CPC na prática

Embargos de declaração e valorização da jurisprudência no CPC/15

Embargos de declaração e valorização da jurisprudência no CPC/15.

1/8/2019

André Pagani de Souza

Como é de conhecimento geral, os arts. 926 e 927, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC de 2015), trazem normas diretivas de maior otimização de decisões paradigmáticas no âmbito dos tribunais. O art. 926 dispõe em seu "caput" que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". Já o segundo dispositivo enumera uma série de decisões nos seus incisos I a V que os juízes e tribunais "observarão", tais como: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

À luz desses dois dispositivos, principalmente, afirma-se que o CPC de 2015 impõe a valorização da jurisprudência. Com efeito, percebe-se que há uma valorização de determinadas decisões que frequentemente são chamadas de "precedentes", ou seja, são pronunciamentos judiciais que, originários de julgamentos de casos concretos, querem ser aplicados também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar.

Assim, tais decisões são chamadas de "precedentes" porque foram julgados com antecedência a outros casos e, de acordo com o art. 927, é desejável que aquilo que expressam seja observado em casos que serão julgados posteriormente (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 698).

Por esse motivo, para concretizar os anseios dos dispositivos acima mencionados, o art. 1.022, parágrafo único, inciso I, do CPC de 2015, estabelece o seguinte:

"Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

(...)

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:

I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento"

Ou seja, como decorrência dos comandos do art. 926 e 927, os órgãos jurisdicionais não podem deixar de se manifestar sobre um precedente aplicável, em tese, a um processo que está sob seu julgamento. Nesse caso, há duas opções para o órgão jurisdicional: (i) aplicar o precedente invocado ou (ii) demonstrar a distinção entre a hipótese concreta e o precedente invocado (ou, como preferem alguns, fazer o distinguishing). O que não pode e não deve acontecer é, simplesmente, o órgão jurisdicional ignorar um precedente aplicável a um processo que está sob sua responsabilidade de julgar, sob pena de se configurar uma flagrante omissão na sua atuação.

Em um julgado proferido em um passado não muito distante, a União Federal teve que interpor uma série de embargos de declaração (com base na alegação de omissão e invocando o art. 1.022, parágrafo único, inciso I, do CPC de 2015) para que, finalmente, o Superior Tribunal de Justiça reconhecesse a existência de um tema de repercussão geral já fixado precedentemente pelo Supremo Tribunal Federal. Grosso modo, isso significa afirmar que os embargos de declaratórios foram manejados para que o Superior Tribunal de Justiça "valorizasse" a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A ementa do julgado é a seguinte:

"PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS/DÉCIMOS. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES COMISSIONADAS ENTRE 8/4/1998 E 4/9/2001. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PRETÓRIO EXCELSO. PRONUNCIAMENTO PELA IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.

1. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE n. 638.115/CE, declarou a impossibilidade de incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas exercidas no período compreendido entre a edição da Lei n. 9.624/98 e da MP n. 2.225-45/2001.

2. Necessidade a adequação do acórdão embargado para reconhecer a ilegalidade da incorporação de quintos por servidores pelo exercício de funções gratificadas no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/1998 e a Medida Provisória 2.225-45/2001, respeitada a modulação dos efeitos da decisão para desobrigar a devolução de valores percebidos de boa-fé. Precedentes.

3. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes.

(EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1420183/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe 26/02/2019, grifo nosso)"

Com efeito, em um processo em que um servidor público federal discutia com a União Federal a incorporação aos seus vencimentos de "quintos decorrentes de exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas", o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela incorporação dos referidos "quintos" aos vencimentos da parte. Porém, a União Federal recorreu dessa decisão alegando que o Supremo Tribunal Federal havia decidido em outro processo, com reconhecimento de repercussão geral, a incorporação de tais quintos era indevida. Afirmou, assim, a União Federal que o Superior Tribunal de Justiça não poderia contrariar o entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no julgamento do RE 638.111/CE de que “ofende o princípio da legalidade a decisão que concede a incorporação de quintos pelo exercício de função comissionada no período de 8/4/1998 a 4/9/2001.

Em outras palavras, no julgamento cuja ementa está acima transcrita, o Superior Tribunal de Justiça deixou de aplicar o Tema de Repercussão Geral n. 395 (“incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas”) objeto do julgamento do RE 638.111/CE, sem apresentar qualquer justificativa para tanto e sem fazer o chamado distinguishing.

Por isso, ficou configurada a flagrante omissão do Superior Tribunal de Justiça, que deveria ter conhecimento do tema de repercussão geral fixado pelo Supremo Tribunal Federal e que, também, deveria ter aplicado esta decisão precedente ao caso sob sua responsabilidade de julgamento, como forma de valorização da jurisprudência. Assim, os embargos de declaração, interpostos com base no inciso I do parágrafo único do art. 1.022 do CPC de 2015, foram instrumento fundamental para que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fosse respeitada, suprindo-se a omissão apontada e conferindo ao sistema processual civil brasileiro as tão almejadas estabilidade, integridade e coerência (art. 926, do CPC de 2015), "valorizando-se a jurisprudência".

 
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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).