Texto de autoria de André Pagani de Souza
Como é de conhecimento geral, o § 7º do art. 334 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) estabelece que "a audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei".
Nada foi disposto no CPC/2015 acerca da possibilidade de realização de audiência de conciliação ou de mediação por meio eletrônico no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Por isso, havia controvérsia sobre possibilidade de realização de audiência por videoconferência para a tentativa de conciliação das partes no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.
Aliás, como expõe o Enunciado n. 161 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais – FONAJE, é entendimento corrente que: "Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da lei 9.099/95.
Por isso, merece comemoração a entrada em vigor, nesta última segunda-feira, 27 de abril de 2020, da lei 13.994, de 2020, que "altera a lei 9.099, de 26 de setembro de 1.995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis". Ela é oriunda do PL 1.679/2019, de autoria do deputado Luiz Flávio Gomes (PSB-SP)1.
A novíssima lei 13.994/20202 inseriu os parágrafos 1º e 2º no art. 22, da lei 9.099/953, que passou a ter a seguinte redação:
"Art. 22. A conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.
§ 1º Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo juiz togado mediante sentença com eficácia de título executivo.
§ 2º É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes" (grifos nossos).
Também foi alterado o art. 23, da lei 9.099/1995, que dispunha que "não comparecendo o demandado, o juiz togado proferirá sentença". Agora, com a nova redação, o art. 23 da Lei dos Juizados Especiais passou a dispor o seguinte:
"Art. 23. Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o juiz togado proferirá sentença" (grifos nossos).
São duas alterações importantes no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, portanto, que parecem relevantes, em uma primeira análise: (i) a permissão da realização de audiência para tentativa de conciliação não presencial, ou seja, mediante a utilização de meios tecnológicos de transmissão de vídeo e som em tempo real, como, por exemplo, videoconferência; (ii) a recusa por parte do demandado de participar da audiência não presencial como razão para autorizar o juiz a proferir sentença.
A primeira delas é salutar, pois a possibilidade de realização de audiência de maneira não presencial pode e deve facilitar a vida de muitas pessoas que têm dificuldades para se deslocar até a sede do juízo para tentar conciliar com a parte contrária. Veio em bom momento esta lei, considerando-se que uma das principais maneiras de se evitar a propagação do covid-19 é o distanciamento social. Resta saber qual será o software utilizado para realizar a videoconferência.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a resolução 314, de 20 de abril de 2020, que, no § 2º do art. 6º estabeleceu que:
"para realização de atos virtuais por meio de videoconferência está assegurada a utilização por todos os juízes e tribunais da ferramenta Cisco Webex, disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio de seu sítio eletrônico na internet (www.cnj.jus.br/plataforma-videoconferencia-nacional), nos termos do Termo de Conferência Técnica n. 007/2020, ou outra ferramenta equivalente, e cujos arquivos deverão ser imediatamente disponibilizados no andamento processual, com acesso às partes e aos procuradores".
Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Conselho Superior da Magistratura, editou o Provimento CSM n. 2.554/2020, de 24 de abril de 2020, que, em seu art. 2º, § 3º, prescreve que:
"os atos virtuais por videoconferência serão realizados por meio da plataforma Microsoft Teams".
Ao que tudo indica, cabe ao Poder Judiciário, diante da lacuna legal, estabelecer qual o software a ser utilizado para a realização das audiências de conciliação por meio de videoconferência. Espera-se que exista uniformidade, neste particular, para que o jurisdicionado não seja prejudicado.
A segunda alteração que parece ser relevante diz respeito à recusa por parte do demandado de participar da audiência não presencial como razão para autorizar o juiz a proferir sentença (art. 23, da lei 9.099/1995, com a redação dada pela lei 13.994/2020).
Neste aspecto específico, parece, em uma primeira análise, que a lei disse menos do que deveria dizer ou não foi clara o suficiente. Há questões que podem surgir quando da aplicação do art. 23, da Lei dos Juizados Especiais, e que aparentemente estão sem resposta.
Por exemplo, o que deve acontecer se o demandado comparecer na sede do juízo mas não participar da tentativa de conciliação não presencial? Ou ainda, o que deve acontecer se o demandado não participar da tentativa de conciliação não presencial porque não tem acesso à internet, computador, celular ou tablet? E se o demandado não souber como utilizar o programa Cisco Webex ou o Microsoft Teams, apenas para mencionar os softwares utilizados pelo CNJ e pelo TJ/SP? Seria razoável – e constitucional – uma sentença açodada, interpretando-se que houve recusa do demandado em participar da audiência de conciliação?
Enfim, tudo indica que a novíssima lei 13.994/2020 veio em bom momento, para facilitar a solução de conflitos nos Juizados Especiais Cíveis e privilegiar as formas consensuais de solução de litígios tais como a conciliação. Melhor ainda para todos que no momento atual em que vivemos estamos praticando o distanciamento social para evitar a rápida propagação do covid-19, pois as audiências poderão ser realizadas sem que as pessoas envolvidas tenham contato físico ou tenham que se deslocar até o fórum. Porém, ainda é necessário refletir como se dará a aplicação dessa novidade legislativa na prática, quais os softwares serão utilizados, como os jurisdicionados terão acesso aos tais "recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real" e o que deve ser considerado como "recusa a participar da tentativa de conciliação não presencial", para que não sejam violadas garantias fundamentais de todo cidadão, tais como a do acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV) e a da ampla defesa (CF, art. 5º, LV).
__________
1 Projeto de Lei 1679, de 2019.