André Pagani de Souza
Como se sabe, o art. 976 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), estabelece que é cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) quando houver, simultaneamente: "I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica".
O art. 977, do CPC/2015, por sua vez, determina que o pedido de instauração deve ser dirigido ao presidente do Tribunal, sendo que o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo Regimento Interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização da jurisprudência do Tribunal.
Nos termos do art. 981 do referido diploma legal, após a distribuição do IRDR ao órgão competente para julgar o incidente, deverá ser realizado o seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976 acima mencionados ("I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica").
Caso o órgão competente para julgar o IRDR não vislumbre a presença dos dois requisitos acima mencionados, que devem estar presentes simultaneamente, nos termos do caput do art. 976 do CPC/2015, tal incidente não deve ser admitido.
Questão de extrema relevância para o operador do direito é saber se tal decisão – a que não admite a instauração do IRDR pelo não preenchimento dos requisitos necessários – é recorrível ou não. A resposta para tal pergunta não é fácil porque o CPC/2015 não oferece uma solução clara e direta para a questão, conforme se verá adiante.
Um indício de que não caberia recurso desta decisão de inadmissão do IRDR pelo não preenchimento dos requisitos legais está no § 3º do art. 976 do CPC/2015 que preceitua o seguinte: “§ 3º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado”.
Em outras palavras, a lei processual prescreve que a não admissão do IRDR não impede que o incidente seja novamente suscitado se, posteriormente, houver o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade.
Outro indício de que não caberia recurso da decisão que não admite o IRDR pelo não preenchimento dos pressupostos legais é o comando do art. 987 do CPC/2015, pois ele prevê o cabimento de recurso especial ou extraordinário apenas da decisão que julga o mérito do incidente.
Nessa linha de raciocínio, não caberia recurso da decisão que deixa de apreciar o mérito do IRDR. Somente a decisão que aprecia o mérito do incidente seria recorrível, nos termos do art. 987 do CPC/2015.
Um terceiro indício de que não caberia recurso da decisão que não admite o IRDR está na própria Constituição Federal que, no inciso III dos artigos 102 e 105 estabelece que cabem recurso extraordinário e recurso especial, respectivamente, das causas decididas. Assim, se o mérito do IRDR não é objeto de decisão, também não caberia recurso especial ou extraordinário da decisão que não admite o incidente, exatamente porque não haveria "causa decidida".
Nesse sentido manifestou-se recentemente o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.631.846/DF, ao afirmar que, nas palavras da relatora Min. Nancy Andrighi: "Não há que se falar em causa decidida, que pressupõe a presença do caráter de definitividade do exame da questão litigiosa, se o próprio legislador previu, expressamente, a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido".
Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão acima mencionado:
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DE 2º GRAU QUE INADMITE A INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE. RECORRIBILIDADE AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. POSSIBILIDADE DE NOVO REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DO IRDR QUANDO SATISFEITO O REQUISITO AUSENTE POR OCASIÃO DO PRIMEIRO PEDIDO, SEM PRECLUSÃO. RECORRIBILIDADE AO STJ OU AO STF PREVISTA, ADEMAIS, SOMENTE PARA O ACÓRDÃO QUE JULGAR O MÉRITO DO INCIDENTE, MAS NÃO PARA O ACÓRDÃO QUE INADMITE O INCIDENTE. DE CAUSA DECIDIDA. REQUISITO CONSTITUCIONAL DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS. AUSÊNCIA. QUESTÃO LITIGIOSA DECIDIDA EM CARÁTER NÃO DEFINITIVO.
1- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) preliminarmente, se é cabível recurso especial do acórdão que inadmite a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas - IRDR; (ii) se porventura superada a preliminar, se a instauração do IRDR tem como pressuposto obrigatório a existência de um processo ou de um recurso no Tribunal.
2- Não é cabível recurso especial em face do acórdão que inadmite a instauração do IRDR por falta de interesse recursal do requerente, pois, apontada a ausência de determinado pressuposto, será possível a instauração de um novo IRDR após o preenchimento do requisito inicialmente faltante, sem que tenha ocorrido preclusão, conforme expressamente autoriza o art. 976, §3º, do CPC/15.
3- De outro lado, o descabimento do recurso especial na hipótese decorre ainda do fato de que o novo CPC previu a recorribilidade excepcional ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal apenas contra o acórdão que resolver o mérito do Incidente, conforme se depreende do art. 987, caput, do CPC/15, mas não do acórdão que admite ou que inadmite a instauração do IRDR.
4- O acórdão que inadmite a instauração do IRDR não preenche o pressuposto constitucional da causa decidida apto a viabilizar o conhecimento de quaisquer recursos excepcionais, uma vez que ausente, na hipótese, o caráter de definitividade no exame da questão litigiosa, especialmente quando o próprio legislador previu expressamente a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido.
5- Recurso especial não conhecido" (STJ, 3ª Turma, REsp 1.631.846/DF, relatora para acórdão Min. Nancy Andrighi, não conheceram do recurso por maioria de votos, j. 05.11.2019).
No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) decidiu que não deveria ser admitida a instauração de IRDR por não estar configurado o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade (I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica). Mais especificamente, o TJDFT entendeu que não havia no âmbito do Tribunal recurso pendente de julgamento sobre a mesma questão unicamente de direito. Por isso, não admitiu a instauração de IRDR.
Enfim, trata-se de uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, tomada por maioria de votos. Isto quer dizer, portanto, que ainda estamos longe de ter uma interpretação consolidada e uniformizada dos artigos 976 e seguintes do CPC/2015 que tratam do IRDR. Por ora, a decisão que prevaleceu no âmbito da Terceira Turma do STJ é a de que não cabe recurso especial contra acórdão que trata apenas da admissibilidade de IRDR.