Daniel Penteado de Castro
A fase de cumprimento de sentença de pagar quantia, prevista no art. 475-J, do CPC de 1973, previa a intimação do devedor para pagamento em quinze dias, sob pena da incidência de multa no percentual de dez por cento, a incidir sob o quantum debeatur atualizado1.
O art. 523 do CPC de 2015 tornou mais rígida referida regra em relação ao devedor, para prever não só a multa de dez por cento caso a dívida deixe de ser paga no prazo de quinze dias, mas também cumulou o acréscimo de dez por cento sobre o quantum debeatur, a título de honorários advocatícios2.
Resta saber, portanto, se para uma sentença prolatada sob vigência do CPC/73, quando do início do cumprimento de sentença observar-se-á o regime jurídico do código anterior ou, de outra banda, o quanto disposto no CPC/2015.
A questão pode ser respondida ao se prever que a lei processual tem aplicação imediata (arts. 14 e 1.046, do CPC/2015) de sorte que, iniciado o cumprimento de sentença à luz da vigência do CPC/2015, há de ser observado o regime jurídico previsto nos arts. 523 e seguintes de referido diploma, independentemente da sentença que se visa o cumprimento haver sido prolatada quando vigente o CPC/73.
Ainda, também sob outra perspectiva, decidiu o STJ em recente julgado também pela aplicação do CPC/2015, desta feita, sob o prisma de aplicação da Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, cuja utilidade é deflagrada em situações de conflito de direito intertemporal:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 03/STJ. SENTENÇA EXEQUENDA PROFERIDA QUANDO VIGENTE O CPC/73.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA INICIADO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO NOVA.
1. Nos termos do art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Na linha dos precedentes desta Corte, "a aplicação da lei processual nova, como o CPC/2015, somente pode se dar aos atos processuais futuros e não àqueles já iniciados ou consumados, sob pena de indevida retroação da lei" (AgInt no AREsp 1016711/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 05/05/2017).
2. Como bem observa a doutrina, é possível a aplicação da norma processual superveniente a situações pendentes, desde que respeitada a eficácia do ato processual já praticado. Esse entendimento é corroborado pelo Enunciado Administrativo 4/STJ, in verbis: "Nos feitos de competência civil originária e recursal do STJ, os atos processuais que vierem a ser praticados por julgadores, partes, Ministério Público, procuradores, serventuários e auxiliares da Justiça a partir de 18 de março de 2016, deverão observar os novos procedimentos trazidos pelo CPC/2015, sem prejuízo do disposto em legislação processual especial."
3. No caso concreto, embora a sentença exequenda tenha sido proferida na vigência do CPC/73, o cumprimento de sentença iniciou-se na vigência do CPC/2015, razão pela qual é aplicável a nova legislação. Assim, considerando que a agravante foi intimada e não efetuou o pagamento voluntário, o débito deve ser acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento (art. 523, § 1º, do CPC/2015).
(...)"
(STJ, REsp n. 1.815.762/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 5/11/2019, v.u., grifou-se)
O recente precedente acima soa acertado, porquanto não só em consonância com a inteligência do art. 14 do CPC/2015 (aplicação imediata da lei processual, quando de sua vigência) mas também para se reafirmar, na hipótese de conflito de direito intertemporal, a prevalência no sistema brasileiro da Teoria do Isolamento dos Autos Processuais.
__________
1 "Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação".
2 Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
(...)
§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.
[V. arts. 517, e 782, §§ 3.º a 5.