CPC na prática

Decisão padrão e ausência de fundamentação: posicionamento do STJ

Decisão padrão e ausência de fundamentação: posicionamento do STJ.

13/6/2019

Daniel Penteado de Castro

O art. 489, § 1º, III, do CPC/2015 trouxe importante inovação ao elencar, dentre as hipóteses de não se considerar fundamentada (e, evidentemente, violadora do Princípio da Fundamentação das Decisões Judiciais, também de previsão constitucional do art. 93, IX, da CF), a decisão judicial que "(...) invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão".

Muito embora tal hipótese atuava para exemplificar, nos bancos acadêmicos e reforçada pela doutrina, como circunstância de decisão não fundamentada, foi necessário o legislador tornar o exemplo acadêmico em dispositivo de lei.

Com o advento da novel regra a doutrina corrobora os reclamos anteriores, no sentido de repudiar decisões em que se empregam fundamentos genéricos, sem, contudo, projetá-los ao caso concreto ou em confronto com os elementos presentes nos autos:

"O terceiro exemplo a que se refere o Código de Processo Civil diz respeito ao julgado que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão (art. 489, § 1º, III). (...) O dispositivo em tela, na verdade, visa a coibir situação diversa: aquela na qual o julgador lança mão de uma fundamentação genérica, inútil e meramente formal. Exemplos: "presentes os pressupostos legais, defiro a liminar"; "inadmito o recurso especial, porque o acórdão recorrido formou a sua convicção com base nas provas e circunstâncias fáticas próprias do caso sub judice (Súmula 7 do STJ)”. Decisões desse tipo constituem tautologias e desprezam a garantia constitucional, porque não são substancialmente motivadas."

(FONSECA, João Francisco Naves da. In: GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar; FONSECA, João Francisco Naves da (coords.). Comentários ao Código de Processo Civil – volume IX (arts. 485-508). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 55/56, grifou-se).

A própria magistratura, ao comentar dito dispositivo, chama a atenção a odiável prática que deve ser repelida. A obra abaixo referenciada, foi integralmente escrita por magistrados:

"O inciso III cuida da decisão que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra. Na verdade, o legislador mostrou-se sensível ao fato de que, em tempos de produção em série, em que, para afastar a morosidade da justiça, louvam-se as estatísticas, a produtividade do juiz, muitas vezes são exaradas decisões padrão, com termos vazios, que serviriam a ‘fundamentar’ qualquer outra decisão. O julgador não desce ao caso concreto. Aplica-se a decisão-padrão sem examinar as características próprias da controvérsia. Por exemplo: ‘verossímil a alegação do autor e sendo ele hipossuficiente, inverto o ônus da prova’. No mais das vezes, a hipótese do inciso III confunde-se com a do inciso I. É a paráfrase de textos normativos ou sua repetição, quase sempre, que permite a adoção de decisões-padrão"

(OLIVEIRA, Swarai Cervone de. In: SANTOS, Silas Silva; CUNHA, Fernando Antonio Maia da; CARVALHO FILHO, Milton Paulo de; RIGOLIN, Antonio (coords.). Comentários ao Código de Processo Civil: perspectivas da magistratura. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 520/521).

A luz da vigência do CPC/2015, felizmente o E.STJ, atento a tamanha teratologia, já repeliu a estirpe de decisões padrões:

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. A decisão que determina a quebra de sigilo fiscal e bancário deve conter fundamentação concreta, justificando a razão pela qual a medida deva recair sobre a pessoa a quem é dirigida. 2. Carece de fundamentação a decisão genérica, que não enfrenta os fatos particulares do caso, podendo servir a qualquer outro. 3. Recurso ordinário provido, para anular a decisão que impôs a quebra dos sigilos fiscal e bancário da recorrente, determinando que, caso a medida já tenha sido efetuada, sejam desentranhados dos autos os elementos de informação dela decorrentes."

(STJ, RMS 51273/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 11/12/2018, DJe 01/02/2019, grifou-se)

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL OU OUTRA SUBSTÂNCIA PSICOATIVA. CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR SEM HABILITAÇÃO. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. DANO CONTRA PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESACATO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. MERA REMISSÃO À MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTOS PELO TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

(...)

2. A técnica de fundamentação per relationem - aceita por esta Corte - não dispensa considerações, ainda que mínimas, por parte do Magistrado acerca dos elementos concretos do fato sub análise, sendo insuficiente a mera remissão ao parecer ministerial, sob pena de autorização de decisão padrão que se amoldaria a todas as manifestações do Parquet (Precedentes).

(...)"

(STJ, HC 457303/TO, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJE 03.10.2018, v.u., grifou-se)

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. DECISÃO DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DESNECESSIDADE DE EXTENSA FUNDAMENTAÇÃO. 2. MOTIVAÇÃO GENÉRICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECISÃO NULA. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que, não sendo caso de absolvição sumária, a motivação acerca das teses defensivas formuladas no bojo da resposta à acusação deve ser sucinta, de forma a não se traduzir em indevido julgamento prematuro da causa.

2. No entanto, da leitura da decisão impugnada, verifica-se esta é genérica e não identifica o que está sendo refutado. Cuida-se de decisão padrão, aplicável a qualquer caso. Certo é que a decisão que serve para qualquer hipótese acaba por não analisar de forma individualizada o pleito do acusado, a denotar a apontada nulidade por ausência de fundamentação. Como é cediço, "é essencial que o julgador demonstre que conhece os autos e os pleitos das partes. Não se admite decisão teratológica, genérica ou desvinculada da realidade processual. O exame detido do processo é pré-requisito para um julgamento justo e equânime". (HC 375.180/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 16/02/2017, DJe 24/02/2017)

3. Recurso em habeas corpus provido, para anular a decisão que analisou a resposta à acusação, devendo outra ser proferida de forma individualizada e fundamentada.”

(STJ, RHC 95550/PA, Rel. Min Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 20.06.2018, v.u., grifou-se)

Certamente não é essa restrição ilegítima de acesso à justiça compactuada pela Corte Cidadã. A abstração de se aplicar como fundamentação de inadmissibilidade do recurso especial slogans lançados ao vento, à exemplo de "violação a súmula 7” ou “ausência de cotejo analítico" acima, sem substrato mínimo ao caso concreto, por si só já viola o art. 489. § 1º, III.

De igual sorte, tamanha a teratologia de decisões padrão que a parte prejudicada por eventual conteúdo decisório nela presente sequer terá condições de compreender o porquê do livre convencimento restou assentado nas premissas ali lançadas, porquanto tais premissas se encontram divorciadas de qualquer elemento (ou indicação de fls.) presentes nos autos ou à luz da análise do caso concreto, a inviabilizar o amplo acesso à justiça. Neste caso, tem-se o livre convencimento, porém sem motivação, o que também agride o art. 371 do CPC.

Portanto, fica a esperança dos precedentes acima citados não só serem observados, mas também reproduzido tal ratio decidendi em situações congêneres (CPC, art. 926, caput), com vistas a iniciar o desenvolvimento de uma cultura de repúdio a decisão padrão, decisão esta que não há mal algum na reprodução de suas premissas em diversas demandas, desde que cotejada a aplicação de tais premissas, verdadeiramente, a luz do caso concreto em exame.

 

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).