CPC na prática

Sucumbência recíproca e majoração de honorários advocatícios

Sucumbência recíproca e majoração de honorários advocatícios.

3/12/2020

O tema honorários advocatícios tem ocupado espaço de recentes contribuições postas no bojo da presente coluna.

Já foram referenciados julgados da Primeira à Quarta Turmas do STJ, que entenderam por afastar a aplicação da regra de equidade (art. 85, § 8º do CPC) nas hipóteses que não se enquadram na situação objetiva ali prevista pelo legislador, a prevalecer a inteligência do art. 85, § 2º do CPC1-2. Apontamos também recente julgado da Quarta Turma do STJ, forte em não se importar quanto a condenação milionária da verba honorária advocatícia aplicada, pois em verdade estava a cumprir fielmente com o comando previsto no art. 85, § 2º, do CPC3. Por sinal, tal questão específica consolidou o Tema n. 1046, por meio do qual o STJ, nos recursos especiais n. 1812301/SC e 1822171/SC, por meio do v. acórdão de 17.03.2020, publicado aos 26.03.2020, afetou, sob o regime de recursos repetitivos, o julgamento da seguinte questão jurídica: "possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil de 2015."

O Professor Rogério Mollica também já contribuiu com a presente coluna ao tratar da sucumbência recursal e julgamento de embargos de declaração4, sem prejuízo de outro notável artigo quanto a impossibilidade de aplicação de sucumbência recursal na hipótese do recurso, improvido, ter por objeto exclusivo a majoração da verba honorária advocatícia anteriormente fixada5.

Recentemente o STJ decidiu acerca da possibilidade ou não de majoração da verba honorária advocatícia (regra prevista no art. 85, § 11º, do CPC) quando, em havendo sucumbência recíproca, sobrevier recurso de uma ou ambas as partes:

"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE A MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, é possível a majoração dos honorários advocatícios na forma do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.

2. A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.

3. Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe que “[a] sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”.

4. A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais – ou contratuais –, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui.

5. Acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria.

6. Ademais, nas hipóteses tais como a presente, em que a sucumbência recíproca não é igualitária, a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência.

7. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.

8. Na espécie, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo da parte ora agravante, empreendeu nova distribuição da sucumbência entre os litigantes. Essa circunstância impede a majoração dos honorários sucumbenciais, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC.

9. Agravo interno não provido."

(AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1.495.369/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, v.u., j. 01.09.2020, grifou-se)

Referido julgado, por unanimidade, bem observou:

"(...) 4. No entanto, com a devida venia, penso que a sucumbência recíproca, por si só, não é óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC.

De início, é importante ressaltar que, à luz do disposto no art. 22 da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB), os honorários advocatícios contratuais – em que a parte convenciona livremente com o seu patrono – não se confundem com os sucumbenciais – que são devidos pelo derrotado na demanda, à luz da disposição contida na norma processual de regência.

(...)

Ademais, importante ressaltar que o novo Código de Processo Civil, no parágrafo 14 do art. 85, é expresso no sentido de que "[o]s honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial", de modo que não se aplica o entendimento desta Corte Superior, firmado sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, de que "[o]s honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte" (Súmula 306/STJ).

Sobre a questão, a doutrina de José Miguel Garcia Medina também aponta para essa solução, de que, havendo sucumbência recíproca, cada uma das partes é responsável pelo pagamento dos honorários de sucumbência do patrono da parte contrária. Confira-se: 

I. Honorários advocatícios e sucumbência recíproca. Os honorários advocatícios "pertencem ao advogado" (art. 23 da Lei 8.906/1994). Os honorários são remuneração pelo trabalho do advogado, tendo caráter alimentar. Assim, se ambas as partes forem sucumbentes, deverão ser condenadas a pagar ao advogado da outra o valor do honorários respectivos. Como credor dos honorários é o advogado (e não a parte por ele representada), os honorários devidos aos advogados de partes adversárias não podem ser compensados.

Nesse sentido, o CPC/2015 dispõe que é vedada a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, § 14, do CPC/2015). O art. 86 do CPC/2015, assim, deve ser compreendido a partir da leitura do § 14 do art. 85 do CPC/2015 (cf. também comentário ao art. 85 do CPC/2015).

(In.: Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 5ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, p. 192 - g.n.) 

Assim, penso que, no tocante aos honorários de sucumbência, a relação jurídica se estabelece entre a parte e o advogado da parte contrária – e não entre a parte e o seu próprio causídico –, sob pena de exsurgirem situações incongruentes e de conflito de interesses, a seguir apontadas.

(...)

Desse modo, uma vez estabelecido o grau de sucumbência recíproca entre os litigantes, a parte autora fica responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do réu, e o réu, responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência do advogado do autor.

Insta salientar que essa providência também afasta qualquer tipo de conflito de interesses entre as partes e os advogados que as representam quando há o deferimento de gratuidade de justiça, tal como apontado alhures.

Para se demonstrar o acerto da sistemática que ora se propõe, no caso dos autos – honorários de sucumbência fixados em R$ 100.000,00, o autor responsável por 20% das despesas, e o réu, arcando com 80% das despesas –; o autor deverá pagar R$ 20.000,00 devidamente corrigidos ao advogado do réu, ao passo que o réu deverá pagar ao advogado do autor R$ 80.000,00, devidamente corrigidos. Nesse contexto, ressoa inequívoco, a meu juízo, que estar caracterizada a sucumbência recíproca, por si só, não constitui óbice à majoração dos honorários advocatícios em sede recursal, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC, nos casos em que estiverem presentes os requisitos para tal providência. A majoração, todavia, deverá incidir tão somente a parcela dos honorários de sucumbência que couber ao advogado que pode se beneficiar da regra contida no mencionado dispositivo legal (no caso, R$ 80.000,00), sob pena de, em determinadas situações, se majorar indevidamente a verba honorária de sucumbência do patrono da parte contrária.

(...)" 

O julgado supra citado compõe mais um capítulo do tormentoso tema "honorários advocatícios", desta feita, para afirmar e esclarecer que (i) sucumbência recíproca, diferentemente do regime do CPC/73, não significa determinar que "cada parte arcará com o pagamento dos honorários sucumbenciais do respectivo patrono" ou, ainda, "a compensação da verba honorária sucumbencial" (ponto inclusive vedado pelo art. 85, § 14, do CPC),  mas sim que, por se tratar de relações jurídicas distintas, a parcela sucumbente de cada parte há de ser paga ao patrono do ex adverso.

Ainda, referido julgado complementa que, (ii) a majoração da verba honorária advocatícia recursal (art. 85, § 11º), também se aplica à hipótese de sucumbência recíproca, desde que a) a decisão recorrida tenha sido publicada sob a vigência do CPC/2015 (18/03/2016), b) o recurso não seja conhecido integralmente ou improvido, singularmente ou pelo colegiado competente e, c) haja sido fixada pretérita condenação na verba honorária advocatícia pelo juízo ou tribunal a quo, observados os limites estabelecidos nos parágrafos 2º e 3º, do art. 85 do CPC.

__________

1 Aplicação extensiva de honorários advocatícios por equidade: primeiros passos para a uniformização do tema.

2 Honorários advocatícios por equidade além da previsão legal: 1ª a 4ª Turmas do STJ já afastaram interpretação extensiva. Agora Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o STF.

3 Honorários Advocatícios por Equidade em Demanda de Valor Milionário.

4 Sucumbência recursal e o julgamento dos embargos de declaração.

5 Sucumbência recursal e apelação somente para majoração dos honorários advocatícios.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).