Daniel Penteado de Castro
Os chamados embargos infringentes foram extirpados como recurso em espécie no CPC/2015. Por sua vez, o legislador introduziu dispositivo também conhecido como "técnica de julgamento estendido", por meio da qual "(...) quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (art. 942, caput).
A continuidade do julgamento pode ser realizada na mesma sessão em que instaurada a divergência, tal qual autoriza o § 1º do art. 942, colhendo-se os votos adicionais de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado, assim como a possibilidade dos julgadores que já tiverem votado rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento (§ 2º).
A par da hipótese de incidência prevista no caput do art. 942, reza o § 3º a aplicação do julgamento estendido também ao resultado não unânime, porém com determinadas restrições: a) julgamento proferido em ação rescisória, quando o resultado não unânime restar proclamado em relação a rescisão da sentença, b) em agravo de instrumento, quando houver reforma de decisão que julgar parcialmente o mérito (arts. 356, caput, e § 5º) e, por fim, c) a vedação de referida técnica ao julgamento de incidente de assunção de competência (art. 947) e incidente de resolução de demanda repetitivas (arts. 976 a 987), assim como quando do julgamento em razão da remessa necessária (art. 496) e julgamento não unânime, proferido pelos tribunais pelo plenário ou corte especial.
Em resumo, extrai-se as seguintes conclusões quanto a aplicação de referida técnica: (i) cabimento quando do resultado não unânime do julgamento da apelação (com ou sem reforma da r. sentença de mérito1), (ii) observância na ação rescisória somente quando o resultado, por maioria de votos, direcionar-se para a rescisão da sentença ou acórdão impugnados e (iii) para o agravo de instrumento tirado da sentença de julgamento parcial de mérito (art. 356, caput e § 5º), somente na hipótese de reforma, por unanimidade, da decisão impugnada2.
E, em recente julgamento o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que o julgamento por maioria de votos, ainda que tirado de recurso de agravo de instrumento interposto em incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial, também está sujeito a observância da inteligência do art. 942 do CPC:
Nesse contexto decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça:
"RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. AÇÃO INCIDENTAL. JULGAMENTO DE MÉRITO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO UNÂNIME. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO.
APLICAÇÃO.
(...)
5. No caso de haver pronunciamento a respeito do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, o agravo de instrumento interposto contra essa decisão, julgado por maioria, deve se submeter à técnica de ampliação do colegiado prevista no artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015.
6. Recurso especial provido para, acolhendo a preliminar de nulidade, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicadas, por ora, as demais questões."
(STJ, REsp n. 1797.866/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u.)
Dentre as razões que sustentam o entendimento acima, destaca-se os fundamentos do voto condutor:
"(...)
Vale lembrar, no ponto, que, de acordo com o artigo 189 da LREF, o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber.
A Corte de origem afastou a aplicação da técnica de ampliação de julgamento ao entendimento de que não houve a reforma de decisão que julgou parcialmente o mérito nos termos exigidos pelo dispositivo acima mencionado:
Ademais, esta 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial tem entendido ser caso de julgamento estendido no processo recuperacional apenas quando se discute e se reforma decisão a respeito da homologação do plano, conforme se extrai do seguinte julgado, a saber:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OBSCURIDADE. CONTRARIEDADE. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO. A decisão recorrida deixou claros os motivos do convencimento da Turma Julgadora para a manutenção do crédito do agravado no quadro geral de credores como indicado pelo Administrador Judicial. A matéria em julgamento diz respeito a um incidente do processo de recuperação judicial, cujo mérito, se de mérito se pode falar, é a homologação do Plano de Recuperação ou a Falência. Mérito, no sentido que tem o art. 942, § 3º, inc. II, do NCPC, é o mérito do processo de conhecimento e não dos incidentes do processo. Basta ver que a Lei nesse ponto se refere a 'decisão que julgar parcialmente o mérito', que tudo indica se refere ao julgamento previsto no art. 356 do Código. O mérito não se identifica no incidente, mas na causa principal em julgamento. (...)" (fl. 2.352, e-STJ - grifou-se).
Essa não parece a melhor interpretação a ser dada ao incidente de impugnação de crédito.
Com efeito, apesar da nomenclatura "incidente", a impugnação ao crédito não é um mero incidente processual na recuperação judicial, mas uma ação incidental, de natureza declaratória, que segue o rito dos artigos 13 e 15 da LREF. Observa-se que há previsão de produção de provas e, caso necessário, a realização de audiência de instrução e julgamento (art. 15, IV, da LREF), procedimentos típicos dos processos de conhecimento.
(...)
É possível concluir, em vista desses fundamentos, que o agravo de instrumento que, por maioria, reforma decisão proferida em impugnação que se pronuncia acerca da validade e classificação do crédito se inclui na regra legal de aplicação da técnica de julgamento ampliado, pois: (i) o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber; (ii) a impugnação de crédito é uma ação incidental de natureza declaratória, em que o mérito se traduz na definição da validade do título e sua classificação; (iii) a decisão que põe fim ao incidente de impugnação de crédito tem natureza de sentença, fazendo o agravo de instrumento as vezes de apelação, e (iv) se a decisão se pronuncia quanto à validade do título e a classificação do crédito, há julgamento de mérito.
Cumpre sublinhar que, na hipótese dos autos, a decisão objeto do agravo de instrumento concluiu que "a multa decorrente da rescisão contratual é crédito extraconcursal e não se submete ao plano de recuperação judicial" (fl. 206, e-STJ), julgando improcedentes os pedidos e extinguindo o incidente com resolução de mérito. Houve, portanto, pronunciamento quanto à validade do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, e não sobre questão de índole processual.
Nesse contexto, não há como afastar a aplicação do artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015, propiciando o aprofundamento da discussão a respeito da controvérsia jurídica sobre a qual houve dissidência.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para declarar a nulidade do acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicada, por ora, a análise das demais questões.
(STJ, REsp n. 1797.866/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u.)
O entendimento acima soa acertado, porquanto independentemente do rotulo em que se veicula determinada tutela jurisdicional (ação autônoma ou incidente processual), é indubitável que o quanto decidido trata-se de mérito em ação incidental, decisão esta sujeita a formação de coisa julgada material.
E, se o viés do legislador ao prever no art. 942, caput, como uma das hipóteses de aplicação do julgamento estendido o resultado não unânime do recurso de apelação (sem distinção alguma se o conteúdo recai ou não sobre exame de mérito), por mais razão que na situação ora tratada, o meio de impugnação cabível que faria as vezes ao acesso ao segundo grau de jurisdição - agravo tirado de decisão que julga incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial – também há de sujeitar-se a referida regra.
Questão que resta a dúvida (e ousamos neste brevíssimo ensaio responder) diz respeito ao cabimento ou não de sustentação oral no agravo de instrumento tirado da decisão de julgamento do incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial.
Entendemos que a resposta soa afirmativa, a se guardar a mesma simetria com a previsão de cabimento de sustentação oral em recurso de apelação (CPC, art. 937, I). Muito embora o meio de impugnação seja o recurso de agravo, a devolução da matéria recursal - na hipótese de agravo tirado de julgamento de incidente de impugnação de crédito em recuperação judicial - diz respeito ao mérito de uma ação incidental que, tal qual no recurso de apelação, há de se assegurar a prerrogativa cabimento de sustentação oral.
__________
1 Logo, basta o resultado não unânime, seja para manutenção, seja para reforma ou anulação da sentença impugnada. Percebe-se significativa ampliação das hipóteses de cabimento em confronto com o regime do CPC/73 (art. 530) quanto aos embargos infringentes.
2 Tamanha limitação soa incongruente. Na medida em que o art. 356 do CPC representa técnica em que o juiz pode julgar o mérito de um pedido frente aos demais (v.g., juiz decide o pedido A aplicando-se o art. 356 e, na mesma decisão, determina seja realizada instrução probatória destinada a esclarecer pontos controvertidos ligados aos pedidos B e C), de igual sorte poderia o juiz deixar de aplicar referida técnica, para julgar todos os pedidos numa única sentença (em arremate ao exemplo anterior, julgado os pedidos A, B e C em única decisão). Para a primeira hipótese (art. 356, § 5º), a aplicação da técnica de julgamento estendido é cabível somente quando houver reforma da decisão que julgue parcialmente o mérito. Para a segunda, basta o resultado do julgamento não unânime, com ou sem reforma da sentença de resolução de mérito (art. 942, caput).
A mesma incongruência se projeta quanto ao cabimento de sustentação oral. Nos exemplos acima, na segunda hipótese é assegurada a sustentação oral (CPC/2015, art. 937, I); na primeira hipótese, o código é silente, muito embora, em ambos os casos tem-se a homogeneidade de um meio de impugnação tirado de decisão de mérito.