CPC na prática

O tratamento da astreinte na visão do STJ

O tratamento da astreinte na visão do STJ.

4/6/2020

Texto de autoria de Daniel Penteado de Castro

A multa cominatória fixada pelo juiz com vistas a compelir o devedor ao cumprimento de obrigação de fazer, restou disciplinada no art. 537 do CPC/2015, de sorte que a nova redação do art. 437 (antes, art. 461-A, do CPC/73) inovou ao (i) prever a revisão do valor da multa referente as prestações vincendas (art. 537, § 1º), (ii) estabeleceu alguns critérios para a análise da revisão como a insuficiência ou quando ser tornou excessiva, assim como o exame do cumprimento parcial do devedor ou justa causa para o respectivo inadimplemento, assim como (iii) a exigibilidade imediata da multa, porém condicionado seu levantamento após trânsito em julgado da sentença favorável à parte1.

Antes da vigência do CPC/2015 a Segunda Seção do STJ já havia consolidado o Tema n. 706, quando do julgamento do Recurso Especial 1333988/SP, afetado sob o rito de recurso especial repetitivo, para assim fixar a tese de que "a decisão que comina astreinte não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada".

Muito embora referido tema tenha sido examinado antes da vigência do CPC/2015, tal entendimento parece ter se mantido. E, dentre as novas balizas trazidas na redação do art. 537 do CPC/2015, o tratamento dado pelo STJ ao tema vem observando outros requisitos quanto ao exame e alcance dos pleitos de revisão da astreinte. Nesse sentido colaciona-se os recentíssimos julgados a respeito do tema:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ORDEM JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS RESPEITADOS. TETO. FIXAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. A decisão que arbitra astreintes, instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. Precedentes.

3. Para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante.

4. Razoabilidade e proporcionalidade das multas cominatórias aplicadas em virtude do reiterado descumprimento de ordens judiciais. A exigibilidade da multa aplicada é a exceção, que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que para nela não incidir basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial.

6. Tendo sido a multa cominatória estipulada em valor proporcional à obrigação imposta, não é possível reduzi-la alegando a expressividade da quantia final apurada se isso resultou da recalcitrância da parte em promover o cumprimento da ordem judicial.

Precedentes.

7. Admite-se, excepcionalmente, a fixação de um teto para a cobrança da multa cominatória como forma de manter a relação de proporcionalidade com o valor da obrigação principal.

8. Hipótese em que a limitação pretendida não se justifica, diante da qualificada recalcitrância da instituição financeira em promover a simples retirada do nome do autor de cadastro restritivo de crédito, associada à inadequada postura adotada durante toda a fase de cumprimento do julgado.

9. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.

10. Recurso especial não provido. (...)

Ao final de seu voto, destacou Sua Excelência que "a vinculação das astreintes à obrigação principal ou à dimensão econômica do dever, apesar de parâmetro confiável, não é, por óbvio, critério absoluto, sendo apenas um dos elementos a ser levados em conta" (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016 - grifou-se). Nessa mesma ocasião, foram elencados os seguintes parâmetros para a adequada fixação do valor das astreintes: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss). O descumprimento de uma ordem judicial, além de poder configurar o crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do

(...)

No caso em apreço, a má conduta atribuída à instituição financeira foi ainda agravada por alguns fatores, dos quais merecem ser destacados os seguintes: a) a recalcitrância perdurou pelo longo período de 27/10/2014 a 18/9/2015; b) a simples retirada do nome de uma pessoa de cadastro restritivo de crédito não apresenta nenhuma dificuldade de ordem técnica ou operacional, a justificar a exasperação do prazo concedido pelo juízo para tal providência e c) não foram apresentados motivos plausíveis para o descumprimento da ordem judicial. Na espécie, o credor também não tinha meios de mitigar o seu próprio prejuízo, tampouco se poderia exigir do juízo a adoção de outras formas de cumprimento da obrigação. Nessa perspectiva, sopesando todos os parâmetros que devem nortear a fixação da multa cominatória e considerando o deliberado descumprimento da ordem judicial, outra alternativa não resta senão manter a execução pelo valor originariamente apresentado pelo credor. O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal e da segurança jurídica, deve zelar pela credibilidade do Poder Judiciário como um todo, dele devendo partir as diretrizes que dão sustento à força cogente das decisões judiciais em qualquer instância, e não servir de inspiração para o desacato premeditado das ordens que emanam desse Poder, cabendo aqui a máxima de que "ordem judicial não se discute, se cumpre". Em um Estado Democrático de Direito, as ordens judiciais não são passíveis de discussão, senão pela via dos recursos cabíveis. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. A respeito do tema, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero assim prelecionam:"(...) A tutela jurisdicional tem de ser efetiva. Trata-se de imposição que respeita aos próprios fundamentos do Estado Constitucional, já que é facílimo perceber que a força normativa do Direito fica obviamente combalida quando esse carece de atualidade. Não por acaso a efetividade compõe o princípio da segurança jurídica – um ordenamento jurídico só é seguro se há confiança na realização do direito que se conhece. A efetividade da tutela jurisdicional diz respeito ao resultado do processo." (Código de processo civil comentado [livro eletrônico], 6. ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020 - grifou-se) Admitir que a multa fixada em decorrência do descumprimento de uma ordem judicial seja, em toda e qualquer hipótese, limitada ao valor da obrigação é conferir à instituição financeira livre arbítrio para decidir o que melhor atende aos seus interesses, devendo ser admitida a fixação de um teto apenas em situações excepcionais, constatadas a partir das especificidades do caso concretamente examinado. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto. (...)"

(STJ, REsp 1819069/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020, grifou-se)

"RECURSOS ESPECIAIS. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VALORES BLOQUEADOS. BACEN-JUD. TRANSFERÊNCIA. ORDEM JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. REDUÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS RESPEITADOS. TETO. FIXAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. A decisão que arbitra astreintes, instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. Precedentes.

3. Para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante.

4. Razoabilidade e proporcionalidade da multa cominatória aplicada em virtude do descumprimento, por 280 (duzentos e oitenta) dias, da ordem judicial de transferência de numerário bloqueado via BacenJus.

5. A exigibilidade da multa aplicada é a exceção que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que, para nela não incidir, basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial.

6. Tendo sido a multa cominatória estipulada em valor proporcional à obrigação imposta, não é possível reduzi-la alegando a expressividade da quantia final apurada se isso resultou da recalcitrância da parte em promover o cumprimento da ordem judicial.

Precedentes.

7. Admite-se, excepcionalmente, a fixação de um teto para a cobrança da multa cominatória como forma de manter a relação de proporcionalidade com o valor da obrigação principal.

8. O descumprimento de uma ordem judicial que determina a transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, além de configurar crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do disposto nos arts. 600 do CPC/1973 e 774 do CPC/2015.

9. Hipótese em que a desobediência à ordem judicial foi ainda agravada pelos seguintes fatores: a) a recalcitrância perdurou por 280 (duzentos e oitenta) dias; b) a instituição financeira apenada atuou de forma a obstar a efetividade de execução proposta contra empresa do seu próprio grupo econômico; c) a simples transferência de numerário entre contas-correntes não apresenta nenhuma dificuldade de ordem técnica ou operacional a justificar a exasperação do prazo de 24 (vinte e quatro) horas concedido pelo juízo e d) não foram apresentados motivos plausíveis para o descumprimento da ordem judicial, senão que a instituição financeira confiava no afastamento da multa ou na sua redução por esta Corte Superior.

10. Admitir que a multa fixada em decorrência do descumprimento de uma ordem de transferência de numerário seja, em toda e qualquer hipótese, limitada ao valor da obrigação é conferir à instituição financeira livre arbítrio para decidir o que melhor atende aos seus interesses.

11. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.

12. Recurso especial de AUREO HOEFLING DE JESUS provido.

13. Recurso especial do BANCO SANTANDER parcialmente provido. (...)

5) Do valor da multa cominatória Registra-se, de início, que a pretensão de reduzir o valor da multa aplicada ao recorrente está amparada nos arts. 8º e 537, § 1º, I, do Código de Processo Civil de 2015, ao argumento de que, apesar da limitação das astreintes ao teto de R$ 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil reais), essa quantia ainda se afigura manifestamente desarrazoada. Além disso, consta do acórdão recorrido que, "a despeito de o Estado-Juiz não ter indicado o dispositivo legal, a multa em exame foi determinada sob os auspícios da lei, qual seja, o art. 461, caput, e § 5º do Código Buzaid, incidente à época dos fatos" (e-STJ fl. 1.829 - grifou-se). (...)

Dito isso, cumpre asseverar que a multa cominatória, de execução indireta, é imposta para a efetivação da tutela específica perseguida ou para a obtenção de resultado prático equivalente nas ações de obrigação de fazer ou não fazer. Em virtude da sua natureza inibitória, destina-se a impedir a violação de um direito, de forma imediata e definitiva. Logo, o valor e a periodicidade das astreintes devem ser de tal ordem que sejam hábeis a forçar o réu, em geral resistente, a cumprir a obrigação na forma específica. Ademais, por ser um instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, a decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa, seja para suprimi-la. (...)

Atualmente, a tese firmada sob a égide da legislação processual revogada conta com o respaldo do Código de Processo Civil de 2015, que assim disciplinou a matéria: "Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento." (grifou-se) A respeito do montante da multa diária, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica no sentido de que o valor das astreintes deve guardar relação de proporcionalidade com o interesse a ser protegido pela prestação da obrigação principal, evitando-se, assim, o desvirtuamento da medida coercitiva, que poderia i) ser mais atrativa ao demandado, por ser a transgressão mais lucrativa que o cumprimento da obrigação (insuficiência da penalidade), ou ii) ser mais vantajosa ao demandante, que enriqueceria abruptamente às custas do réu (penalidade excessiva). Com efeito, a multa cominatória tem por finalidade constranger o devedor a adotar um comportamento tendente à implementação da obrigação, e não servir de compensação pela deliberada inadimplência. Assim, para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante. A esse respeito, confiram-se: REsp nº 1.475.157/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 6/10/2014, e AgRg no AREsp nº 394.283/SC, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 26/2/2016. No caso em apreço, a prestação a ser adimplida consistia na transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, equivalente a R$ 673.018,84 (seiscentos e setenta e três mil e dezoito reais e oitenta e quatro centavos), a revelar que não há desproporcionalidade na multa diária estabelecida, ao final, após a sua redução determinada em sede recursal, em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a hipótese de descumprimento da ordem judicial. Não se pode olvidar que a multa cominatória, como bem observou o Ministro Sidnei Beneti no julgamento do REsp nº 1.200.856/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, "visa, em suma, a constranger o devedor ao cumprimento espontâneo da obrigação que lhe é imposta (em caráter liminar ou não), sob pena de, assim não o fazendo, ser obrigado a arcar com uma situação ainda mais desfavorável", funcionando, pois, como meio de coerção capaz de garantir a efetividade do processo mediante concretização da tutela específica. Ademais, a elevada quantia verificada ao final não resulta, na espécie, da desproporcionalidade da multa aplicada, mas da recalcitrância da instituição financeira demandada, que, não obstante a simplicidade da ordem judicial, optou por não lhe dar efetivo cumprimento por inacreditáveis 280 (duzentos e oitenta) dias. Mas não é só! Diante da resistência da instituição financeira em efetuar a transferência dos valores bloqueados para uma conta judicial vinculada ao juízo, o magistrado de primeiro grau de jurisdição proferiu novo despacho determinando que a penhora em dinheiro fosse efetuada por oficial de justiça, na "boca do caixa". O resultado do imbróglio daí resultante está resumido na certidão exarada pelo Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem judicial: (...)

De todo o relato apresentado, é possível concluir que, além de não haver desproporcionalidade no valor da multa aplicada, não foi ela fixada em quantia suficiente para alcançar o verdadeiro intento do instituto, seja quanto ao propósito de buscar a satisfação da tutela específica, seja quanto ao escopo de garantir plena observância ao princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais. A modificação do valor da multa cominatória, na espécie, serviria para incutir no recorrente a certeza de que a sua "estratégia" realmente funciona. Seria incentivar a sua conduta, com indesejados reflexos sobre a credibilidade do Poder Judiciário. Anota-se, em complemento, que a exigibilidade da multa aplicada é a exceção, que somente se torna impositiva na hipótese de recalcitrância da parte, de modo que para nela não incidir basta que se dê fiel cumprimento à ordem judicial. No caso, uma simples ordem de transferência de numerário que não implicava sequer o imediato levantamento de valores. Ao final de seu voto, destacou Sua Excelência que "a vinculação das astreintes à obrigação principal ou à dimensão econômica do dever, apesar de parâmetro confiável, não é, por óbvio, critério absoluto, sendo apenas um dos elementos a ser levados em conta" (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016 - grifou-se). Nessa mesma ocasião, foram elencados os seguintes parâmetros para a adequada fixação do valor das astreintes: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss). O descumprimento de uma ordem judicial que determina a transferência de numerário bloqueado via Bacen-Jud para uma conta do juízo, além de poder configurar o crime tipificado no art. 330 do Código Penal, constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, a teor do disposto no art. 600 do Código de Processo Civil de 1973: (...) Nessa perspectiva, sopesando todos os parâmetros que devem nortear a fixação da multa cominatória e considerando o deliberado descumprimento da ordem judicial, outra alternativa não resta senão afastar o teto fixado pelo Tribunal de origem, admitindo-se o prosseguimento da execução pelo seu valor integral. O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal e da segurança jurídica, deve zelar pela credibilidade do Poder Judiciário como um todo, dele devendo partir as diretrizes que dão sustento à força cogente das decisões judiciais em qualquer instância, e não servir de inspiração para o desacato premeditado das ordens que emanam desse Poder, cabendo aqui a máxima de que "ordem judicial não se discute, se cumpre". Em um Estado Democrático de Direito, as ordens judiciais não são passíveis de discussão, senão pela via dos recursos cabíveis. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. (...)"

(STJ, REsp 1840693/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020)

De um lado, a revisão da astreinte ao argumento raso de que tal valor se mostra excessivo revela um incentivo ao devedor para insistir no cumprimento de sua obrigação, vez que uma vez consolidado o entendimento de que as multas vencidas não transitam em julgado, basta o devedor descumprir sua obrigação, aguardar que o montante acumulado se torne excessivo e, posteriormente socorrer-se ao órgão revisor para postular sua redução.

Por outro lado, há situações também onde o credor, uma vez fixada a astreite e sua periodicidade, sequer acompanha se a obrigação foi cumprida e não informa ao juízo eventual inadimplemento. Simplesmente deixa a periodicidade da multa acumular um valor expressivo para depois vir a juízo mais interessado em receber o valor da muta do que requerer providências destinadas a forçar o cumprimento da obrigação, tal qual o uso de medidas de apoio.

Ainda, é certo que há situações de abuso na fixação da multa, de sorte que o devedor acredita que tem razão e não quer, a luz do direito material, cumprir o comando jurisdicional que lhe foi imposto (mormente quando fixada em regime de tutela provisória, cuja decisão poderão em juízo de cognição exauriente, ser revista ou modificada). Recorre da decisão e assim o recorrerá enquanto lhe existir os recursos cabíveis.

Em síntese, não há de se confundir abuso do direito de defesa com exercício do contraditório e ampla defesa.

Os precedentes acima, ao examinar sensível tema, fixaram algumas premissas, tais como (i) a decisão que fixa a astreinte não faz coisa julgada material, (ii) como critério de revisão, não basta a análise limitada entre a comparação do valor da obrigação e a soma da astreinte, sendo mais adequado o cotejo entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo devedor, (iii) em caráter excepcional, pode o juiz fixar um teto para cobrança da multa cominatória, (iv) há de se observar, quando da fixação da astreinte, a) o valor da obrigação e a importância do bem jurídico tutelado, b) o temo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade), c) a capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e d) a possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss).

O cotejo das premissas acima não esgota a melhor análise do tema. Todavia, em vista de se consolidar o entendimento no sentido de que a decisão que fixa a astreinte não faz coisa julgada, como forma de evitar a banalização do instituto, prudente o exame das circunstâncias supra citadas, as quais reverberam não só em critérios objetivos, mas, principalmente, na conduta tanto do credor quanto do devedor da obrigação no plano processual.

__________

1 Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

§ 2º O valor da multa será devido ao exequente.

§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.

§ 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).