CPC na prática

A prova testemunhal como prova nova apta a ensejar o cabimento de ação rescisória

A prova testemunhal como prova nova apta a ensejar o cabimento de ação rescisória.

9/5/2019

Daniel Penteado de Castro

Uma das inovações introduzidas no CPC/2015 diz respeito ao cabimento de ação rescisória pautada em prova nova.

A hipótese antes prevista no art. 485, VII do CPC/731 foi reproduzida parcialmente no artigo 966, VII, porém substituída a expressão "documento novo" por "prova nova":

"Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(...)

VII – obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

A inovação soa impactante. Isso porque a hipótese, antes renegada a existência de documento novo, restou expandida ao conceito de prova nova, cuja amplitude contemplaria no mínimo as provas em espécie rotuladas no CPC/2015: ata notarial (art. 384), depoimento pessoal (arts. 385 a 388), confissão (arts. 389 a 395), documental (arts. 405 a 438), testemunhal (art. 442 a 463) e pericial (arts. 464 a 480).

Ainda, o CPC de 2015, por meio do art. 975, § 2º, determinou, na hipótese de ação rescisória fundada em prova nova, que "(...) o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo".

E recentemente o STJ decidiu que se encontra dentro do conceito de prova nova, para efeito de cabimento de ação rescisória, a prova testemunhal:

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, INCISO VII, CPC/2015. PROVA NOVA. PROVA TESTEMUNHAL. CABIMENTO. DECADÊNCIA. ART. 975, § 2º, CPC/2015. AFASTAMENTO. TERMO INICIAL DIFERENCIADO. DATA DA DESCOBERTA DA PROVA. RETORNO DOS AUTOS. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. NECESSIDADE.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Recurso especial oriundo de ação rescisória, fundada no artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil de 2015, na qual a autora noticia a descoberta de testemunhas novas, julgada extinta pelo Tribunal de origem em virtude do reconhecimento da decadência, por entender que testemunhas não se enquadram no conceito de "prova nova".

3. Cinge-se a controvérsia a definir se a prova testemunhal obtida em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão rescindenda está incluída no conceito de "prova nova" a que se refere o artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil de 2015, de modo a ser considerado, para fins de contagem do prazo decadencial, o termo inicial especial previsto no artigo 975, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 (data da descoberta da prova nova).

4. O Código de Processo Civil de 2015, com o nítido propósito de alargar o espectro de abrangência do cabimento da ação rescisória, passou a prever, no inciso VII do artigo 966, a possibilidade de desconstituição do julgado pela obtenção de "prova nova" em substituição à expressão "documento novo" disposta no mesmo inciso do artigo 485 do código revogado.

5. No novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo. Doutrina.

6. Nas ações rescisórias fundadas na obtenção de prova nova, o termo inicial do prazo decadencial é diferenciado, qual seja, a data da descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

7. Recurso especial provido."

(REsp 1.770.123/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 26/3/2019, grifou-se)

O voto condutor bem apontou as razões que lastrearam o acórdão recorrido, sob a preocupação de que a admissibilidade de prova testemunhal com dentro do espectro de prova nova desafia o cabimento de ação rescisória.

"Segundo o Tribunal de origem,

"(...)

Não há como aplicar o § 2º, do art. 975, do CPC, porque a hipótese modelada no dispositivo diz respeito a descobrir 'prova nova' e não testemunhas novas. A redação encaminha o intérprete a reconhecer que se refere a fato provado ou documento existente e não coisa a ser apurada e dependente de confirmação, como é o caso de prova oral a ser produzida. Essa interpretação que a autora pretende que prevaleça poderá ampliar de forma demasiada o fim de um processo, na medida em que ao invés de dois anos do trânsito em julgado, permanece a instabilidade pela chance de ação rescisória por mais cinco anos e tudo isso por um elemento abstrato, como eventual e suposto conhecimento de testemunhas. É muito frágil a tese e depõe contra os princípios constitucionais da celeridade ou do prazo razoável de duração (art. 5º, XXXV, da CF e LXXVIII, da Constituição Federal)" (e-STJ fl. 593).”

Todavia, prevaleceu entendimento em sentido contrário, conforme se extrai do voto condutor:

"(...)

Assiste razão à recorrente no ponto.

De fato, com o nítido o propósito de alargar o espectro de abrangência do cabimento da ação rescisória, o novo diploma processual passou a prever, no inciso VII do artigo 966, a possibilidade de desconstituição do julgado pela obtenção de "prova nova" em substituição à expressão "documento novo" disposta no mesmo inciso do artigo 485 do código revogado.

(...)

Logo, de acordo com o novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo.

Nesse sentido são as lições da doutrina abalizada:

"(...)

Prova nova. O atual CPC é mais abrangente do que o CPC/1973, pois admite não só a apresentação de documento novo, mas também de tudo que possa formar prova nova em relação ao que constou da instrução no processo original. Mas, da mesma forma que ocorria em relação ao documento novo, por prova nova deve entender-se aquela que já existia quando da prolação da sentença, mas cuja existência era ignorada pelo autor da rescisória, ou que dele não pôde fazer uso - portanto, não cabe, no caso, dar início a nova perícia judicial, por exemplo. São enquadráveis, portanto, neste dispositivo, apenas os documentos, os depoimentos e os testemunhos. (...)". (NERY e NERY. Código de processo civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pág. 2.060 - grifou-se)

(...)

No caso em apreço, tendo sido as testemunhas novas alegadamente encontradas em 1/7/2017 e 30/10/2017, e considerando ainda a data do trânsito em julgado da sentença rescindenda (15/7/2014), no momento da propositura da demanda (14/12/2017) ainda não tinha se esgotado o prazo legal de decadência aplicável à hipótese.

Imperioso, desse modo, o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, afastada a decadência, prossiga no processamento da ação rescisória como entender de direito. (...)"

(REsp 1.770.123/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, v.u., j. 26/3/2019, grifou-se)

Muito embora o julgado acima tenha se limitado a examinar se a prova testemunhal se enquadra no conceito de prova nova, para efeito de cabimento de ação rescisória, caberá, desta feita ao tribunal a quo perquirir se a descoberta da prova testemunhal se enquadra em literal hipótese em que a parte desconhecia a testemunha ou, ainda, limitado se encontrava o acesso a aludida pessoa.

Em verdade, o ônus da prova neste aspecto cognitivo deve recair ao autor da ação rescisória, questão esta de fundamental importância para exame preliminar se à época da demanda seria ou não inviável o acesso a testemunha, a ponto de se aproximar do conceito de prova nova. Do contrário, tal qual alertado pelo tribunal a quo, no precedente acima referenciado, corre-se o risco de escancarar o cabimento da ação rescisória, senão a relativizar a preclusão processual.

Tudo isso, para uma prova que, uma vez admitida, ainda é desconhecido o que será revelado, podendo tal prova em nada contribuir para a modificação do julgado. Respeitado entendimento em sentido contrário, o que se espera é que a corte cidadã aplique seu próprio precedente em outras situações congêneres aptas a questionar a discussão se a prova testemunha se enquadra no conceito de prova nova, para efeito do cabimento de ação rescisória.

__________

1 Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

"(...)

VII – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;"

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).