CPC na prática

A Recorribilidade na Produção Antecipada de Prova

A Recorribilidade na Produção Antecipada de Prova.

16/7/2020

O Código de Processo Civil de 2.015 (CPC/2015) alargou o alcance da Produção Antecipada de Prova prevendo uma ação de caráter genérico, autônomo e amplo a possibilitar a coleta antecipada de qualquer tipo de prova.

Ganhando o instituto uma maior importância em nosso ordenamento é claro que surgem muitas controvérsias em sua aplicação, sendo que uma das principais é a previsão do artigo 382, § 4º, do CPC, que prevê que “Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário."1

Cumpre desde logo ressaltar que a inadmissão à apresentação pura e simples de defesa se mostra inconstitucional e ilegal2. Entretanto, no presente artigo pretendemos focar na impossibilidade da interposição de recursos, exceto contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.

Tal entendimento é totalmente contrário ao estabelecido no artigo 5º, § LV, da Constituição Federal, que prevê expressamente que “são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Entretanto, temos muitos julgados aplicando literalmente a previsão supra citada e não conhecendo de recursos em Produção Antecipada de Provas:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO Produção antecipada de provas. Decisão que determina expedição de mandado de busca e apreensão de documentos faltantes e listados pela autora - A agravada ajuizou em face do agravante ação de produção de provas (exibição de documentos), que não admite defesa ou recurso, de modo que ausente o requisito objetivo de admissibilidade do recurso, qual seja, o seu cabimento Exegese do § 4º do art. 382 do NCPC Precedentes desta corte de Justiça – Recurso não conhecido.” (TJSP; Agravo de Instrumento nº 2012313-61.2020.8.26.0000; Relator Des. José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto; 37ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 14/02/2020; Data de Registro: 14/02/2020)

A Doutrina, como não poderia deixar de ser, se mostra contrária a tal injustificável limitação recursal. Nesse sentido é o entendimento do professor Flávio Luiz Yarshell: “Também foi infeliz a disposição que pretendeu restringir o cabimento de recurso, limitada que foi à hipótese da decisão que indeferir totalmente a produção antecipada da prova. De forma semelhante ao que foi dito sobre a defesa do réu, aqui a lei pareceu ignorar que o deferimento da antecipação pode violar direitos constitucionalmente assegurados, como sigilo, intimidade e privacidade. Ou seja: a lei parece ter partido da falsa premissa de que o deferimento da prova jamais poderia acarretar prejuízo para o demandado; o que é clamoroso equívoco. Portanto, na premissa de que a decisão que deferir a prova também pode ensejar interesse recursal, a supressão legal – tanto mais porque gera injustificado desequilíbrio entre os litigantes – deve, mais uma vez, ser interpretado à luz da Constituição Federal e dos limites trazidos pelo § 2º do art. 382: só não há interesse recursal para tratar de aspectos relativos à valoração da prova ou ao mérito da decisão (salvo, de novo, se isso levar à inadmissibilidade da prova ou de sua antecipação), Em último caso, se não couber recurso, haverá de caber medida impugnativa autônoma. Além disso, no curso do processo é possível, em tese, que haja atos de caráter decisório – sobre competência, composição da relação processual, de deferimento ou indeferimento de quesitos, de nomeação de perito incapaz ou suspeito, apenas para ilustrar – gerar prejuízo imediato e não apenas potencial. Eles ensejarão recurso de agravo na forma de instrumento, pela simples razão de que, como a sentença nada resolverá sobre o mérito, isso tende a tornar realmente desnecessário eventual recurso de apelação; donde não haver como concentrar a impugnação para o final. Nem seria sustentável – porque irracional – que o autor tivesse a faculdade e ônus de apelar exclusivamente para suscitar as irregularidades cometidas ao longo do processo."3

Entretanto, em recentes decisões, o Tribunal de Justiça de São Paulo admitiu a apresentação de recursos fora da previsão legal, conforme se depreende dos seguintes julgados:

“PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS – CABIMENTO DE RECURSO CONTRA DECISÃO QUE CAUSA GRAVAME À PARTE – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - Avaliação do imóvel situado na Av. Francisco Morato, São Paulo - Decisão agravada que indeferiu o pedido de complementação do laudo e de esclarecimentos do perito, considerando as avaliações particulares apresentadas pela agravante – Inconformismo da parte – Acolhimento - Pronunciamento que ostenta cunho decisório, passível de agravo de instrumento, tendo em vista que o próprio perito destacou que o método involutivo é que mais se aproxima ao valor de mercado – Agravante que tem direito aos haveres na dissolução da sociedade OTAPAN EMPRENDIMENTOS, na proporção de suas quotas sociais, levando-se em conta o valor da universalidade do patrimônio, incluindo todos os bens corpóreos e incorpóreos, ativos e passivos, a fim de que o quinhão represente, efetivamente, a participação da agravante na sociedade – RECURSO PROVIDO.

(TJSP; Agravo de Instrumento 2011569-66.2020.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/06/2020; Data de Registro: 02/07/2020)

“APELAÇÃO. AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. Sentença homologatória de prova pericial. Insurgência pela ré. Cabimento. Prova pericial antecipada para identificação de defeitos construtivos em imóvel. Despacho que determinou a realização da perícia e a citação da ré, sem que tenha havido efetivo cumprimento do ato citatório, efetivado após a conclusão da prova e entrega do laudo. Nulidade arguida na contestação, primeira oportunidade em que a ré falou nos autos, sem apreciação, sendo proferida sentença homologatória do laudo. Limitações à defesa e recurso (art. 382, §3º CPC) que dizem respeito ao direito material, objeto de futura demanda, mas não às condições de admissibilidade e observância a requisitos de realização da própria prova a ser antecipada. Ausência de oportunização à ré à formulação de quesitos, indicação de assistente técnico e efetivo acompanhamento à realização da perícia que resultou em violação ao devido processo legal. Sentença anulada, com determinação de retorno dos autos à origem. RECURSO PROVIDO.

(TJSP; Apelação Cível 1001871-55.2016.8.26.0562; Relator (a): Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/06/2020; Data de Registro: 29/06/2020)

Desse modo, é de se concordar com os referidos julgados do TJSP, eis que o que não cabe em produção antecipada é a valoração da prova e recursos quanto ao resultado da prova produzida, entretanto, questões de ordem pública e quanto ao cabimento e a realização da prova devem ser passíveis de recurso, sob pena de inconstitucionalidade do artigo 382, § 4º do Código de Processo Civil de 2015.

____________

1 Cássio Scarpinella Bueno aponta que “Os Projetos do Senado (art. 368, § 4º) e da Câmara (art. 389, § 4º), contudo, previam a recorribilidade também nos casos de indeferimento parcial. Trata-se, assim, de mais um caso em que a etapa final dos trabalhos legislativos gerou inconstitucionalidade formal, porque extrapola os limites do apuro da técnica legislativa ou redacional. É o caso de aceitar, por isso, a recorribilidade em ambas as hipóteses, aplicando-se, à hipótese o inciso XIII do art. 1.015.” (Novo Código de Processo Civil anotado, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 349).

2 Neste sentido é o entendimento de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini em seu Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2, 16ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 374.

3 In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 1.042. No mesmo sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: “O mesmo se diga do cabimento de recurso, sendo inadmissível tornar o juiz um pequeno soberano na produção da prova sem que exageros e/ou ilegalidades possam ser revistas pelo tribunal de segundo grau. O juiz determina a oitiva de testemunha incapaz e a parte não pode recorrer? O juiz admite a produção de prova ilícita e não há como impugnar a decisão? O juiz fixa os honorários periciais num valor estratosférico e ninguém poderá recorrer? Fica realmente difícil explicar a opção do legislador sem ofender frontalmente o princípio do contraditório. Nota-se que a previsão do art. 382, § 4º do Novo CPC prevê a irrecorribilidade de decisões proferidas na ação autônoma probatória, somente admitindo a apelação contra a sentença que inadmitir totalmente a produção da prova e com isso extinguir o processo. Nem mesmo o indeferimento parcial é recorrível, porque embora seja realizado por meio de uma decisão interlocutória de mérito se afasta a aplicação do art. 1.015, II do Novo CPC pela expressa previsão de irrecorribilidade. Como se nota, não se trata de irrecorribilidade por agravo, mas de irrecorribilidade por qualquer espécie recursal.” (Manual de Direito processual Civil, 8ª ed., Salvador: Juspodvim, 2016, p.682). Já Fredie Didier Jr. discorda quanto ao não cabimento de agravo em caso de indeferimento parcial: “Se a decisão rejeitar totalmente a produção da prova, o caso é de sentença apelável – daí a expressa previsão legal. Se, porém, o requerente cumular pedidos – produção de mais de uma prova – e o juiz não admitir, por decisão interlocutória, a produção de apenas uma delas, o caso é de agravo de instrumento – está-se diante de uma decisão interlocutória de mérito (art. 1.015, II, CPC) (Produção Antecipada da Prova, Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 5 - Direito Probatório, coord. Marco Félix Jobim e William Santos Ferreira, 3ª ed., Salvador: Juspodvim, 2018, p. 730). Já em sentido contrário e muito mais restritivo Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello entendem que “será impugnável por meio de agravo de instrumento decisão acerca da exibição ou posse de documento ou coisa (art. 1.015, VI, NCPC). Contra as demais decisões, cujo conteúdo não esteja relacionado no art. 1.015 do NCPC, não será cabível o agravo de instrumento. Em razão disso, sentindo-se prejudicado, o interessado poderá lançar mão de mandado de segurança contra ato judicial. Poderá, ainda, impugnar a decisão em preliminar de apelação ou contrarrazões.” (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 738).

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).