CPC na prática

Uma radiografia dos recentes acórdãos da 3ª Turma do STJ quanto à aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15

Uma radiografia dos recentes acórdãos da 3ª Turma do STJ quanto à aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15.

17/9/2020

O artigo 139, IV, do CPC/15 dispõe que cabe ao magistrado determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

O tema desperta muitas polêmicas no Brasil.

Para Fernando da Fonseca Gajardoni1, o artigo 139, IV, revela um verdadeiro dever de efetivação, sendo que "diante do risco de violação do correlato dever de efetivação, o juiz, sendo possível, deverá advertir a parte ou o terceiro de que seu comportamento poderá ser considerado ato atentatório à dignidade da Justiça. Após, sendo constatada a violação, deverá o juiz: (a) aplicar sanções criminais e civis ao litigante improbo; (ii) aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta; e (c) tomar as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenha por objeto prestação pecuniária (astreintes, bloqueio de bens móveis, imóveis, de direitos e de ativos financeiros, restrição de direitos, prolação de decisões substitutivas da declaração de vontade, etc.)".

Na mesma linha segue a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno2, no sentido de que o artigo 139 revela "regra que convida à reflexão sobre o CPC de 2015 ter passado a admitir, de maneira expressa, verdadeira regra de flexibilização das técnicas executivas, permitindo ao magistrado, consoante as peculiariedades de cada caso concreto, modificar o modelo preestabelecido pelo código, determinando a adoção, sempre de forma fundamentada, dos mecanismos que mostrem mais adequados para a satisfação do direito, levando em conta as peculiariedades do caso concreto. Um verdadeiro dever-poder geral executivo, portanto. Aceita esta proposta, que, em última análise, propõe a adoção de um modelo atípico de atos executivos, ao lado da tipificação feita pelos arts. 513 a 538, que disciplinam o cumprimento de sentença, e ao longo de todo o livro II da parte especial, voltado ao processo de execução, será correto ao magistrado flexibilizar as regras previstas naqueles dispositivos codificados consoante se verifiquem insuficientes para a efetivação da tutela jurisdicional".       

Teresa Arruda Alvim3, por outro lado, enfatiza a necessidade de o inciso IV do artigo 139 do novo CPC/15 ser interpretado "com grande cuidado, sob pena de, se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrendo completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória".

Flávio Luiz Yarshell4, por sua vez, doutrina que, quanto ao artigo 139, IV, "será preciso cuidado na interpretação desta norma, porque tais medidas precisam ser proporcionais e razoáveis, lembrando-se que pelas obrigações pecuniárias responde o patrimônio do devedor, não sua pessoa. A prisão civil só cabe no caso de divida alimentar e mesmo eventual outra forma indireta de coerção precisa ser vista com cautela, descartando-se aquelas que possam afetar a liberdade e ir e vir e outros direitos que não estejam diretamente relacionados com o patrimônio do demandado".

Como visto, já há rica polêmica quanto à aplicação do inciso IV do artigo 139 do novo CPC/15. A doutrina e a jurisprudência terão importante papel na definição dos limites da aplicação dos meios atípicos de execução.

Nesse contexto, são de enorme importância os entendimentos do Poder Judiciário sobre os limites de aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15.

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria algumas vezes, merecendo destaque algumas das diretrizes aplicadas.

Em 23/6/2020, no julgamento do HC 558313 / SP, tendo sido relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgou-se no sentido de que: 

"Na linha do entendimento firmado, portanto, apenas diante da existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, ou que vem adotando subterfúgios para não quitar a dívida, ao magistrado é autorizada a adoção subsidiária de medidas executivas atípicas, tal como a apreensão de passaporte, e desde que justifique, fundamentadamente, a sua adequação para a satisfação do direito do credor, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e observado o contraditório prévio".

Em 23/3/2020, no julgamento do AgInt no REsp 1837680 / SP, tendo sido relator o ministro Moura Ribeiro, julgou-se no sentido de que:

"Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes". 

Em 13/2/2020, no julgamento do AgInt no REsp 1837309 / SP, tendo sido relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgou-se no sentido de que:

"É possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade". 

Em 19/8/2019, no julgamento do AgInt no REsp 1785726 / DF, tendo sido relator o ministro Marco Aurélio Bellizze, julgou-se no sentido de que: 

"Nos  termos  do  art.  139,  IV,  do  CPC/2015,  incumbe ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias  necessárias  para  assegurar  o cumprimento de ordem judicial,  inclusive  nas  ações  que tenham  por  objeto prestação pecuniária. "Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos,   a   decisão   deve   ser   fundamentada   e  sujeita  ao contraditório,  demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia das que foram deferidas anteriormente. No  caso,  segundo assinalou o órgão julgador, após esgotados os meios  típicos  de  satisfação  da dívida, a fim de reforçar os atos tendentes  ao  cumprimento  da  obrigação  reconhecida  pelo  título judicial, optou o magistrado por eleger medida indutiva e coercitiva que  considerou   adequada,   necessária,   razoável   e  proporcional.  Esse entendimento  foi encampado pelo Tribunal local, que ainda ressaltou o  fato  de que o executado possui alto padrão de vida, incompatível com  a  alegada ausência de patrimônio para arcar com o pagamento da indenização   decorrente  do  acidente  que  provocou".

Em 23/4/2019, no julgamento do REsp 1788950 / MT, tendo sido relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgou-se no sentido de que:

"O  propósito  recursal  é  definir  se  a  suspensão da carteira nacional  de  habilitação  e  a retenção do passaporte do devedor de obrigação  de  pagar  quantia  são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo. A  interposição  de  recurso  especial não é cabível com base em suposta  violação  de  dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo  que  não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. O  Código  de  Processo  Civil  de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe  ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias   necessárias  para  assegurar  o cumprimento  de  ordem  judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). A  interpretação  sistemática  do  ordenamento  jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de  qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. De  acordo  com  o  entendimento  do  STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em   nenhuma   circunstância   poderão  se  distanciar  dos  ditames constitucionais,  apenas  sendo possível a implementação de comandos não  discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. A  adoção  de  meios  executivos  atípicos  é cabível desde que, verificando-se  a  existência  de  indícios  de que o devedor possua patrimônio   expropriável,  tais  medidas  sejam  adotadas  de  modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às   especificidades   da  hipótese  concreta,  com  observância  do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade".

Como visto, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já vem delineando requisitos para a aplicação do artigo 139, IV, do CPC/15, almejando construir uma técnica de conformidade entre este dispositivo e os princípios presentes nos artigos 4, 6, 8 e 9 do CPC/15.  

__________

1 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O modelo presidencial cooperativista e os poderes e deveres do juiz do novo CPC. In: O Novo Código de Processo Civil, Questões Controvertidas. Vários autores. São Paulo: Atlas, 2015. p. 142.

2 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 165.

3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. TORRES de MELLO, Rogério Licastro. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 1ª. Edição. São Paulo: RT, 2015. p. 264.

4 COELHO, Marcus Vinicius Furtado. MEDEIROS NETO, Elias Marques de. YARSHELL, Flávio Luiz. PUOLI, José Carlos Baptista. O Novo Código de Processo Civil: Breves Anotações para a Advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016. p. 28.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).