O parágrafo primeiro do artigo 303 do CPC/15 estabelece que, uma vez concedida a tutela provisória antecipada antecedente, “o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar”.
Questão interessante que se pontua é se o prazo de 15 dias referido acima apenas tem sua contagem iniciada após intimação judicial específica para tanto, bem como se essa intimação só deve ocorrer após a segurança de que não houve no caso concreto o fenômeno da estabilização da tutela de que trata o artigo 304 do CPC/15.
No recentíssimo julgamento do Recurso Especial1.766.376/TO, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a abertura do prazo de que trata o parágrafo primeiro do artigo 303 do CPC/15 exige intimação judicial específica, bem como, expressamente, declarou que essa intimação só deve ocorrer caso o réu tenha evitado a estabilização da tutela nos termos do artigo 304 do CPC/15; e isso porque, conforme razões do voto da Ministra relatora, caso o réu não venha a se opor à concessão da tutela provisória antecipada antecedente, com a consequente estabilização dessa tutela provisória, não haveria motivo processual para o autor aditar sua petição inicial, uma vez que o processo será extinto nos termos do parágrafo primeiro do artigo 304 do CPC/15.
Veja-se:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. PROCEDIMENTO. ARTS. 303 E 304 DO CPC/15. ADITAMENTO DA INICIAL. INTIMAÇÃO ESPECÍFICA. PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO E DA ECONOMIA PROCESSUAL. ARTS. 4º, 139, IX, 321, CAPUT, 304, CAPUT E § 1º, e 1.003, § 5º, do CPC/15. PETIÇÃO. JUNTADA. CONTEÚDO. CONHECIMENTO INEQUÍVOCO. HIPÓTESE CONCRETA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1. Ação de tutela antecipada em caráter antecedente, na qual se pleiteia o cumprimento de contrato de prestação de serviços, fornecimento e instalação de sistemas de controle de acesso, provedor de internet, telefonia VOIP e de monitoramento digital de imagens.
2. Recurso especial interposto em 17/07/17 e concluso ao gabinete em 14/09/18. Julgamento: CPC/15.
3. O propósito recursal consiste em determinar se a juntada de petição pelo autor após a concessão da tutela antecipada antecedente é apta a: a) configurar a ciência inequívoca da parte a respeito de seu conteúdo e; b) demarcar o início do prazo de 15 (quinze) dias para o aditamento da petição inicial previsto no art. 303, § 1º, I, do CPC/15.
4. Nosso direito processual civil é instrumental e adota o sistema da legalidade das formas, de modo que é preciso que seu rigorismo formal seja observado com vistas a se oferecer segurança jurídica e previsibilidade à atuação do juiz e das partes, sendo abrandado quando o ato atingir a finalidade que motiva sua vigência.
5. A intimação das partes acerca dos conteúdos decisórios é indispensável ao exercício da ampla defesa e do contraditório, pois somente o conhecimento dos atos e dos termos do processo permite a cada litigante encontrar os meios necessários e legítimos à proteção de seus interesses.
6. No processo eletrônico, a ciência pessoal de todo o conteúdo do processo é presumida, em regra, com a intimação formal. Precedente.
7. Excepciona-se essa regra na juntada superveniente de petição cujo conteúdo revele a indispensável ciência de todo o conteúdo decisório, isto é, o inequívoco conhecimento da decisão e a plena ciência da parte de que deve tomar alguma atitude processual. Precedentes.
8. No CPC/15, a tutela provisória passa a ser uma técnica aplicada na relação processual de conhecimento ou de execução, mas que, na forma do art. 303, pode ser também requerida em caráter antecedente à própria formação da relação jurídica processual da tutela definitiva.
9. O propósito da previsão dos arts. 303 e 304 do CPC é, especificamente, proporcionar oportunidade à estabilização da medida provisória satisfativa, valorizando a economia processual por evitar o desenvolvimento de um processo de cognição plena e exauriente, quando as partes se contentarem com o provimento sumário para solucionar a lide.
10. O procedimento da tutela provisória é, portanto, eventualmente autônomo em relação à tutela definitiva, pois, para a superação dessa autonomia, é preciso que o requerido recorra da decisão que concede a antecipação da tutela, sob pena de a tutela estabilizar-se e o processo ser extinto.
11. Como, na inicial da tutela antecipada antecedente, o autor somente faz a indicação do pedido de tutela final, existe a previsão de que deve complementar sua argumentação, com a confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias ou outro maior fixado pelo juiz.
12. Os prazos do requerido, para recorrer, e do autor, para aditar a inicial, não são concomitantes, mas subsequentes.
13. Solução diversa acarretaria vulnerar os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, porquanto poderia resultar na extinção do processo a despeito da eventual ausência de contraposição por parte do adversário do autor, suficiente para solucionar a lide trazida a juízo.
14. Como a interposição do agravo de instrumento é eventual e representa o marco indispensável para a passagem do “procedimento provisório” para o da tutela definitiva, impõe-se a intimação específica do autor para que tome conhecimento desta circunstância, sendo indicada expressa e precisamente a necessidade de que complemente sua argumentação e pedidos.
15. Na hipótese dos autos, o conteúdo da petição juntada pelo autor, na qual requer a aplicação de multa em razão do descumprimento da tutela antecipada, não permite concluir por seu conhecimento inequívoco da determinação de aditar a inicial.
16. Além disso, a intimação do autor para o aditamento da inicial e o início do prazo de 15 (quinze) dias para a prática desse ato, previstos no art. 303, § 1º, I, do CPC/15, exigem intimação específica com indicação precisa da emenda necessária, como realizado pelo juízo do primeiro grau de jurisdição.
17. Recurso especial desprovido.” (g.n.).
O julgado acima, sem dúvida, é de enorme importância, pois ajuda a solucionar um claro conflito entre o prazo do artigo 303, parágrafo primeiro, do CPC/15, e a possibilidade de estabilização da tutela antecipada de que trata o artigo 304 do CPC/15. Até mesmo por economia processual, e em nome do princípio da eficiência de que trata o artigo 8º do CPC/15, faz todo o sentido exigir que o autor apenas proceda ao aditamento da petição inicial se o feito não estiver estabilizado nos termos do artigo 304 do CPC/15; dado que caso a tutela tenha se estabilizado, o processo será naturalmente extinto, conforme prevê o parágrafo primeiro do artigo 304 do CPC/15.
Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves1 leciona que: “o prazo previsto no artigo 303, parágrafo primeiro, I, do novo cpc, de certa forma conflita com a estabilização da tutela antecipada prevista no artigo 304 do novo cpc. Dentro da normalidade, o autor será intimado da concessão da tutela antecipada antes de o réu ser citado, de forma que se for computado o prazo previsto no artigo 303, parágrafo primeiro, I, do novo cpc, fatalmente o pedido de tutela antecipada já terá se convertido em processo principal quando o réu tiver a oportunidade de deixar de se irresignar contra a decisão concessiva. E nesse caso a extinção não será meramente do pedido de tutela provisória de urgência, mas sim do próprio processo principal. É possível até mesmo argumentar que, antes de saber se haverá ou não estabilização da tutela antecipada, não se pode exigir do autor a emenda de sua petição inicial, o que só se tornaria necessário se soubesse, diante da postura do réu, que o processo prosseguirá”. (g.n.).
Fundamental, portanto, até mesmo para a segurança jurídica, foi a orientação dada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema em tela, adotando-se o norte de que: (i) a abertura do prazo de que trata o artigo 303, parágrafo primeiro, do CPC/15, exige intimação específica; e (ii) tal intimação só deverá se dar se não ocorrer a estabilização da tutela de que trata o artigo 304 do CPC/15.
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1 Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodium, 2016. p. 448.