André Pagani de Souza
Ao tratar do início da fase de cumprimento definitivo de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, o § 1º do art. 523 da lei 13.105/2015 (CPC/2015) estabelece que não ocorrendo o pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento (grifamos).
Uma dúvida que pode surgir para o intérprete é como compor a base de cálculo para impor ao executado na fase de cumprimento de sentença o pagamento da multa de dez por cento sobre o valor do débito e, também, o pagamento de honorários advocatícios de dez por cento. Ou seja, como calcular o valor total devido?
Trata-se de uma dúvida bastante pertinente pois, a depender da resposta, o executado será obrigado a pagar valores significativamente diferentes. Apenas para ilustrar a importância de se responder tal questão, imagine-se que alguém foi condenado ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por meio de uma sentença. Na fase de cumprimento de sentença, este executado será intimado para pagamento dos R$ 100.000,00 (cem mil reais), mais honorários de dez por cento e também multa de dez por cento se não pagar no prazo de quinze dias (art. 523, caput e § 1º, do CPC/2015).
Se a multa for incluída na base de cálculo dos honorários advocatícios desse exemplo hipotético teremos: R$ 100.000,00 (cem mil reais) somados a R$ 10.000,00 (dez mil reais) de multa, totalizando R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais). Sobre estes R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), na primeira hipótese, devem incidir honorários de dez por cento (R$ 110.000,00 + 10%), totalizando R$ 121.000,00 (cento e vinte um mil reais).
Por outro lado, na segunda hipótese, se a multa não for incluída na base de cálculo, teremos R$ 100.000,00 (cem mil reais) de condenação principal, mais R$ 10.000,00 (dez mil reais) de honorários advocatícios e também R$ 10.000 (dez mil reais) a título de multa cominatória, totalizando R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais).
Como se pode perceber, neste exemplo acima mencionado, haverá uma diferença de R$ 1.000,00 (um mil reais) no valor que o executado deverá pagar a depender da inclusão (ou não) da multa cominatória na base de cálculo dos honorários advocatícios na fase de cumprimento definitivo de sentença que reconhece a exigibilidade da obrigação de pagamento de quantia (art. 523, § 1º, do CPC/2015).
Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça, debruçando-se sobre esta importante questão que tem impacto significativo na forma de se calcular o valor devido pelo executado na fase de cumprimento de sentença, entendeu que a multa cominatória não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença. Ou seja, ficou com a segunda hipótese acima levantada.
Trata-se de v. acórdão da lavra do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, integrante da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido em julgamento datado de 09.10.2018, cuja ementa é a seguinte:
"RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. ART. 523 DO CPC/2015. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA DÍVIDA. NÃO INCLUSÃO DA MULTA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se a verba honorária devida no cumprimento definitivo de sentença a que se refere o § 1º do art. 523 do CPC/2015 será calculada apenas sobre o débito exequendo ou também sobre a multa de 10% (dez por cento) decorrente do inadimplemento voluntário da obrigação no prazo legal.
3. A base de cálculo sobre a qual incidem os honorários advocatícios devidos em cumprimento de sentença é o valor da dívida (quantia fixada em sentença ou na liquidação), acrescido das custas processuais, se houver, sem a inclusão da multa de 10% (dez por cento) pelo descumprimento da obrigação dentro do prazo legal (art. 523, § 1º, do CPC/2015).
4. Recurso especial provido.
(REsp 1757033/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2018, DJe 15/10/2018)".
Para entender perfeitamente a decisão acima referida, é imprescindível transcrever um trecho do seu teor, bastante elucidativo:
"(...) Para deflagrar o cumprimento de sentença, exige-se o requerimento expresso formulado pelo credor. Ocorrendo a intimação do executado, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para satisfação do comando sentencial, após o qual o débito será acrescido de multa e de honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento), totalizando, portanto, o aumento de 20% (vinte por cento).
Nesse contexto, a base de cálculo da multa e da verba honorária é o valor do crédito perseguido na execução da sentença. Ou seja, calcula-se a multa sobre o montante executado e, em seguida, procede-se da mesma forma com os honorários devidos ao advogado. Assim, por exemplo, em caso de execução da importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), será adicionado R$ 1.000,00 (mil reais) a título de multa e R$ 1.000,00 (mil reais) de honorários advocatícios.
Portanto, a base de cálculo da multa e dos honorários advocatícios é a mesma, ou seja, ambos incidem sobre o débito. Por sua vez, a expressão ‘débito’, presente no caput do art. 523 do CPC/2015, compreende o valor que o credor busca no cumprimento da sentença, acrescido, se houver, das custas processuais referentes à instauração da fase executiva, sem incluir a multa de 10% (dez por cento) pelo descumprimento da obrigação no prazo legal (art. 523, § 1º, do CPC/2015)” (os destaques são do original).
Logo, ao se interpretar o § 1º do art. 523 do CPC/2015, a conclusão à qual o Superior Tribunal de Justiça chegou é a de que a base de cálculo da multa e dos honorários advocatícios é a mesma, ou seja, ambos incidem sobre o débito. Dito de outro modo, a multa cominatória não integra a base de cálculo dos honorários advocatícios arbitrados no cumprimento definitivo de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia.