CPC na prática

Desnecessidade de intimação do revel na fase de conhecimento e necessidade da sua intimação no cumprimento de sentença

Desnecessidade de intimação do revel na fase de conhecimento e necessidade da sua intimação no cumprimento de sentença.

1/10/2020

O art. 346, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), estabelece que "os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial".

Assim, se o réu for citado regularmente e não contestar a ação, ele será considerado revel, nos termos do art. 344, do CPC/2015, sendo que não haverá necessidade de intimá-lo dos atos processuais subsequentes que forem praticados durante a fase de conhecimento, conforme o já mencionado art. 346, do mesmo diploma legal.

A regra acima mencionada, aparentemente, conflita com a regra do art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015, que prescreve, para a fase de cumprimento de sentença, que "o devedor será intimado para cumprir a sentença (...) por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos", salvo na hipótese de o réu ter sido citado por edital para o processo de conhecimento.

Em outras palavras, apesar de o art. 346 determinar que o réu revel não precisa ser intimado dos atos processuais, o art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015, preceitua que no início do cumprimento de sentença o réu revel (exceto o que foi citado por edital) deve ser intimado para cumprimento da decisão judicial por meio de carta com aviso de recebimento.

Diante disso, pergunta-se: o que deve prevalecer? A interpretação literal do art. 346, do CPC/2015, para todo o processo de conhecimento, inclusive para a fase de cumprimento de sentença? Ou, a interpretação que leva em consideração o inciso II do § 2º do art. 513 do mesmo diploma legal, no sentido de que, na fase de conhecimento não há necessidade de intimação mas, para o início da fase de cumprimento de sentença, é necessário intimar o réu revel que não foi citado por edital pessoalmente pelo correio por meio de carta com aviso de recebimento?

Note-se que as perguntas acima formuladas são bastante pertinentes pois, na vigência do CPC/1973, o art. 322, com a redação dada pela lei 11.280/06, tinha a seguinte redação:

"Art. 322. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório.

Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar".

Portanto, na vigência do Código de Processo Civil de 193, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que seria dispensada a intimação do réu para a fase de cumprimento de sentença. Confira-se, a propósito, a ementa:

"RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL.CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RÉU REVEL, CITADO PESSOALMENTE NA AÇÃO DE CONHECIMENTO, QUE NÃO CONSTITUIU ADVOGADO NOS AUTOS NEM APRESENTOU CONTESTAÇÃO. LEI Nº 11.232/05. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 322 DO CPC.

1. O artigo 535 do Código de Processo Civil não resta malferido quando o acórdão recorrido utiliza fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição ou obscuridade.

2. Nos termos do art. 322 do Código de Processo Civil, será dispensado da intimação dos atos processuais o réu revel que não constituiu advogado nos autos.

3. Após a edição da Lei nº 11.232/2005, a execução por quantia fundada em título judicial desenvolve-se no mesmo processo em que o direito subjetivo foi certificado, de forma que a revelia decretada na fase anterior, ante a inércia do réu que fora citado pessoalmente, dispensará a intimação pessoal do devedor para dar cumprimento à sentença.

4. Recurso especial improvido.

(REsp 1241749/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 13/10/2011, grifos nossos)".

Contudo, com a entrada em vigor do CPC/2015, foi expressamente inserido no diploma processual o já mencionado inciso II do parágrafo segundo do art. 513, que categoricamente determina que o devedor será intimado para cumprir a sentença por carta com aviso de recebimento quando não tiver procurador constituído nos autos. Tal disposição pertence ao CPC/2015 e não encontra correspondente no CPC/1973.

Portanto, atualmente, ainda que o réu tenha sido citado pessoalmente para o processo de conhecimento, não tenha apresentado defesa e seja considerado revel, ele deve ser intimado pessoalmente por carta com aviso de recebimento (por não ter procurador constituído nos autos) para o início da fase de cumprimento de sentença.

Nesse sentido foi a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça proferida em 02 de junho de 2020. Veja-se, a propósito, a ementa do acórdão:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REVELIA NA FASE COGNITIVA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DOS DEVEDORES POR CARTA PARA O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. REGRA ESPECÍFICA DO CPC DE 2015. REGISTROS DOUTRINÁRIOS.

1. Controvérsia em torno da necessidade de intimação pessoal dos devedores no momento do cumprimento de sentença prolatada em processo em que os réus, citados pessoalmente, permaneceram revéis.

2. Em regra, intimação para cumprimento da sentença, consoante o CPC/2015, realiza-se na pessoa do advogado do devedor (art. 513, § 2.º, inciso I, do CPC/2015) 3. Em se tratando de parte sem procurador constituído, aí incluindo-se o revel que tenha sido pessoalmente intimado, quedando-se inerte, o inciso II do §2º do art. 513 do CPC fora claro ao reconhecer que a intimação do devedor para cumprir a sentença ocorrerá "por carta com aviso de recebimento".

4. Pouco espaço deixou a nova lei processual para outra interpretação, pois ressalvara, apenas, a hipótese em que o revel fora citado fictamente, exigindo, ainda assim, em relação a este nova intimação para o cumprimento da sentença, em que pese na via do edital.

5. Correto, assim, o acórdão recorrido em afastar nesta hipótese a incidência do quanto prescreve o art. 346 do CPC.

6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(REsp 1760914/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020, grifos nossos)”.

A interpretação dada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ao art. 513, § 2º, inciso II, do CPC/2015 está em harmonia com o Princípio do Contraditório consagrado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e extremamente valorizado pelo diploma processual em vigor, como se percebe da simples leitura 7º, 9º e 10, entre outros. Assim, a decisão da Corte Superior acima referida é digna de aplausos e absolutamente correta.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).