequente em promover a inscrição direta do nome do devedor junto aos órgãos de proteção de crédito. Todavia, referida decisão restou reformada pela 3ª Turma do STJ:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. REQUERIMENTO DE INCLUSÃO DO NOME DA DEVEDORA EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. ART. 782, § 3º, DO CPC/2015. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE INDEFERE O PLEITO EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA DAS PARTES REQUERENTES.

IMPOSSIBILIDADE. NORMA QUE DEVE SER INTERPRETADA DE FORMA A GARANTIR AMPLA EFICÁCIA À EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA.

1. Ação de execução de título executivo extrajudicial, tendo em vista o inadimplemento de débitos locatícios.

2. Ação ajuizada em 18/1/17. Recurso especial concluso ao gabinete em 08/09/2020. Julgamento: CPC/15.

3. O propósito recursal é definir se o requerimento da inclusão do nome da executada em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/15) pode ser indeferido sob o fundamento de que as exequentes possuem meios técnicos e a expertise necessária para promover, por si mesmas, a inscrição direta junto aos órgãos de proteção ao crédito.

4. Dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/15 que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.

5. O dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício. Ademais, depreende-se da redação do referido dispositivo legal que, havendo o requerimento, não há a obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor, tratando-se de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto.

6. Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual.

7. Na espécie, o indeferimento do pleito pelo Tribunal de origem deu-se unicamente com base no fundamento de que as recorrentes possuem meios técnicos e expertise necessária para, por si mesmas, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes, não tendo sido tecida quaisquer considerações acerca da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação – o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/15.

8. Assim, impõe-se o retorno dos autos à origem para que seja analisada, na hipótese concreta dos autos, a necessidade de se deferir a inclusão do nome da devedora nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, independentemente das condições econômicas das exequentes para, por si próprias, promoverem tal inscrição.

9. É possível ao julgador, contudo, ao determinar a inclusão do nome do devedor nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, nos termos do art. 782, § 3º, do CPC/15, que atribua ao mesmo - desde que observada a condição econômica daquele que o requer - a responsabilidade pelo pagamento das custas relativas à referida inscrição.”

(STJ, REsp n. 1887.712-DF, Terceira Turma, j. 27.10.2020, v.u., grifou-se) 

Com mais vagar, o voto condutor bem analisa: 

(...) 5. Com efeito, o CPC/15 prevê um rol variado de medidas executivas típicas e, em evidente inovação, prevê a possibilidade de serem empregadas, também, medidas executivas atípicas para se obter a satisfação da obrigação, não delineadas previamente no diploma legal.

6. Tais medidas visam a garantir maior celeridade e efetividade ao processo, uma vez que incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

7. Com isso, o legislador optou por abandonar o princípio até então vigente (ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia), da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material.

8. Dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/15 que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.

9. Tal medida – também uma inovação trazida pelo CPC/15 – é salutar, pois tende a inibir a inadimplência venal que usa do trâmite judicial para procrastinar a satisfação da obrigação (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.749).

10. De fato, o apontamento do nome do devedor nos cadastros de maus pagadores representa inegável limitação de crédito, de maneira que a medida pode atuar de forma positiva no cumprimento, por parte daquele, da obrigação inadimplida, afinal, a inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o pagamento ou se for garantida a execução (art. 782, § 4º, do CPC/15).

11. Por este motivo é que se elucida que na execução indireta (medidas atípicas), as medidas executivas não possuem força para satisfazer a obrigação inadimplida, atuando tão somente sobre a vontade do devedor (REsp 1.788.950/MT, 3ª Turma, DJe 26/4/19).

12. Salienta-se que o dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício.

(...)

16. Não se descura, tampouco, de que, nos termos do art. 6º do CPC/2015, todos os sujeitos do processo – aí incluindo-se o julgador – devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

17. Vale lembrar que esta 3ª Turma, recentemente, analisou a questão sob a ótica da necessidade de se haver um prévio requerimento extrajudicial da parte antes do pleito judicial fundado no art. 782, § 3º, do CPC/15. Em conclusão, entendeu-se que não há qualquer óbice para que o requerimento seja feito diretamente pela via judicial, no bojo da execução, sem a necessidade de ter havido prévio requerimento extrajudicial.

18. Em seu voto, o min. relator bem elucidou que:

Ocorre que, conquanto o magistrado não esteja obrigado a deferir a medida executiva prevista no referido dispositivo, não se revela legítimo o fundamento adotado pelas instâncias ordinárias no caso ora em julgamento, no sentido de que "o acionamento do aparato judiciário somente se justifica se o credor não conseguir obter administrativamente a averbação da existência da ação nos referidos cadastros" (e-STJ, fl. 42).

Ora, além de o Tribunal de origem ter criado um requisito não previsto em lei para a adoção da medida executiva de negativação do nome do devedor, tal entendimento está na contramão de toda a sistemática trazida com o novo Código de Processo Civil, em que se busca a máxima efetividade da tutela jurisdicional prestada, conforme já destacado.

Com efeito, em decorrência do princípio da efetividade do processo, a norma do art. 782, § 3º, do CPC/2015, que possibilita a inscrição do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes, deve ser interpretada de forma a garantir maior amplitude possível à concretização da tutela executiva, não sendo razoável que o Poder Judiciário imponha restrição ao implemento dessa medida sem qualquer fundamento plausível e em manifesto descompasso com o propósito defendido pelo novo CPC, especialmente em casos como o presente, em que as tentativas de satisfação do crédito foram todas frustradas.

Não se olvida que nada impede que o credor requeira extrajudicialmente a inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes. Todavia, também não há qualquer óbice para que esse requerimento seja feito diretamente pela via judicial, no bojo da execução, como possibilita expressamente o art. 782, § 3º, do CPC/2015 (REsp 1.835.778/PR, 3ª Turma, DJe 06/02/2020) (grifos acrescentados).

19. Importante salientar que o indeferimento do pleito pelo TJDFT deu-se unicamente com base no fundamento de que as recorrentes possuem meios técnicos e expertise necessária para, por si mesmas, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes, não tendo sido tecida quaisquer considerações acerca da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação – o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/2015.”(grifou-se) 

O entendimento acima soa acertado. Respeitado entendimento em sentido contrário, soa temerário ao intérprete exigir requisitos onde o legislador não criou, até porque o processo de execução é aparelhado a serviço do credor inadimplido (Princípio da Execução), a caber ao Poder Judiciário o manejo de técnicas e mecanismos destinados à satisfação da tutela executiva, reservado ao devedor, sempre, o exercício do contraditório e ampla defesa. Inverter tal lógica significa fomentar a inadimplência, senão mitigar o já difícil e tortuoso caminho da efetividade da tutela executiva2.

_____________

1 Art. 782. Não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos, e o oficial de justiça os cumprirá.

§ 1º O oficial de justiça poderá cumprir os atos executivos determinados pelo juiz também nas comarcas contíguas, de fácil comunicação, e nas que se situem na mesma região metropolitana.

§ 2º Sempre que, para efetivar a execução, for necessário o emprego de força policial, o juiz a requisitará.

§ 3º A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.

§ 4º A inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o pagamento, se for garantida a execução ou se a execução for extinta por qualquer outro motivo.

§ 5º O disposto nos §§ 3º e 4º aplica-se à execução definitiva de título judicial. 

2 É certo que falta dados empíricos a demonstrar o que é mais comum no cenário brasileiro: crises de inadimplemento que culminam em dezenas de ações de execução cuja tentativa de satisfação do crédito se arrasta por anos ou, de outra banda, eventual abuso por parte de magistrados quanto a aplicação das medidas executivas? A resposta a tais indagações deveria ser condição primária para toda e qualquer tentativa interpretativa quanto ao comando da lei, em especial a limitação de medidas executivas atípicas.


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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).