Texto de autoria de Elias Marques de Medeiros Neto
O Código de Processo Civil, em seu artigo 835, parágrafo segundo, bem como a lei 13.043/2014 (artigos 9, II, e 15, I, da lei 6830/80), equiparam expressamente a fiança bancária e o seguro garantia ao dinheiro, de modo que não deveriam haver tantas polêmicas acerca da possibilidade de substituição da penhora de dinheiro pela apólice de seguro garantia; notadamente nos casos em que o seguro garantia apresenta todos os requisitos necessários para honrar devidamente o pagamento do débito reconhecido em título executivo.
Neste ponto, Teresa Arruda Alvim1 é didática ao expor que: "Reside neste parágrafo segundo do art. 835 mais uma prova de que a preferência pela penhora em dinheiro não tem caráter absoluto, como dissemos ao comentarmos, em conjunto, o inc. I e o parágrafo 1. Com efeito, ao equiparar a ‘dinheiro’ a fiança bancária e o seguro garantia judicial, para fins de substituição da penhora, o que o Novo Código de Processo Civil visou foi assegurar ao executado o direito de substituir qualquer penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial... a jurisprudência do STJ tem reconhecido esta possibilidade, a qual está mais afinada com a busca de uma execução proporcional e equilibrada, como defendemos ao longo de nossos comentários a diversos dispositivos atinentes à execução".
Na mesma linha, quanto às execuções fiscais, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 25.06.2019, ao julgar o REsp 1.381.254-PR, bem sinalizou que: "Assim, o dinheiro, a fiança bancária e o seguro garantia são equiparados para os fins de substituição da penhora ou mesmo para garantia do valor da dívida ativa, seja ela tributária ou não tributária, sob a ótica alinhada do § 2º do art. 835 do CPC/2015 c/c o inciso II do art. 9º da Lei n. 6.830/1980, alterado pela Lei n. 13.043/2014. Por fim, não há razão jurídica para inviabilizar a aceitação do seguro garantia judicial, porque, em virtude da natureza precária do decreto de suspensão da exigibilidade do crédito não tributário (multa administrativa), o postulante poderá solicitar a revogação do decreto suspensivo caso em algum momento não viger ou se tornar insuficiente a garantia apresentada".
Entretanto, apesar da literalidade das aludidas normas, inegável é que ainda há resistência quanto ao pleito de substituição da penhora de dinheiro pelo seguro garantia, especialmente nas diferentes esferas do contencioso tributário.
Por isso, merece especial destaque o recentíssimo posicionamento da 10ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2072750-68.2020.8.26.0000, ocorrido em 16.05.2020, tendo sido relator o desembargador Torres de Carvalho, no qual, em processo fiscal envolvendo a cobrança de IPVA, se autorizou a substituição do depósito de dinheiro pelo seguro garantia, em virtude do contexto de crise em que o país está inserido:
"IPVA. Ação anulatória. Locadora de automóveis com sede no Estado de Minas Gerais e diversas filiais, inclusive no Estado de São Paulo. Veículo registrado em Minas Gerais, mas à disposição para locação em São Paulo. LE nº 13.296/08, art. 6º, II. Suspensão da exigibilidade. Oferecimento de seguro garantia. Necessidade de levantamento de depósito judicial, com substituição da garantia, em razão de dificuldades financeiras enfrentadas pelo estado de calamidade decretado na tentativa de conter o avanço da pandemia do coronavírus. – 1. Suspensão da exigibilidade. Seguro Garantia. Quando do ajuizamento da ação, a autora pleiteou a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, mediante apresentação de seguro garantia. Após intensos debates, em 3-4-2017 a 10ª Câmara de Direito Público, no julgamento do AI nº 2022987-40.2016.8.26.0000/50000, em readequação, definiu que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário estaria condicionada ao depósito do montante integral e em dinheiro do valor discutido nos autos. O depósito foi feito no valor de R$-2.497.709,72, com concordância do Estado. – 2. Levantamento. Vinculação. Ainda que a possibilidade de apresentação do seguro para suspender o crédito tributário tenha sido debatida no julgamento do AI nº 2022987-40.2016.8.26.0000/50000, as circunstâncias atuais permitem nova análise, sob outra perspectiva. As dificuldades financeiras que muitas empresas estão enfrentando em decorrência das restrições impostas na tentativa de conter o avanço da pandemia do coronavírus é fato notório, assim como as consequências para as atividades relacionadas ao turismo (indiretamente vinculada à locação de automóveis). Isso, somado ao fato de que a garantia apresentada é válida, não havendo risco ao Estado, autorizam o levantamento do depósito. – Tutela indeferida. Agravo provido, com observação".
Em regra, os pedidos de substituição de penhora devem observar os requisitos dos artigos 847 e 848 do CPC/15, sendo certo que o artigo 835, parágrafo segundo, do mesmo diploma, claramente equiparou a fiança bancária e a apólice de seguro ao dinheiro; permitindo-se, assim, que esses instrumentos de garantia possam ser manejados na execução, desde que observem todos os requisitos necessários para honrar o pagamento de créditos líquidos, certos e exigíveis.
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1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1321.