CPC na prática

A novela sobre a comprovação do feriado local e o seu novo capítulo em 2020

A novela sobre a comprovação do feriado local e o seu novo capítulo em 2020.

6/2/2020

Texto de autoria de Rogerio Mollica

A comprovação do feriado local é uma das muitas armadilhas que vêm sendo armadas pelos Tribunais para a eliminação imediata de recursos. Dada a importância do tema, ele já foi objeto de três artigos nessa coluna1.

Apesar da primazia do julgamento de mérito ser um dos pilares do Código de Processo Civil de 2015, do entendimento de nossa melhor doutrina quanto a possibilidade de comprovação posterior do feriado local2 e do Enunciado nº 663 do Conselho da Justiça Federal, tal entendimento restou vencido no Superior Tribunal de Justiça.

No final de 2019 acreditava-se que a novela sobre a possibilidade ou não da comprovação posterior do feriado local estaria acabada, eis que foi exarado o seguinte acórdão pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. FERIADO LOCAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. NECESSIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA.

1. O novo Código de Processo Civil inovou ao estabelecer, de forma expressa, no § 6º do art. 1.003 que "o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso". A interpretação sistemática do CPC/2015, notadamente do § 3º do art. 1.029 e do § 2º do art. 1.036, conduz à conclusão de que o novo diploma atribuiu à intempestividade o epíteto de vício grave, não havendo se falar, portanto, em possibilidade de saná-lo por meio da incidência do disposto no parágrafo único do art. 932 do mesmo Código.

2. Assim, sob a vigência do CPC/2015, é necessária a comprovação nos autos de feriado local por meio de documento idôneo no ato de interposição do recurso.

3. Não se pode ignorar, todavia, o elastecido período em que vigorou, no âmbito do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior, o entendimento de que seria possível a comprovação posterior do feriado local, de modo que não parece razoável alterar-se a jurisprudência já consolidada deste Superior Tribunal, sem se atentar para a necessidade de garantir a segurança das relações jurídicas e as expectativas legítimas dos jurisdicionados.

4. É bem de ver que há a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões em casos excepcionais, como instrumento vocacionado, eminentemente, a garantir a segurança indispensável das relações jurídicas, sejam materiais, sejam processuais.

5. Destarte, é necessário e razoável, ante o amplo debate sobre o tema instalado nesta Corte Especial e considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito, que sejam modulados os efeitos da presente decisão, de modo que seja aplicada, tão somente, aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo, a teor do § 3º do art. 927 do CPC/2015.

6. No caso concreto, compulsando os autos, observa-se que, conforme documentação colacionada à fl. 918, os recorrentes, no âmbito do agravo interno, comprovaram a ocorrência de feriado local no dia 27/2/2017, segunda-feira de carnaval, motivo pelo qual, tendo o prazo recursal se iniciado em 15/2/2017 (quarta-feira), o recurso especial interposto em 9/3/2017 (quinta-feira) deve ser considerado tempestivo.

7. Recurso especial conhecido." (g.n.)

(REsp 1813684/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/10/2019, DJe 18/11/2019)

Como se vê, restou pacificado o entendimento quanto a necessidade da prévia comprovação do feriado local, entretanto, modulou-se o julgado para que a exigência de tal comprovação só fosse requerida para os recursos interpostos a partir de 18/11/2019 (data da publicação do acórdão), conforme se extrai dos trechos grifados do referido julgado.

Não tendo as partes recorrido do referido acórdão, para surpresa geral, no início do ano judiciário de 2.020, mais precisamente no dia 03/02/2.020, a novela ganhou mais um capítulo, eis que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por 7X3, decidiu:

"A Corte Especial, por maioria, rejeitou a preliminar suscitada pelo Sr. Ministro Luis Felipe Salomão de não cabimento da questão de ordem e, ainda, por maioria, acolheu a questão de ordem para reconhecer que a tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."

Portanto, como ocorre em toda boa novela, quando se esperava que a questão estivesse terminada, tivemos uma grande reviravolta, eis que agora restou decidido que a modulação só abrangeria os recursos que versassem sobre o feriado da segunda-feira de carnaval. Desse modo, todos os outros recursos abrangendo outro feriado local poderiam voltar a ser eliminados.

Com isso, "os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito", que serviram de balizamento para a concessão da modulação restaram afastados para todos os outros feriados locais e mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça acaba se afastando da linha mestra do Código de Processo Civil de 2015, que é a remoção de obstáculos para o julgamento do mérito.

Portanto, essa novela está longe de se encerrar, eis que agora a Corte Especial do STJ será instada a se manifestar se a modulação poderia ocorrer sobre cada um dos inúmeros feriados locais, eis que a fundamentação para a modulação para o feriado na segunda-feira de carnaval é o mesmo para a modulação quanto ao feriado de Corpus Christi, ao feriado do Dia do Servidor Público e a todo e qualquer feriado local.

__________

1 Colunas de 6/7/2017 e 25/10/2018 de minha autoria e de 16/8/2018 de autoria do professor André Pagani de Souza.

2 Neste sentido: Luis Guilherme Aidar Bondioli (Comentários ao Código de Processo Civil – arts. 994 a 1.044, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 68); Daniel Amorim Assumpção Neves (Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.654); Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., São Paulo, RT, 2016, p. 1063); Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 4, São Paulo: saraiva, 2017, p. 377).

3 Enunciado nº 66: "Admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC".

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).